O Senado não é mais o dos bons tempos, e ser senador não identifica mais alguém como digno, respeitável, honesto e patriota, como era no passado

Uma das instituições mais antigas do Brasil é o Senado. Surgiu com a Constituição de 1824, como Senado Imperial, sendo, portanto, um organismo bicentenário. Tiveram assento ali figuras tradicionais de nossa história, como a Princesa Isabel e o Duque de Caxias, ainda no Império, e muitos outros brasileiros dignos, reverenciados por suas qualidades, nos períodos republicanos que se sucederam. Rui Barbosa e Quintino Bocaiuva, por exemplo, na República Velha, Alcântara Machado e José Américo de Almeida na Era Vargas, Afonso Arinos e Domingos Vellasco na República Nova, Jarbas Passarinho, Juscelino Kubitschek, Paulo Brossard e Tancredo Neves no regime militar, e muitos outros.

Renan Calheiros: a imprensa já esqueceu seu passado? | Foto: Jane de Araújo/Agência Senado

Mas como nem tudo são flores neste mundo, nos últimos tempos, mais precisamente nos últimos trinta anos, têm sido eleitas para o Senado figuras tão deletérias, que os antigos ocupantes de suas cadeiras e já falecidos devem, como se usa dizer, revirar em seus túmulos, ao ver o mau uso que fazem de seus mandatos.

Em 2000, pela primeira vez, um senador foi preso e teve o mandato cassado por seus pares: o senador Luiz Estevão, do PMDB do Distrito Federal. Em 2016, o senador petista do Mato Grosso do Sul Delcídio Amaral também conheceu a prisão e teve seu mandato cassado. Em 2017, esteve prestes a ser preso outro senador em exercício, Aécio Neves, do PSDB de Minas Gerais. Salvou-o o Supremo Tribunal Federal.

Em levantamento feito pelo portal G1, às vésperas do pleito de 2018, quase um terço do Senado era investigado por corrupção. Do total de 81, havia 23 senadores investigados na Lava-Jato e em outras operações anticorrupção recentes. Nomes conhecidíssimos estavam (e estão) envolvidos nas mais diversas tramas montadas para avançar no dinheiro público.

Segundo o portal, tinham (ou têm) contas a prestar à Polícia, ao Ministério Público e à Justiça figuras que ainda hoje aparecem sem o menor pejo nas emissoras de televisão como se nada devessem e como se fossem arautos da moralidade: Eunício de Oliveira (ex-presidente do Senado), Romero Jucá, Lindbergh Farias, Humberto Costa, Renan Calheiros (também ex-presidente da Casa), Jader Barbalho, Edison Lobão, Gleisi Hoffmann, Aécio Neves, Aloysio Nunes, Lidice da Matta, Vanessa Graziotin e vários outros.

Há poucos meses, vimos o senador paulista do PSDB José Serra investigado por lavagem de dinheiro e tendo que explicar grossas contas no exterior. O Senado não é mais aquele, e ser senador não identifica mais alguém como digno, respeitável, honesto e patriota, como era no passado. E o Senado surge no imaginário popular, como mostram as pesquisas de opinião, como uma das menos confiáveis instituições brasileiras. Merecidamente, diga-se.

Peraltice da CPI da Pandemia

A última peraltice — para usar um eufemismo — do Senado, como o leitor deve estar acompanhando por sua televisão, chama-se CPI da Pandemia.

Otto Alencar e Nise Yamaguchi: estranho é que a grosseria do senador contra a médica não tenha sido condenada com veemência | Fotos: Reproduções

As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) tanto da Câmara como do Senado têm se mostrado entes pouco recomendáveis. Além de nunca apresentarem resultados positivos para a nação, perturbam os trabalhos já por si pouco producentes dos parlamentares, e se prestam a aparições vaidosas de seus membros, extorsões e chantagens, como revelam até mesmo alguns congressistas. Não poder-se-ia esperar algo diferente desta CPI da Pandemia.

