Quem leu “O Código da Vinci”, de Dan Brown, vai, se gostou, também encantar-se com o livro “Alerta Vermelho — Como Me Tornei o Inimigo Número Um de Putin” (Intrínseca, 400 páginas, tradução de Marcelo Levy), de Bill Browder. Enquanto o primeiro é uma ficção policial, o segundo é uma realidade com todas as tramas de um texto de ficção. É uma história real contada com tal mestria como são as obras de todo escritor muito talentoso.

O livro “Alerta Vermelho” conta a trajetória do fundador do Fundo Hermitage, que foi o maior investidor nas privatizações da Rússia.

Neste enredo, Bill Browder abre as entranhas do corrupto governo Putin. É daqueles textos grudentos. Colam o leitor não o deixando interromper a leitura de tão interessante que é.

Não falta nada no enredo. O corrupto jogo político que existe na Rússia, a falta de segurança jurídica existente, a fragilidade do cidadão (melhor dizendo, servos) perante os órgãos públicos, a manipulação desonesta dos oligarcas ligados ao governo… até a vida amorosa de Bill Browder e suas duas mulheres. Casou-se duas vezes.

O autor, no subtítulo, qualifica-se como o inimigo número um de Putin. E este livro é um instrumento de sua luta. Ignorar este texto é desconhecer a história dos primeiros anos do capitalismo russo e a negativa cultura que ficou após o final do comunismo com a queda do Muro de Berlin.

A Rússia saiu do comunismo, mas não dos males de uma sociedade viciada na vida burocratizada e corrupta levadas ao extremo. O comunismo educou o homem russo para o jogo político, o aproveitar-se sem escrúpulos das oportunidades e o absoluto desrespeito ao mérito. A corrupção fincou-se na cultura do povo. O assassinato dos inimigos, comum no comunismo, tornou-se uma prática corrente.

Sergei Magnitsky: vítima da “escola” de assassinato de Vladimir Putin | Foto: Reprodução

Como herança cruel, o comunismo sedimentou a impotência do indivíduo frente ao autoritarismo do governo. Um capítulo que aborda a sina de um modesto advogado, Sergei Magnitsky, acusado injustamente e que foi torturado até a morte sem ter tido direito à defesa é um dos exemplos. Na Rússia as leis não protegem os cidadãos, mas são usadas para atender aos desígnios dos poderosos.

Bill Browder, o autor e principal personagem do livro, foi um empresário americano bem-sucedido, mas à custa de muitos sacrifícios. Os seus fabulosos resultados foram fruto da sua competência, mas sobretudo de uma determinação de vencer custasse o que custasse. Suportou revezes em uma trajetória de alto risco e tensão que poucos suportariam.

Diz Bill Browder em um trecho do livro: “Qualquer um que já leu Tchékhov, Gógol ou Dostoiévski, sabe bem … que histórias russas não têm final feliz. Os russos conhecem bem a dificuldade, o sofrimento e o desespero, mas não o sucesso e certamente não a justiça”.

“Alerta Vermelho” é uma história real romanceada de forma elegante e coerente. Tudo se encaixa bem no propósito do autor de pôr às claras os horrores da ditadura russa para servir como escudo de defesa à sua segurança pessoal. Segundo ele é preciso denunciar para, “se alguma coisa acontecer comigo, todos saberão identificar o responsável — Putin”.

Os exemplos das execuções daqueles que contrariam o sistema são escancaradas. O escândalo do roubo ao tesouro de 230 milhões de dólares, denunciado por Browder, foi motivo da perseguição que sofreu. O que o forçou a fugir de Moscou para Londres.

Lutador incansável, o autor conseguiu do Congresso americano uma lei para impedir o ingresso nos Estados Unidos dos torturadores e corruptos russos como resposta à morte de Sergei — a quem dedicou o livro com a seguinte mensagem: “Para Sergei Magnitsky, o homem mais corajoso que já conheci”.

Não será surpresa se este seja o enredo de uma série de filmes de um dos streamings. O livro tem todos os ingredientes para justificar um bom espetáculo.