Jornalismo brasileiro: profissão ou militância?

10 abril 2022 às 00h00

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A imprensa do país “finge” que Lula da Silva não cometeu os crimes denunciados e julgados peça Operação Lava Jato
Tendo passado uma temporada em Portugal, chamou-me a atenção o elevado grau de profissionalismo dos jornalistas portugueses. Quem lê, por exemplo, o lisboeta “Diário de Notícias” não saberá dizer a preferência política de qualquer um de seus colunistas. Será um simpatizante do jurássico Partido Comunista Português (PCP)? Ou vota no Partido Socialista (PS), de centro-esquerda? Talvez prefira o Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita. Ou será filiado ao Chega, de extrema direita? Não há como saber, pela leitura dos artigos escritos por ele.
Muito preocupado com a exatidão em si dos fatos, o jornalista português procura relatá-los com precisão histórica, deixando as interpretações por conta do leitor. Já aqui no Brasil, esse profissionalismo dá lugar a uma militância explícita de esquerda, na maioria dos casos da que é chamada “grande imprensa”. É fácil — facílimo, na verdade — saber quais as simpatias políticas da maioria dos colunistas, à exceção dos mais experientes, ponderados e preparados, como Cláudio Humberto, J.R. Guzzo ou Alexandre Garcia.
Pode-se afirmar, com mínima margem de erro, em quem votará nas próximas eleições aquela jornalista do “Estadão” que há três anos só escreve suas crônicas atacando o presidente Jair Bolsonaro ou aquele outro do UOL para quem saem do Palácio do Planalto todas as coisas más que acontecem no País. A preferência é tão visível que às vezes chega ao exagero e leva ao descrédito. Salta aos olhos a má vontade com que pintam o presidente e seus adeptos e a benevolência com que encaram seu candidato, o ex-presidente Lula, e seus seguidores, cujos pecados, provados e comprovados, são sempre perdoados. Examinemos alguns fatos recentes, procurando manter a isenção de um jornalista português, no exame do comportamento dos jornalistas brasileiros.

Fez-se uma enorme celeuma com a presença, na comitiva presidencial que visitou a Rússia, do vereador Carlos Bolsonaro. Os repórteres que cobrem as viagens internacionais do presidente repassaram o fato para as redações, que condenaram de maneira veemente a presença de Carlos. Seria um aproveitamento, uma mordomia indevida do filho de Bolsonaro, martelaram, mesmo após o vereador ter afirmado que havia atendido a um convite da Duma, a câmara baixa do parlamento russo, e que não havia recebido diárias. As críticas continuaram, mesmo assim, por dias e dias. Filho do presidente, para jornalistas militantes, deve ser malhado. Nunca, porém, qualquer desses mesmos repórteres fez menção à presença de Rosemary Noronha, “amiga íntima” de Lula nas viagens internacionais da Presidência (mais de uma dezena delas) quando Marisa Leticia não viajava também. Nem as redações mencionavam essas viagens, mesmo sabendo que Rose Noronha viajava como clandestina e os oficiais da FAB, que não gostam de coisas erradas, eram constrangidos a não incluir seu nome nas listas de passageiros, para não despertar a fúria da então primeira-dama. Criticar Lula? Nem em sonhos. Esses mesmos jornalistas quando muito comentavam entre si, em meio a risos abafados, as qualidades de garanhão do ex-presidente. Lula, por mais errado que seja, deve ser preservado, para esse pessoal.
Ai do ministro do Executivo que cometer um deslize, por menor que seja. Ou disser uma palavra mal colocada. Que o digam o ex-ministro e o atual ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo e Marcelo Queiroga. A “grande imprensa” não perde tempo, e as críticas são pesadas.
Até um Renan Calheiros é exaltado por ela, se se soma a essas críticas. Mas faltam críticas quando os deslizes são contra o presidente ou aliados do Executivo, não importa seu tamanho.
Veja-se o caso do deputado Daniel Silveira, que foi preso e agora usa tornozeleira eletrônica, por ordem do ministro Alexandre de Moraes. Disse, com excepcional clareza o jornalista J. R. Guzzo, na “Gazeta do Povo” do dia 31 de março passado: “A Constituição Federal determina, com uma clareza de cartilha escolar, que nenhum deputado federal pode ser punido por expressar em público o que tem na cabeça — seja lá o que for, sem nenhuma exceção e sem qualquer ressalva. Está escrito, também, que só pode ser preso em flagrante e se cometer um crime inafiançável. O deputado Silveira não foi preso em flagrante, não cometeu nenhum crime inafiançável e expressou o que tinha na cabeça — no caso, um monte de insultos aos ministros do STF. Apesar disso tudo, foi preso por ordem de Moraes…”. Está claro, para qualquer pessoa com um mínimo de inteligência, que o deputado está sendo vítima de uma violência jurídica. Assim se manifestou o ex-ministro do STF Marco Aurélio Melo, por exemplo. O ministro Nunes Marques, colega de Moraes no STF, também mostrou inconformismo. No mesmo caminho se pronunciaram vários juristas e advogados. E na “grande imprensa” alguém protestou, além de Guzzo? Ninguém. Para esses colunistas de esquerda, tudo vale contra Bolsonaro e os que o apoiam.
Nada mais claro e cristalino de que os governos petistas se comportaram como uma associação criminosa, e lesaram o Tesouro Nacional em escala jamais vista no planeta Terra. Não é afirmativa nossa. É fato cristalizado nas confissões, na devolução de bilhões roubados, no pagamento de multas também bilionárias, inclusive no exterior, e nas condenações em várias instâncias, de Lula da Silva e muitos outros envolvidos. Não há o que discutir.
A despeito de tudo isso, ministros do STF livraram Lula da Silva de todas as acusações, com base em preciosidades jurídicas, como aquela de que ele deveria ter sido julgado no foro de Brasília, e não no de Curitiba. Não foi dito — nem poderia ter sido dito — que Lula da Silva não é culpado. Mas saiu isento e é candidato ao mesmo cargo de que abusou.
O que diz a “grande imprensa” desse absurdo, verdadeiro atentado ao povo brasileiro, o roubado no caso? Nada. Silêncio total. Afinal, ele é o candidato de toda a imprensa de esquerda, e quanto menos marola for feita, mais crescem suas chances. As firulas jurídicas foram perfeitamente aceitas por esses colunistas. E nenhum deles se lembrou de outra firula: A suspeição de um juiz quando julga uma causa em que pode ser considerado parcial por proximidade com uma das partes. Quem nomeou vários juízes do STF, que julgaram a anulação das sentenças de Lula? Lula (ou seu robô Dilma Rousseff). E muitas dessas nomeações, só mesmo contando com um Senado amedrontado (com muita razão) diante do STF, por isso mesmo complacente, muito complacente, no apreciar qualificações. Algum dos advogados indicados pelo PT tinha notório saber e ostentava qualificações verdadeiramente importantes? Estava à altura de um Evandro Lins e Silva? Ou de um Ives Gandra? Certamente muitos degraus — mas muitos mesmo — abaixo. Mas para nossa “grande imprensa”, ignorando a própria credibilidade, está tudo muito certo. Segue o que pregava Trótski: “A moral absoluta é fútil. As avaliações morais, como as políticas, derivam das necessidades internas da luta”.