Após cancelar por pelo menos três vezes, o presidente Lula da Silva (PT) finalmente decidiu visitar, de fato, o estado de Goiás pela primeira vez em seu terceiro mandato à frente do Palácio do Planalto. O chefe do Executivo federal esteve em Goiânia – a capital e também a maior cidade goiana -, para participar da inauguração do BRT – que vira realidade após cerca de uma década do início das obras. O presidente chegou acompanhado dos ministros de Educação, Camilo Santana, e de Cidades, Jader Filho, e foi recepcionado por autoridades como o governador em exercício, Daniel Vilela; o presidente da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), deputado Bruno Peixoto, e o senador Jorge Kajuru.

No ápice da secura e do calor de início de setembro, com a ventania varrendo as ruas da capital com poeira e mormaço, a vinda do presidente Lula tornou-se emblemática por dois principais pontos.

O primeiro é que ela aconteceu para a inauguração de uma obra que já havia caído no imaginário popular como uma lenda urbana, algo que jamais sairia de vez do papel. Conforme a Prefeitura de Goiânia, foram investidos R$ 319 milhões no corredor do BRT Norte-Sul, que possui 29,6 km de extensão, cinco linhas exclusivas e 121 continuadas, ligando o Terminal Recanto do Bosque, na região Noroeste da capital, até Aparecida de Goiânia.

Aqui, fala-se de um processo moroso que começou ainda em 2015, com previsão de entrega para 2019. No entanto, após diversas interrupções, só saiu agora em setembro de 2024. Serão 60 veículos de 14 metros que vão operar como um “sistema de transporte coletivo de alta capacidade que opera em corredores exclusivos, o que permite maior velocidade e, consequentemente, redução no tempo de deslocamento e mais conforto durante as viagens”, tal qual propagandeado pelo Paço Municipal.

E o segundo ponto, em termos, práticos, é de esta ser a primeira visita do mandatário a um estado “hostil” à gestão federal. Goiás, como se sabe, é um estado que há tempos ganhou a alcunha de “conservador e bolsonarista”, e não à toa. Em 2022, com 100% das urnas apuradas, o então candidato à reeleição Jair Bolsonaro recebeu 2.193.041 votos, o equivalente a 58,71% do total do estado. Já Lula, eleito presidente naquele pleito, teve 1.542.115 votos, significando 41,29% dos votos dos eleitores goianos.

Quando particularizamos ainda mais o quadro, o que se verifica é um traço ainda mais intenso desse apontado bolsonarismo. Conforme apuração das urnas no segundo turno de 2022, Jair Bolsonaro teve 513 mil votos em Goiânia, contra pouco mais de 289 mil de Lula. Em suma, o então presidente teve quase o dobro dos votos do atual: 63,95% contra 36,05%.

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O próprio Bolsonaro, ciente da boa recepção que tem nas terras do pequi, fez de Goiânia praticamente sua “segunda casa”, a levar em consideração a quantidade de visitas que ele faz à cidade e a outras do estado (do final do ano passado até agora, foram ao menos três vindas a Goiás).

A conjuntura desfavorável a Lula fica ainda mais palpável com a posição do governador de Goiás. Mesmo com sua postura republicana em relação ao presidente (o chefe do Executivo estadual nunca demonstrou problemas em se encontrar pessoalmente com Lula), Ronaldo Caiado não esconde que é oposição ao governo federal, e faz questão de destacar que, muito provavelmente, Lula e ele serão adversários na eleição para o Palácio do Planalto em 2026. O governador, inclusive, tem se aproximado cada vez mais de Bolsonaro e seus eleitores, com o objetivo de garantir o apoio desse eleitorado para o pleito presidencial.

Quando se traça um panorama, é compreensível o receio de Lula da Silva de vir a Goiás. No entanto, quando a visita finalmente aconteceu, a recepção do goianiense ao presidente foi justamente o oposto do pregado por parlamentares e influenciadores ditos da direita em Goiânia.

Não que Lula tenha sido recebido com fogos de artifício e uma grande faixa florida com os dizeres “Seja-vindo, amado Lula!”. Longe disso. Mas a inexistência de uma multidão enfurecida esperando o presidente para xingá-lo e jogar tomates podres nele, tal como almejado por detratores do petista, só prova   que a civilidade do goianiense é maior do que qualquer rixa ideológica que alguns, talvez, queiram impor a ele.

Em solo goianiense, Lula encontrou-se com o governador em exercício, Daniel Vilela – uma vez que Caiado está de férias, fora do país -, com o presidente da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), Bruno Peixoto, e com outras lideranças da capital. Um clima amistoso marcou o evento de inauguração do BRT. Durante sua fala, Vilela chegou a arrancar uma gargalhada de Lula ao dizer que com o Cartão Família – benefício do governo de Goiás e da Prefeitura de Goiânia que permite que uma família de até seis pessoas pague apenas uma passagem para utilizar o transporte público de Goiânia e Região Metropolitana -, as pessoas poderiam ir ver o Goiás dar uma surra no Corinthians.

É claro que um evento assim não aconteceu sem adversidades. Um influenciador contrário à gestão petista foi expulso do local por apoiadores do presidente, no que se transformou no início de uma confusão – que foi evitada pelos seguranças que precisaram intervir. Além disso, policiais federais abateram quatro drones que sobrevoavam o evento (com más intenções ou não, não se sabe).

Mas ao final: o que se viu foi mais uma prova viva do que é a democracia: um presidente eleito visitando institucionalmente um estado cujo governo é sua oposição. Sem apedrejamentos, sem hostilidades, sem turbulência. Apenas o bom e velho respeito mútuo.