A desesperança transformou-se em certeza quando foi anunciada sua cúpula: o presidente seria o senador Omar Aziz, ex-governador do Amazonas e personagem de um escândalo de corrupção justamente na Saúde de seu governo, em que teve a mulher e três irmãos presos pela Polícia Federal, na operação sugestivamente batizada como Maus Caminhos.

O vice-presidente da CPI seria Randolfe Rodrigues, que a propôs, trêfego representante do Amapá, hoje filiado à Rede, mas com passagens pelo PT e pelo PSOL (como se vê, só faltou uma passagem pelo PC do B para completar o círculo de partidos de extrema esquerda). É linha auxiliar do PT, esteve envolvido no escândalo de seu Estado chamado mensalinho do Amapá, e é conhecido pela sanha oposicionista e ausência de projetos construtivos em seus mandatos.

Roberto Campos: o economista e diplomata foi um senador brilhante | Foto: Reprodução

Para coroar, o relator oferecido e escolhido é ninguém mais ninguém menos que Renan Calheiros, o notório, que o leitor deve conhecer muito bem (quem não conhece as façanhas de Renan, no Brasil?). Com esse comando, e decorridas as primeiras audiências, a verve brasileira já denomina a CPI como Circo Parlamentar de Inquérito. É evidente que seu rumo é o de desgastar o governo Bolsonaro e proteger governadores e prefeitos que roubaram dinheiro de combate à pandemia.

E é mesmo um verdadeiro circo o que se vê nas transmissões ao vivo das sessões. Os convocados até agora são tratados a pontapé se são figuras ligadas ao governo federal e com alguma reverência se são oposicionistas. É curioso ver figuras enroladas em corrupção da grossa interrogando pessoas honestas como se fossem vestais e os interrogados fossem bandidos, numa total inversão de papéis. Até ameaças de prisão já surgiram. Imagine, leitor: Renan Calheiros prendendo alguém por ter mentido! Pense em Omar Aziz e Humberto Costa (o Drácula da Odebrecht) dando lições de moral em médicos honestos e trabalhadores, que comparecem à Comissão, perdendo seu tempo para tentar explicar o que ocorre no tumulto da pandemia e como buscam fazer seu melhor.

A CPI está se mostrando um espetáculo de ignorância, grosseria e total ausência de educação por parte dos extremistas que dela fazem parte. Transformou-se, ou é desde o início, um palco para senadores de segunda categoria desfilarem o vazio de suas vaidades. Ou tentarem emergir da lama, como, parece, é a vontade de Renan Calheiros.

Foram tão exagerados e indevidos os maus-tratos infligidos à médica Nise Yamaguchi, que compareceu de boa vontade à CPI, que o presidente do Conselho Nacional de Medicina gravou ao vivo uma representação de desagravo à profissional. O senador baiano (e médico) Otto Alencar, que interrogou mais duramente a dra. Nise, foi um verdadeiro troglodita em suas intervenções: despreparado, arrogante, ignorante e mal-educado. Sequer permitia à colega responder às perguntas, interrompendo-a constante e grosseiramente. Talvez tentando se alçar ao nível intelectual da dra. Nise, da maneira mais errada possível.

Otto Alencar, de quem nunca se ouviu falar antes de sua eleição, nesse Brasil, só pode ser uma dessas nulidades em busca de fama a qualquer preço. A CPI está sendo um circo dos horrores, esdrúxulo e lamentável sob todos os aspectos.

Não resisto em fazer algumas comparações do Senado de hoje com um Senado anterior, o da Constituinte, por exemplo. Tínhamos Mario Covas, exemplo de honestidade; hoje temos Renan Calheiros e Omar Aziz. Tínhamos as tiradas inteligentes de Roberto Campos; hoje temos os chiliques de Randolfe Rodrigues. Tínhamos a luminosidade intelectual de Afonso Arinos de Melo Franco; hoje temos as trevas mentais de Humberto Costa. Tínhamos a temperança de Mauro Borges e hoje temos a ignorância de Otto Alencar. Regredimos muito.