“Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos.” — Fernando Pessoa

Sinto, assim como vários amigos, enorme desilusão com o quadro político brasileiro. Sonhei com uma situação impossível, em que as duas lideranças da atual polarização nacional se sentavam, numa preocupação comum com o País, vale dizer, com seu povo. Com esse bom e trabalhador povo brasileiro dos balcões das lojas, do chão da fábrica, dos ambulatórios médicos, dos volantes das viaturas, das portarias dos prédios, dos quartéis, das cozinhas, do comércio ambulante, do campo, dos canteiros de obras, das verdadeiras salas de aula e tanta coisa mais. Aqueles que trabalham de sol a sol, criam seus filhos e pagam seus impostos, muitas vezes numa faina de animal de jugo, mas sem deixar jamais o caminho digno e honesto. Veem que falo do povo, não das elites atuais.

Sonhei que os dois polos políticos do momento, Lula da Silva, do PT, e Jair Bolsonaro, do PL, como dois estadistas dos grandes momentos dramáticos da história universal, preocupados com os rumos da nação, condoídos com os sacrifícios do público, resolveram dialogar e buscar um caminho para nosso povo. Sonhei que um havia proposto o diálogo, e o outro, incontinenti, havia aceitado.

Sentados frente a frente, inteiramente voltados para os desafios nacionais, cientes de que os rumos do Brasil não indicavam nenhum horizonte de bonanças, mas sim de raios e trovoadas, os dois líderes concordaram que era urgente um conjunto de ações que fizessem o país explorar sua pujança em benefício de todas as camadas sociais, principalmente das mais necessitadas e pobres. Anuíram os dois em que, independentemente das vantagens que a atual situação de penúria dos serviços públicos pudesse trazer a um ou outro grupo, ela era demais aflitiva para a sociedade para que se admitisse seu prolongamento no tempo. Que a situação só não afetava um pequeno percentual dos brasileiros, aquela nomenklatura encastelada no poder, provida de todas as vantagens da saúde de qualidade, da educação e da segurança particular, e que não dependia de nenhum serviço público. Concertaram ainda que havia exemplos de desenvolvimento de sobra por esse mundo afora, e que valia a pena examiná-los e estudá-los, para deles extrair o que de melhor pudesse a nós ser aplicado, nessas áreas que nos envergonham, principalmente Educação, Saúde, Segurança Pública e Infraestrutura.

Lula e Bolsonaro fundo eleitoral
Lula da Silva e Jair Bolsonaro, principais lideranças do PT e do PL | Fotos: Agência Brasil

Cientes da urgência das providências, os dois líderes imediatamente passaram a acertar medidas que pudessem ser tomadas para atingir níveis aceitáveis nessas áreas de responsabilidade da República. Cada qual se encarregaria do convencimento de seus liderados, para que não houvesse tropeços na aprovação e na implantação dessas medidas. 

Como há urgência, resolveram não se levantar da mesa sem antes traçar, em grandes linhas, algumas providências imediatas, que detalhadas pudessem resultar numa mudança rápida no quadro atual, tão constrangedor para nós brasileiros, perante o resto do mundo.

Admitiram, de imediato, que havia que se começar pela Educação, pois todas as avaliações internacionais nos mostravam deficientes, incapazes e incompetentes no educar, minimamente que fosse, nossos jovens. E da correção dos rumos da Educação adviriam consequências benéficas para as outras áreas falhas. Uma comissão de especialistas em Educação, com integrantes dos dois lados seria encarregada das primeiras avaliações. Ficou acertado que esses integrantes seriam os mais técnicos, isentos e dedicados que pudessem ser encontrados no cenário nacional. E que trabalhariam dentro de premissas de abstenção de motivações políticas ou de crenças pessoais na tarefa, a exemplo dos dois líderes. Teriam que buscar, em suas propostas o que de mais produtivo existisse no mundo, em termos de Educação, para encontrar o que aqui fosse aplicável e passível de sucesso. Viajariam sem perda de tempo para Cingapura, Coréia, China, Hong Kong, Holanda e Finlândia, sucessos educacionais, e dessa viagem, assessorados por nossa diplomacia e em conjunto com as melhores cabeças desses locais, fariam seus relatórios sobre as medidas que tomaríamos aqui para reverter o quadro constrangedor que nos assola. Depuradas essas medidas, transformadas em projetos de lei, seriam remetidas em caráter de urgência ao Congresso, onde as duas lideranças mobilizariam, com todo empenho, suas bancadas para rápida aprovação. Concordaram os dois líderes, sem maiores discussões, que os recursos para implantação dessas medidas eram prioritários, e que o Orçamento da República havia que contemplá-los de imediato. Que uma miríade de despesas públicas supérfluas teria que ser cortada, doesse em quem doesse nos três poderes, para que se atingisse essa meta de suprema importância, que é dar ensino de verdade para nossos jovens, hoje incapazes de interpretar uma leitura ou de efetuar um cálculo matemático até elementar. Então, os dois líderes apertaram seriamente as mãos e saíram para as providências, sem a menor perda de tempo. Mas não sem antes combinarem para os dias seguintes novas reuniões, para tratar dos outros temas prementes, e acertar também para eles, providências assemelhadas. Combinaram os dois, Bolsonaro e Lula, já para o dia seguinte discutir a Saúde e como tratá-la doravante. Nos dias subsequentes, seria a vez da Segurança Pública e da Infraestrutura. Comprometeram-se a não abandonar a mesa de concordância sem esgotar essa pauta positiva, admitiram que estavam alegres em buscar a solução dos grandes problemas nacionais e trocaram a promessa de deixar de lado as ambições pessoais, as picuinhas políticas, as desavenças e as agressões. O que era importante, agora, era soerguer o Brasil, no que tinha de tão deficiente e tão prejudicial ao seu povo trabalhador e ordeiro.

Tão absorto estava nesse meu devaneio, que me vi sorrindo, imaginando toda essa concórdia se realizando e nosso Brasil se harmonizando num avanço benfazejo, uma linda pátria pacificada e em pleno desenvolvimento. Foi quando estremeci, abri bem os olhos que tinha semicerrados e me lembrei daquela bela valsa de minha infância, composta por Lamartine Babo e cantada por Carlos Galhardo, chamada “Eu sonhei que tu estavas tão linda”, e que finaliza assim: “…, mas foi tudo um sonho, acordei…”.

Um brinde para o leitor