Uma receita de bolo para Gustavo Gayer
27 outubro 2024 às 00h00
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Muitos dos jornalistas de Goiás – e de fora dele – que já precisaram entrar em contato com o deputado federal Gustavo Gayer, do PL, pelo WhatsApp para solicitar seu posicionamento sobre algum caso que o envolvesse, de polêmicas e denúncias até falas e projetos de lei de sua autoria, muito provavelmente devem ter recebido, como resposta, uma receita de bolo. Não, não é uma metáfora, e nem erro de digitação neste artigo. O parlamentar tem o costume de enviar, literalmente, uma receita de bolo (geralmente, bolo de fubá).
A maneira de envio também é padrão: normalmente, ao primeiro pedido, Gayer envia a relação de ingredientes. Diante da insistência do jornalista para um retorno coerente (ou de indagações, no caso de jornalistas desavisados), chega para ele o modo de preparo. Este jornalista que vos escreve, caro leitor, por exemplo, já foi agraciado com diretrizes culinárias por parte do deputado federal para a produção da guloseima à base de farinha de trigo, ovos e açúcar.
Atrevo-me a deduzir que Gayer inspirou-se em uma estratégia histórica para driblar a ditadura militar, mas criando e reproduzindo uma versão deturpada dela. Explico: nos anos de chumbo, matérias e reportagens dos jornais não iam ao ar sem antes passar pela pesada caneta dos censores, inseridos nas redações e TVs pelo governo militar. Quando uma reportagem não passava pela censura, a página do jornal, que antes levaria o conteúdo, ganhava um vácuo. Era quando entrava a receita de bolo. Em uma forma velada de protesto e de mensagem cifrada, os jornais preenchiam a página com uma receita de bolo de cenoura. O texto aleatório era uma maneira sorrateira de dizer ao leitor: “Aqui havia uma matéria que foi censurada pela ditadura”.
No caso de Gustavo Gayer, o objetivo não é revelar nenhum tipo de censura do qual ele estaria sendo alvo, mas sim o de escarnecer, zombar, ridicularizar a imprensa. Destaca-se: o contato do jornalista é feito justamente para que os princípios do bom jornalismo sejam cumpridos, ou seja, todos os lados de uma história devem ser ouvidos. E com o deputado não é diferente. Mas em vez dar voz ao seu lado, o parlamentar opta por enviar a famigerada receita. A postura, inclusive, é tida por ele com orgulho. Muitas das vezes quando as diretrizes culinárias são enviadas, Gayer costuma fazer um print da conversa e, expondo o jornalista, compartilha a imagem em suas redes sociais, acompanhada de frases de efeito de bordões de chacota.
No entanto, curiosamente a última sexta-feira, dia 25 de outubro, foi um dia em que, ao ser procurado pela imprensa, Gustavo Gayer parece ter deixado de lado a tal receita de bolo de fubá. Isso porque, nesse dia, o deputado foi alvo de uma operação da Polícia Federal que, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados a ele a seus assessores. A ação foi deflagrada pela suspeita da operação de uma suposta associação criminosa voltada para o desvio de recursos públicos, leia-se, cota parlamentar (verba a qual Gayer tem acesso na condição de membro do Congresso Nacional).
Conforme apurado pela PF, o dinheiro estaria sendo mandado para uma empresa Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) criada, de acordo com a instituição policial, por meio de documentos falsos em nome de um assessor de Gayer. Os crimes investigados vão desde associação criminosa e falsidade ideológica até falsificação de documento particular e peculato-desvio. A investigação da PF aponta uma falsificação na Ata de Assembleia da constituição da OSCIP, consistente em data retroativa (ano de 2003). Porém, a investigação apontou que o quadro social à época seria formado por crianças de 1 a 9 anos.
“A análise dos dados extraídos das mídias eletrônicas apreendidas revelou indícios de que o Deputado Federal Gustavo Gayer teria utilizado espaço físico (Rua T-38, nº 147, QD 116,LT 11, Setor Bueno, Goiânia/GO) alugado com verbas de cota parlamentar, supostamente destinado ao funcionamento de Gabinete Parlamentar, para a operação da empresa Loja Desfazueli e da escola de inglês Gayer Language Institute”, diz trecho da decisão do ministro Alexandre de Moraes.
A operação foi notícia em todos os jornais do Brasil, e Gayer chegou a figurar no trending topics do X (antigo Twitter), desbancando (negativamente) a cantora Lady Gaga, que acaba de lançar um novo single. Por óbvios os jornalistas que cumpriram o dever de informar a população sobre o que estava acontecendo procuraram Gustavo Gayer para um posicionamento, boa parte deles já esperando uma… receita de bolo. Para espanto de muitos, não foi o que aconteceu. Eis a manifestação inicial da equipe do parlamentar (antes da queda do sigilo do inquérito):
“Uma operação da Polícia Federal a dois dias da eleição municipal, determinada por Alexandre de Moraes, nos causa bastante estranheza.
O que nós sabemos até o presente momento é que se trata de um processo físico e sigiloso, onde nem mesmo os advogados têm acesso de imediato ao seu conteúdo.
Já estamos providenciando a habilitação nos autos, que poderá ser admitida somente por Alexandre de Moraes, sem prazo certo e determinado.
Entendemos que ações deste tipo não podem ser deflagradas no ápice do processo eleitoral, posto que atos judiciários interferem diretamente na política local, o que coloca em xeque a seriedade das decisões”.
Admitamos: é um avanço. E dos grandes. Ainda é cedo para dizer se o parlamentar tomou consciência da importância de se dirigir de forma séria à população, por meio da imprensa – que, afinal, é um dos porta-vozes da sociedade. Afinal, como pessoa paga com dinheiro de impostos, Gustavo Gayer deve satisfações de seus atos a cada contribuinte, a cada cidadão que é representado por ele na Câmara dos Deputados – tendo votado nele, ou não.
De todo modo, Gayer demonstrou, até hoje, ser afeito a receitas. Segue uma direcionada ao nobre parlamentar:
Receita de deputado federal sério:
Ingredientes:
1 sistema eleitoral forte, que apesar de ataques, é responsável por elegê-lo;
1 Mandato
1 Discurso universal com propostas não só para seus eleitores, para todos os cidadãos por ele representados;
1 Perfil íntegro e respeitoso tanto para com a população, quanto para com a imprensa, que tem como dever levar às pessoas a prestação de contas dos atos do parlamentar
Modo de preparo:
Pegue o mandato e tire dele quaisquer investigações e denúncias (caso fiquem, podem estragar a receita). Adicione propostas válidas, e não ideológicas, a gosto. Leve ao forno por 4 anos. E voilà: está pronto!