A história de um complô, entre a ficção e a realidade, pra matar o nazista Hitler
24 maio 2014 às 12h04
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A morte do austríaco Adolf Hitler, produto de uma articulação de nazistas, teria
mudado alguma coisa na Segunda Guerra Mundial? Depois do Holocausto, talvez não
Foi em Potsdam, em setembro de 1944. O sargento Hans Krupok desligou o telefone e mergulhou a cabeça nas mãos, no velho gesto de desespero. O peso que sustentava nas manoplas era o peso de seu destino. Krupok reviveu o passado, perguntando a si mesmo se havia alguma saída. Era químico, formado com louvor pela Universidade de Tübingen.
Contratado já na formatura pelas indústrias IG Farben, em 1935, chegou a chefe do Laboratório de Explosivos um ano depois. Casado com Ingrid, em 1936, tinha um filho, Felix, nome dado em homenagem ao avô. Felix tinha agora 7 anos, e fazia correr ali, na sua frente, o trenzinho de brinquedo, alheio a um mundo que desmoronava ao redor. Krupok lembrou: prosperara no emprego por quatro felizes anos, até ser incorporado, em 1939, no início da guerra, a uma unidade de reserva da Wermacht, que lhe permitia continuar trabalhando, apesar do severo treinamento militar de três dias por semana.
A guerra pedia soldados, mas também cérebros e braços na indústria bélica, e a IG Farben era uma de suas principais peças. Mas a regalia durou apenas dois anos, pois mão de obra recrutada à força nos países ocupados por Hitler chegava todos os dias à Alemanha, nos vagões superlotados, liberando os alemães para as armas. Em 1941 Krupok desembarcou na então Cirenaica, hoje Líbia, como chefe de um pelotão de sapadores do DAK-Deutsch Afrika Korps. Seu conhecimento em química e explosivos o tinha colocado ali.
O Afrika Korps estava sob comando de um general pouco conhecido, mas respeitado por todos os comandados pela eficiência, chamado Erwin Rommel. Rommel iria tornar-se lendário nos anos seguintes, infligindo derrota atrás de derrota aos ingleses no norte da África. Foi mais de um ano de exultação para os soldados do Afrika Korps, e Krupok era um deles. Recebera das mãos de Rommel a Cruz de Ferro e a promoção a unteroffizier, o equivalente a sargento, em junho de 1942, após a tomada de Tobruk. Era o cume, embora poucos além de Rommel, que já então previa a derrota, soubessem. Estava a ponto de começar a amarga descida de Rommel, do Afrika Korps, e de toda até então prepotente e orgulhosa Alemanha. Krupok, como todos os alemães, desceria junto. Uns desceriam com mais dignidade, como veremos.
A deficiência do abastecimento alemão e a reorganização dos ingleses haviam virado o jogo e as derrotas agora se sucediam para o Afrika Korps, forçando retirada após retirada, para Krupok e seus companheiros. Mais de um ano de vitórias, quase um ano de derrotas.
Agora, naquele fevereiro de 1943, quem comandava o batalhão de Krupok era um jovem tenente-coronel, um bávaro de família nobre, um conde chamado Claus von Stauffenberg. Krupok havia caído nas suas graças, e se tornado um dos próximos de Stauffenberg. As missões mais perigosas e o constante risco de vida haviam aproximado o aristocrático oficial e o reflexivo suboficial. Agora, com o desastre à porta, não só do Afrika Korps, mas de toda a Alemanha, algo mais os aproximava, algo sério, pesado, carregado de perigos, que apenas se cochichava em círculos muito restritos, aos quais não era estranho também o agora marechal Rommel: a deposição de Hitler pela força, única maneira, de afastar o ditador e tornar menos penosa a derrota, cada dia mais nítida no horizonte.
Um incidente de guerra havia interrompido o contato entre comandante e comandado: Stauffenberg havia sido atingido por estilhaços de metralha de um caça-bombardeiro britânico próximo a Mezzouna, e quase havia morrido: perdera um olho, a mão direita e dois dedos da outra mão. Repatriado, convalescia em Munique. Incidente semelhante vitimaria mais tarde o marechal Rommel, cujo carro seria metralhado por um solitário caça inglês, em julho de 1944, ferindo gravemente todos os que estavam no veículo.
E o Afrika Korps, também ferido, mas de morte, rendia-se em maio de 1943, enquanto parte do remanescente de suas tropas, Krupok inclusive, retirava-se para a Alemanha. Krupok havia escapado ileso de todos os combates africanos e fora designado para uma unidade em Potsdam, onde havia se juntado à mulher e ao filho. Era ali que estava agora, em desespero. E fora ali que recebera a visita de seu antigo comandante, o já coronel Stauffenberg, de surpresa, alguns meses antes. Surpresa maior, por estar o coronel à paisana, e apenas acompanhado de um motorista, em um discreto carro particular.
