Nascido em Vianópolis, ele foi um dos técnicos que contribuíram para arrancar Brasília do papel e criar a nova capital. E foi professor da UnB

Há um livro importante nas livrarias, “Uma Luz na História”, de Nina Tubino. A autora, professora, historiadora, poetisa e acadêmica, tem uma atividade vulcânica e uma larga produção literária. Quero ler de sua autoria, tão logo me seja possível, outro livro, “O Infante e a Saga Portuguesa”. A professora Nina debruça, neste último, sobre uma das figuras mais expressivas, importantes e enigmáticas da humanidade conhecida: o Infante Dom Henrique, O Navegador.

Voltemos a “Uma Luz na História”. Trata-se de uma mescla. A professora, enquanto faz uma narrativa tão clara quanto documentada (duas décadas de pesquisa) do nascimento de Brasília, projeta também uma personalidade que merece estar na galeria que, tratando de outros vultos semelhantes na grandeza e na modéstia, na competência e no desejo de não aparecer, classifiquei em outros artigos como anônimos extraordinários. Trata-se do engenheiro Joffre Mozart Parada, goiano de nascimento (de Vianópolis) e brasiliense no seu amor paternal pela cidade de Juscelino.

Paternal, sim, pois Joffre é um dos pais da capital brasileira, juntamente com Juscelino Kubitschek, Bernardo Sayão, Altamiro de Moura Pacheco, Israel Pinheiro, Benedito Silva e pouquíssimos outros pioneiros, nessa labuta inimaginável de criar uma cidade.

E faço minha aposta: a grande maioria dos leitores tem notícia da contribuição de todos os mencionados, exceto da participação de Joffre nessa enorme tarefa. Poucos terão mesmo ouvido falar de seu nome, e, portanto, não saberão de quem se trata, a despeito de sua enorme importância na construção de Brasília. Leiam o livro da professora Nina. Verão que esse engenheiro retraído, mas competentíssimo, modesto, mas com enormes encargos na implantação da Capital foi o técnico mais importante – indispensável, eu diria mesmo — na concretização dessa tarefa.

Não é possível resumir aqui a quantidade de informações, documentos e depoimentos que a Professora Nina amealhou por anos, para comprimir no livro; posso apenas fazer alguns comentários sobre esse meu colega, que embora conhecesse de nome, nunca tive oportunidade de cumprimentar pessoalmente.
Joffre, nascido em 1924, em Vianópolis, como foi dito, formou-se engenheiro, em 1949, pela Escola de Minas e Metalurgia de Ouro Preto. Essa escola, criada por Dom Pedro II em 1876 e implantada por um sábio francês (Claude-Henri Gorceix) que o Imperador conseguiu, junto com outros cientistas ilustres, trazer da Sorbonne, foi, por muito tempo – e era ainda, quando Joffre ali estudou – a melhor escola de engenharia do Brasil. E Joffre não foi, diga-se, um aluno comum. Prova é que foi presidente do Diretório Acadêmico e orador da turma em sua formatura. Escreveu, ainda estudante, na Revista da Escola de Minas, também de Ouro Preto, vários artigos.

Formado, de volta a Goiás, foi trabalhar no hoje extinto Departamento de Estradas de Rodagem de Goiás, DER-GO, onde ficou até 1956, quando foi requisitado para a Companhia Urbanizadora da Nova Capital – NOVACAP, e mudou-se para o ermo que seria anos depois Brasília. Relata Nina Tubino que essa transposição não foi tão pacífica. Joffre era peça tão importante para o DER-GO, que o presidente da autarquia, Mucio Nascimento, relutou em cedê-lo, só fazendo após ameaça de demissão pelo governado José (Juca) Ludovico de Almeida.

Formando também em engenharia em 1959, fui trabalhar no DER-GO, em 1960. Ali, o nome de Joffre era falado com respeito. Não se esqueciam, os chefes e funcionários, do exemplar engenheiro. Comecei, na mesma época a lecionar na Escola de Engenharia do Brasil Central, que seria logo federalizada, com a criação, por Colemar Natal e Silva, da Universidade Federal de Goiás. Também lá se falava, com admiração, de Joffre Parada. Ele tinha sido, com colegas de Ouro Preto (entre eles Oton Nascimento, outro técnico extraordinário) e de outras faculdades de engenharia, fundador da escola e um dos seus primeiros professores. Os alunos, dele não se esqueciam, e, inclusive, contavam histórias de sua capacidade e dedicação, como a da descoberta geométrica da equação de uma curva plana nova, por ele, e ainda não homologada.

Como um dos alunos sugerisse o nome de paradóide para a curva, já que o descobridor se chamava Joffre Mozart Parada, Joffre contestou, com bom humor, dizendo que não iria dar a uma curva graciosa como aquela seu nome, mas sim o de Marta Rocha, em homenagem à miss Brasil que encantava o país no ano de 1954. Mais de uma vez ouvi as melhores referências ao meu ilustre, mas retraído meu colega, que tinha vontade de conhecer, mas que andava lá pela sua Brasília, enquanto eu fazia minhas obras aqui pelo interior de Goiás.

O livro da professora Nina, rico em detalhes, muito ilustrado, com base em profusa documentação, conta os trabalhos que Joffre chefiou, desde o primeiro momento, como engenheiro e topógrafo que era, para a consolidação de Brasília, até sua inauguração, e mesmo após. Não foram de graça os títulos que lhe deram os colegas de trabalho e as autoridades brasilienses: Engenheiro do Antes e Engenheiro do Marco Zero.

Lutando com as deficiências do campo, mas contando sempre com o companheirismo da mulher, D. Mercedes, que entre outras coisas desenhava para ele as plantas e os mapas, Joffre deu sua enorme contribuição. Inaugurada Brasília, ele voltou ao ensino, agora na UNB – Universidade Nacional de Brasília. Foi ensinar geologia, matéria que conhecia com profundidade na teoria e na prática. Foi ainda Secretário de Serviços Públicos e Secretário de Serviços Sociais, no governo do Distrito Federal, além de presidente do CREA – Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura, também do DF.

Os norte-americanos, mais atentos e mais práticos, talvez, fizeram justiça a Joffre; o Who’s Who in the World, publicação americana do Estado de Illinois, de 1976, menciona (por certo olhando para a implantação de Brasília) apenas dois brasileiros: Juscelino Kubistchek de Oliveira e Joffre Mozart Parada. Neste mesmo ano de 1976, aos 52 anos apenas, Joffre morreu, vítima de problemas cardíacos.
Viveu seus últimos anos modestamente, mas no conforto do carinho familiar, longe das ostentações da corte brasiliense, com reduzido patrimônio, mas – sem dúvida – com uma perfeita consciência do dever cumprido e um rosário de grandes e boas recordações, de intensas emoções patrióticas, históricas e profissionais.

A professora Nina Tubino foi, além de competente, grande, em fazer justiça a esse honesto pioneiro, homem público e profissional inatacável; a esse exemplo que muito deve ser seguido. Cumprimento-a, pelas horas que dedicou a registrar as verdades escondidas pela inegável modéstia de Joffre Parada e a perenizá-lo em papel e tinta. Elas precisam ser reveladas, para que sirvam de modelo. E cumprimentando a professora Nina, estou cumprimentando também meu colega Joffre, por ela tão bem retratado. Com uma sensação de frustração por nunca ter trocado com ele um aperto de mão.