No Michigan há quatro vezes mais pesquisadores citados e no MIT aparecem três vezes mais pesquisadores citados do que em todo o Brasil

As décadas de militância e descaso com o ensino no Brasil têm mostrado seus reflexos, nos vários níveis, o que, de preocupante, passou a assustador.

Se há urgências no país, nenhuma mais premente do que redirecionar o ensino brasileiro no sentido de eliminar tanto quanto possível o analfabetismo, formar jovens adequados ao trabalho, dar ferramentas para o cidadão se tornar consciente de sua sociedade e de sua pátria, dotar o eleitor para que promova escolhas adequadas, formar os profissionais liberais competentes, desenvolver cientistas que não desmereçam um país continental como o nosso.

Vencer, enfim, o estágio subalterno em que vive nosso ensino em comparação com as demais nações. Como fazê-lo com a estrutura existente, indolente, incompetente e ideologizada, é o grande desafio, difícil de enfrentar em uma ou duas décadas.

O filósofo espanhol Ortega y Gasset mostrava-se preocupado, um século atrás, com a ascensão, na Europa, do que chamava “homem-massa”. Tratava-se do cidadão vulgar, que necessitava de alguém ilustrado para lhe mostrar um rumo na existência, mas que não aceitava orientações, se contentava com a própria vulgaridade, desfrutava da civilização como se fosse dádiva natural, não reconhecia deveres, reclamava direitos, se encantava com ismos (comunismo, fascismo, nazismo e etc.).

Sozinho, o MIT tem mais pesquisadores citados do que todo o Brasil | Foto: Reprodução

O “homem-massa” estava presente em todas as classes sociais: no operariado, no meio artístico, nos jornais, nos partidos políticos, nos parlamentos, na magistratura, nas repartições públicas, nas universidades. Um tipo particular do “homem-massa” era o especialista: entendia bastante de uma parte muito reduzida do conhecimento, e por isso se achava sábio o bastante para opinar sobre aquilo de que pouco ou nada entendia. Ignorância quase generalizada e total empáfia, as suas características.

O contrário dos “homens-massa”, os excelentes, os estudiosos, os que exigiam de si mesmos esforços para superarem suas circunstâncias e suas limitações, os que pesquisavam, se ilustravam, trabalhavam duro e se entregavam a conquistas gigantescas, estavam cada vez mais em falta. Estavam desaparecendo os “enciclopédicos”, que faziam avançar as sociedades, na política, na religião, na ciência, na educação e na economia. A sociedade pedia alguém que seguisse Newton, que se comparasse a Einstein, mas este homem não parecia prestes a surgir. Ortega y Gasset via nessa ascensão do “homem-massa” um perigo para o futuro da Europa, que desde o século 17 vinha apontando rumos ao mundo.

Vivesse hoje o filósofo e veria o triunfo do “homem-massa” pelo mundo afora, inclusive em nossas terras. Nessa situação que estamos vivendo, não há como não fazer comparações com o passado. Em situação semelhante a essa de pandemia, e quando a Ciência ainda era de pouca valia, quando foi preciso combater a febre amarela e a varíola, tivemos homens como Oswaldo Cruz, Adolfo Lutz, Vital Brasil e Carlos Chagas. Todos verdadeiros cientistas, com descobertas importantes na medicina e no saneamento em seus currículos. Eram homens que davam conta do recado. Que abismo, entre ontem e hoje, quando temos apenas “mandettas” e “drauzios”.

Em Goiás, agora mesmo, o meio acadêmico local, chamado a auxiliar o governo do Estado, mostra o nosso nível universitário: entrega um estudo que, pelos erros grosseiros que contém e pelos reflexos das medidas equivocadas que indicou (felizmente apenas em parte aceitas e cumpridas), tornou-se amostra da mediocridade de nosso ensino. Um descaso com a seriedade, uma obra ridícula de “homens-massa”.

Comentar é preciso

Nesta página não cabem os comentários que poderíamos fazer sobre os vários níveis de ensino brasileiro, suas deficiências e seu lugar na comparação com outras nações, menos ricas, mas mais previdentes. Mas cabem alguns comentários sobre o ensino superior e seu reflexo no meio acadêmico e na produção científica. São necessários para que reflitamos. O “homem-massa” odeia a reflexão. Como estão as coisas, para ele é o bastante. Que assim permaneçam. Comentar a sua vulgaridade o deixa furibundo. Mas comentar é preciso.

Não temos um Prêmio Nobel, como têm nossos vizinhos sul-americanos, menos ricos e populosos. A universidade brasileira, os centros locais de pesquisa, a Ciência brasileira de uma maneira geral, empobreceram, relativamente ao mundo civilizado. Essa afirmação enfurece os reitores, professores e pesquisadores atuais, mediocridades, salvo raras exceções. Mas um exame dos números mostra que não estamos falando platitudes. Onde a Ciência brasileira? Qual sua descoberta importante recente? O Brasil é um dos países que mais produzem artigos científicos — dirá, ofendido, um desses professores que se dizem “cientistas”, e não sabe distinguir quantidade e qualidade. Um levantamento comparativo entre nossos pesquisadores e pesquisadores estrangeiros, com base no chamado índice h (número que mostra, para um pesquisador, quantos trabalhos publicou e quantas vezes esse trabalho foi citado), vai mostrar algumas verdades:

— O Brasil, segundo o internacional Scimago Journal and Country Ranking (SJR), era, no ano passado, a 15ª nação na produção científica (entre 199 Estados), com mais de 1 milhão de publicações, nas várias áreas do conhecimento humano. Excelente! — dirão o reitor da universidade federal, o diretor da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e o presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Mas avancemos um pouco no exame da publicação: se fizermos uma classificação pelo índice h do país, já caímos para a 24ª posição. E se pesquisarmos pelas citações dos artigos brasileiros por outros pesquisadores — índice mais importante, pois só artigos de qualidade merecem citações —, vemos que o Brasil cai para a 139ª posição! Uma das últimas, constrangedoramente.

O pequenino Portugal, 32º na lista de trabalhos publicados (com um terço de publicações do Brasil), está na 77ª posição, pois os trabalhos dos cientistas portugueses, embora em número muito menor, são muito mais citados.

Para deixar ainda mais furiosos os professores que acham bonito confundir Ciência e Ideologia, os mesmos que não gostam de fatos, mas de suposições, outra publicação comparativa, a do Google Scholar Citations (GSC), mostra que entre cerca de 4.200 pesquisadores que publicaram seus trabalhos pelo mundo afora e que têm índice h acima de 100 há apenas dez abnegados brasileiros. Três deles são da Universidade de São Paulo (USP) e dois da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os demais são de universidades menores, o que leva a crer que se projetaram mesmo pelo esforço pessoal, e não pelas facilidades proporcionadas por suas unidades de pesquisa. Nenhum brasileiro está entre os 300 mais destacados, é preciso que se diga.

Diga-se também que apenas no Estado americano de Michigan há quatro vezes mais pesquisadores citados do que em todo o Brasil, para dar um pequeno exemplo. E outros: numa única escola americana, o Massachussets Institute of Thecnology (MIT), aparecem três vezes mais pesquisadores do que em todo o território nacional. A Escola Politécnica de Lausanne, na Suíça, aparece na relação com tantos pesquisadores quanto o Brasil como um todo. Precisamos deixar de lado o rompante de nossos “especialistas”, a prepotência de nossos “acadêmicos” e nos convencermos de que estamos atrasados, e muito, em relação ao resto do mundo, e não só do Primeiro Mundo. Temos que perceber a dura realidade.  É o primeiro passo de uma longa caminhada no rumo de modificá-la.