Outras visitas se sucederiam, e o assunto das conversas, reservadíssimas, de que nem Ingrid participava, mas que, mulher inteligente, intuía, era um apenas: a deposição de Hitler. O complô já contava com vários oficiais generais alemães, mas um golpe de mão, puro e simples, era impossível. O ditador, que agora permanecia quase todo o tempo em Rastenburg, na Prússia Oriental, numa antiga província polonesa, era cercado pelas mais fanáticas tropas SS.
Além disso, com Hitler vivo, dificilmente unidades militares, mesmo as da profissional Wermacht, se sublevariam, dado a tradicional disciplina militar alemã, e o juramento de lealdade ao Fürher, que cada oficial fazia, obrigatoriamente, em toda e qualquer promoção. Só com a morte do ditador poderia a conspiração chegar aos objetivos: afastar do poder a camarilha nazista, substitui-la por oficiais profissionais da Wermacht, e negociar uma paz honrosa com os aliados.
O que queriam de Krupok os conspiradores: a feitura de uma ou duas bombas, com poder suficiente para matar os presentes em uma sala de tamanho médio, com um dispositivo de tempo seguro e preciso, que provocasse a detonação 30 minutos após acionado. Tinha Krupok como fabricá-la, com essas características? Tinha. Com os conhecimentos que detinha, era fácil. Queria fazê-lo? Sem hesitação, apesar dos perigos. Quando poderiam as bombas estar prontas? Dentro de uma semana ou no máximo em dez dias. Os explosivos ele subtrairia do quartel, mas os detonadores teriam que ser confeccionados em casa, com material a ser conseguido no comércio, com muito cuidado para não despertar suspeitas. O funcionamento do detonador seria por meio de corrosão de um fio de aço por ácido, e testes de tempo seriam necessários para obter a precisão necessária. “Faça duas bombas, dissera Stauffenberg. Virei buscá-las dentro de duas semanas. Que Deus nos proteja”.
Tudo correra sem transtornos, exceto pelo meio litro de ácido clorídrico que conseguira com o farmacêutico do bairro, um membro do partido nazista, que lhe perguntara a finalidade da compra, e pedira uma requisição militar, ao dizer Krupok que era para as necessidades de sua unidade. Ele não tivera dificuldades em forjar um documento, mas deixara uma pista, um perigoso vestígio. Depois viera o fracasso da tentativa de 20 de julho: sua bomba, colocada por Staufenberg, explodira na sala de conferências de Hitler, matando quatro pessoas, mas o ditador, protegido por uma pesada mesa de carvalho, escapara com poucos ferimentos.
Alguns conspiradores tinham sido fuzilados sumariamente, Stauffenberg inclusive. E a Gestapo, por ordem direta de Hitler, buscava esclarecer a fundo a conjura, identificar todos os que dela tivessem participado e enforcá-los. Krupok acalentara durante dois meses a esperança de que não chegassem até ele. Mas eram longos os braços da Gestapo e nada a detinha quando buscava uma confissão. Dois sinistros membros da temida polícia secreta nazista haviam estado a pouco no aquartelamento de Potsdam à procura do sargento.
Informados de que Krupok estava em casa, estavam a caminho, telefonara do quartel um seu colega de armas, um quase irmão. Fugir? De nada adiantaria. Não havia refúgio seguro na Alemanha nazista, e sua família sofreria. Ingrid desceria aos porões da Gestapo, onde experimentaria todas as torturas para que revelasse seu paradeiro, ainda que dele não soubesse. O que seria de Felix? Impossível saber. Tentar provar inocência? Havia vestígios, a compra do ácido seria inexplicável, como era inegável sua íntima amizade com Stauffenberg.
Só havia uma saída, fora as torturas nas mãos dos sádicos da Gestapo, e a infâmia da forca. Krupok chamou Ingrid, que veio da cozinha, enxugando as mãos no avental, e se espantou com a palidez do marido. Ingrid leu a mensagem no seu olhar. Nada falou, nem quando ele lhe disse que tomasse Felix e o levasse já para um passeio na praça do quarteirão próximo.
Assim que ela saiu levando o pequeno, Krupok abriu a gaveta da escrivaninha e contemplou sua pesada pistola de serviço. Um automóvel negro parava à porta e dele desciam dois policiais da Gestapo, vestindo suas capas de couro também negro, as mãos nos bolsos segurando as armas. Soou um disparo no interior da casa. Um só. Os dois esbirros praguejaram. A presa que buscavam estava para sempre livre de suas garras.
Embora os acontecimentos de fundo sejam históricos, a trama e o sargento Hans Krupok são ficção.