Jornalistas e intelectuais brasileiros trabalham pra esconder que crise cubana advém do comunismo

09 abril 2014 às 12h29

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Não, caro leitor, o assunto dos médicos cubanos não está superado. Nem estará, enquanto houver um deles ganhando menos que seu colega português, espanhol ou brasileiro no programa Mais Médicos. E enquanto estiverem sujeitos, para usar uma locução tão ao gosto das esquerdas, “em regime análogo à escravidão”. Não importam os remendos costurados pelo governo, como o aumento irrisório concedido perante a grita geral, e só depois da “permissão” de Raúl Castro. E a situação desses “escravos de jaleco” nunca poderá ser vista como normal, num país democrático.
O salário confiscado pela ditadura cubana, com a cumplicidade dos “companheiros” brasileiros, é apenas um entre os muitos atentados à dignidade do homem que esses profissionais têm que suportar. Saber que os familiares são reféns da ditadura será sem dúvida pior (nesta semana um cubano do Mais Médicos suicidou em Brasília, numa crise depressiva). Tudo se passa com a omissão das oposições e do Ministério Público do Trabalho, que só agora, seis meses depois da chegada dos primeiros profissionais, resolve questionar os absurdos que estão à vista de todos. Por vezes cai na imprensa algum artigo tentando justificar o que se faz com esses médicos.
Há simpatizantes, e não são poucos, até das ditaduras mais deslavadas, como a dos irmãos Castro. Há sempre quem tente justificar — ou descaracterizar — casos gritantes de truculência da querida ditadura, como este de que tratamos. É o caso de dois jornalistas, um mais novo e inteligente, Hélio Schwartsman, da “Folha de S. Paulo”, e outro mais velho — e o diabo não é temido por ser diabo, mas por ser velho —, Mauro Santayana, do site Carta Maior. Juntou-se aos dois o conhecido professor de Física Rogério Cezar de Cerqueira Leite, em artigo publicado também na “Folha de S. Paulo”, na terça de carnaval deste ano.
Schwartsman — eu disse que é mais inteligente — não bate de frente com a questão do “status” dos médicos: escravos ou não? Prefere se referir a um artigo (excelente, por sinal) do jurista Ives Gandra Martins, publicado na mesma “Folha”, analisando as ilegalidades cometidas pelo governo em desfavor dos médicos cubanos. Schwartsman começa afirmando, para minimizar a contundente verdade do artigo, que Ives Gandra contempla apenas o lado jurídico da coisa, para em seguida tentar “amenizar a escravidão”, formulando uma pergunta pela tangente, e de fácil resposta: os cubanos estão vivendo em melhores condições aqui do que em Cuba? E reforçar: se quiserem desertar, não será mais fácil fazê-lo estando por aqui? Ora, em qualquer lugar do planeta vive-se melhor do que em Cuba. Fisicamente falando, o comunismo arrasou a economia antes próspera da ilha, que viveu de esmolas, primeiro da URSS, e depois que esta entrou em concordata, da Venezuela. Agora, com a Venezuela também quebrada, faz uns valezinhos no caixa do BNDES. Ali falta tudo, de comida a desodorante. Mas o mais importante que falta em Cuba, e falta totalmente, é a liberdade.
E a outra pergunta é um corolário: é também mais fácil desertar estando em qualquer lugar, do que estando na ilha prisão de Fidel & Irmão. Principalmente se o ministro da Justiça de onde se está não é Tarso Genro. O atual não é lá muito confiável, mas igual a Tarso, nenhum outro.
Schwartsman não desmente — nem poderia — Ives Gandra ou seu artigo, mas tenta minimizá-lo.
Santayana já bate de frente. Para ele, o médico cubano tem mais é que aceitar a escravidão, mesmo. Fidel e Raul, donos da ilha e de tudo que nela está, é que sabem o que é melhor para ele, como cubano que é. Santayana não fala, mas deve pensar: afinal o professor dos dois não foi Stálin, iluminada figura conhecida como “guia genial dos povos”? Santayana, quem bem conhece é Olavo de Carvalho, que completou o curriculum de velho jornalista com cargos que ele não lista quando exibe, orgulhosamente, sua passagem por grandes jornais, como “Folha de S. Paulo”, ou alardeia sua amizade com Tancredo Neves. Mauro Santayana foi jornalista do governo comunista checo e empregado da Rádio de Havana. É natural, pois, fala ainda Olavo de Carvalho, que sua função como jornalista seja desinformar, ao invés de informar. No artigo, ataca a médica cubana rebelada Ramona Matos Rodríguez, que para ele é “cara de pau e mau caráter”, e que deveria, sim, trabalhar como escrava, deixar a família refém em Cuba, ter seus documentos pessoais retidos, ver confiscado quase todo o salário pela ditadura cubana, viver semiconfinada e vigiada no Brasil e ficar quietinha, por uma simples razão: teve estudo gratuito em Cuba.
Santayana mostra, para provar, uma foto de Ramona, ainda garota, com uniforme de uma escola cubana, brandindo uma bandeirinha da Ilha. Por certo terá sido remetida a ele por seus patrões (ou ex-patrões) cubanos, com a orientação para escrever o artigo execrável. Fala, como todo defensor daquela ditadura, no praticamente imaginário “boicote americano”. Investe contra os médicos brasileiros e o Conselho Federal de Medicina, que põem justos reparos nos absurdos do imoral e eleitoreiro programa Mais Médicos.
Pobre Santayana: não sabe disso, mas é vítima também de uma forma de servidão. A servidão que alguns, por falta de visão impõem a si próprios quando aceitam como normais totalitarismos como o cinquentenário regime cubano. Essa servidão o obriga, a essa altura da vida, a defender tiranos e a agredir vítimas inermes, como a médica Ramona. Envelhecer com decência é uma arte, e, como arte, não é para todos. Paciência.
O professor Rogério Cezar segue mais ou menos a mesma trilha de Santayana. Parece ter lido o artigo do velho jornalista, e o estar endossando. Embarca nos mesmos cacoetes pouco inteligentes. Fala no embargo americano, a que atribui toda a pobreza da ilha, que ao menos reconhece. Muitos admiradores do regime castrista se recusam até a aceitar essa verdade. E negam a miséria cubana, uma das coisas mais evidentes do mundo. Brigam com os fatos, e veem o paraíso onde só há o inferno.
Mas o professor também compra, de certa forma, essa briga inglória e se recusa a ver no fracasso estrondoso da economia cubana a mão do regime comunista. Não vê que esse fracasso é companheiro inseparável dos regimes de força que a URSS e a China ajudaram a implantar pelo mundo, e que caíram de podres, com raríssimas exceções. E as exceções hoje ostentam exatamente a miséria como galardão, como Cuba e Coreia do Norte.
Um dos contrastes mais gritantes que me foi dado ver foi aquele entre as duas Alemanhas, antes da queda do Muro de Berlim. O mesmo povo, a mesma terra, a mesma cultura. A divisão entre as duas era apenas ideológica. E enquanto a Alemanha Ocidental, democrática, se reconstruía e alcançava um dos mais altos padrões econômicos e sociais do planeta, sua vizinha Oriental, comunista, mal conseguia sair das ruínas da Segunda Guerra, patinava numa estagnação econômica, e ostentava índices sociais vergonhosos perante os de seus irmãos do Oeste. A renda “per capita” da Alemanha comunista era um terço daquela da Alemanha democrática. Uma mostra da diferença entre as duas sociedades era a comparação que se fazia entre os seus carros simbólicos: a democrática tinha os Mercedes-Benz, um dos carros mais avançados do mundo, afirmação de qualidade e esmero. A Alemanha comunista exibia o Trabant, chamado jocosamente de Trabi, um carrinho ordinário, de péssima mecânica e carroceria de madeira compensada. A comparação era até covarde, pois os Trabi, fora do alcance financeiro da grande maioria dos operários da Alemanha comunista, sequer suportariam um cotejo com os mais baratos modelos da Volkswagen, que qualquer operário alemão ocidental comprava com facilidade.
Será, professor Rogério, que também esse descompasso se devia ao boicote americano? Como Santayana, o mestre Rogério ataca os “cubanos de Miami”, que cometeram o grave pecado de fugir da ditadura e ficar ricos nos EUA. E afirma que os médicos cubanos devem aceitar a servidão para que sua mais valia sirva à sociedade empobrecida da ilha. Deve ter lido e estar repetindo as baboseiras de Santayana.
O dinheiro confiscado aos médicos não serve, professor, ou serve apenas em pequena parte aos pobres, que são quase a totalidade dos cubanos. A nomenclatura da ilha é quem se aproveita dos poucos recursos que a ditadura amealha. Raul, Fidel e os graúdos do regime trafegam em automóveis Mercedes-Benz, comem do bom e do melhor, não sentem falta dos melhores cosméticos para brindar as esposas e amantes. Para eles não faltam medicamentos, bebidas caras, roupas e agasalhos. Não vivem em cortiços, como o povo que juram tanto amar. O iate de Fidel Castro, o Tuxpan, é um luxo só. Não deve ser muito difícil calcular quantos médicos cubanos serão necessários, enviando 90% de seus salários para a ditadura, para custear a manutenção da embarcação. O professor também não está sabendo como se envelhece. Pena.