Duas situações que ainda se desenrolam prenderam a atenção do governador de Goiás na última semana. A primeira delas foi o caos instaurado na Saúde de Goiânia. Com menos de uma semana no cargo, Cynara Mathias, secretária que havia sido nomeada para substituir Wilson Pollara – preso em uma operação do Ministério Público de Goiás (MP-GO) que investiga os crimes de associação criminosa e pagamento irregular em contrato administrativo no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde –, pediu demissão. Dois dias depois, a mesma instituição responsável pela operação ingressou na Justiça com um pedido de intervenção estadual na área da Saúde do Município em razão do “cenário de colapso no sistema de saúde pública local, caracterizado por violações sistemáticas aos direitos fundamentais à vida e à saúde, além de descumprimentos reiterados de decisões judiciais”.

Essa situação, por si só, já merecia a atenção exclusiva e excepcional do chefe do Executivo estadual, chamado pela instituição MP-GO para apagar um “incêndio” fora de sua esfera e que parece já ter consumido todo o Paço Municipal. Afinal, parece não haver uma única área da gestão municipal, hoje, que não esteja enfrentando uma crise em nível de caos absoluto.

No entanto, além dessa e das demandas cotidianas de um Estado de mais de 7 milhões de habitantes, um projeto que tramita em Brasília tem prendido a atenção do governador, que acompanha o desenrolar dos acontecimentos com minúcia. Trata-se do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados, o Propag, programa criado para “promover a revisão dos termos das dívidas dos Estados e do Distrito Federal com a União” e que, na prática, flexibiliza o teto de gastos e altera o índice de correção das dívidas estaduais.

O Projeto de Lei é de autoria de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal, onde já recebeu aval dos parlamentares. Agora, a proposta tramita na Câmara dos Deputados, que, no caso em questão, serve de “Casa revisora”. O texto chegou a aparecer na pauta de análise do Plenário na última quarta-feira, 27, mas nem chegou a entrar na discussão. E para alguns governos, em especial o de Goiás, cada minuto referente ao projeto é precioso.

Em 2021, o governo estadual tinha uma dívida acumulada de R$ 23,7 bilhões, que consumia, por ano, em torno de R$ 2,5 bilhões em quitação de principal e juros. De atrasos na folha a multas recebidas do governo federal por descumprimento do então Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal, o PAF, o caos financeiro era realidade instaurada e, como Ronaldo Caiado costumava dizer à época, “herança maldita” do governo anterior.

Na ocasião, a Secretaria da Economia declarou que o governo via-se “diante da necessidade urgente de adotar medidas para equilibrar as contas públicas, retomando o seu papel principal que é de promover a melhoria da qualidade de vida do povo goiano”. A medida em questão tratava-se do Regime de Recuperação Fiscal, RRF, voltado para Estados com grave desequilíbrio financeiro e que promove a suspensão da dívida pública e a reestruturação da dívida em condições melhores, de taxas de juros e prazos. Para isso, o governador, ainda no primeiro mandato, teve de fazer o dever de casa com a adoção de medidas para “enxugar o Estado”, entre elas reforma da previdência estadual, reformulação dos incentivos fiscais e o teto de gastos. E com esse último virando o centro da preocupação do governo, o Propag surgiu do céu como um anjo tocando harpa.

Desde a adesão ao RRF, as contas públicas foram equilibradas, e o Estado tem, hoje, R$ 15 bilhões em caixa. Mas nem isso é capaz de impactar no cumprimento dos investimentos que

Desde a adesão ao RRF, as contas públicas foram equilibradas, e o Estado tem, hoje, R$ 15 bilhões em caixa. Mas nem isso é capaz de impactar no cumprimento dos investimentos que Goiás ainda precisa, fato admitido pelo próprio Caiado. Acontece que o teto estabelecido para os gastos tolhe a ação de investimento do Estado, situação que poderia ser contornada com o Propag. De modo prático, as alterações proporcionadas pelo Projeto de Lei permitiram, ao governo de Goiás, aumentar em R$ 3 bilhões o volume de recursos disponíveis para investimentos.

Destaca-se: não só a necessidade de investimentos, mas Ronaldo Caiado já se coloca como pré-candidato a presidente da República em 2026, e cada passo seu a partir de agora, de investimentos em seu próprio Estado a articulações políticas, deve ter projeção nacional e servir de degrau em seu projeto eleitoral.

Em entrevista concedida ao Jornal Opção no final de novembro deste ano, o governador já adiantou: “Se o Propag não for aprovado, terei de fazer um corte de empenho de mais de R$ 770 milhões, e os outros poderes também. O Tribunal de Justiça terá de fazer cortes, bem como o Ministério Público e a Assembleia”, disse, citando, também, o real objetivo do Programa. “A matéria do Propag não pede para que estados gastem exorbitantemente, não. Ela apenas diz: ‘Vamos ter um patamar um pouco mais flexível’. Vamos considerar que, quando eu gasto acima dos 12% do orçamento em saúde ou acima dos 25% obrigatórios em educação, isso não pode ser considerado rompimento do teto”.

Empenho do governador para a aprovação do Projeto de Lei não falta. No último dia 5 de dezembro, Caiado se reuniu com os parlamentares da banca goiana na Câmara dos Deputados e pediu o apoio deles para a aprovação do Propag. Segundo ele, para “Goiás investir e avançar cada vez mais”. Ex-deputado federal e ex-senador, o chefe do Executivo estadual também sabe como transitar no Congresso. Por meio de interlocutores e até pessoalmente, Ronaldo Caiado também tem mantido diálogos com os chefes das casas parlamentares para acompanhar, de perto, o andamento do projeto.

A maré não está má para Caiado. Conforme levantamento do instituto Paraná Pesquisas divulgado no final da última semana, o governador tem 84,3% de aprovação dos goianos, o maior índice já registrado pelo instituto para um governador. Ele também exibe com orgulho os bons números em áreas essenciais, como combate à desigualdade (o Estado alcançou, em 2023, a menor taxa de pobreza de sua história: 1,3% da população está abaixo da linha de pobreza) e segurança pública – na comparação com 2018, Goiás registrou queda de 85% no número de latrocínios, em 2024. Já o homicídio doloso apresentou redução de 56,07%. A aprovação do Propag contribuiria para manter a clima de bonança, e muito, sendo uma preocupação a menos para o governador em seu projeto mirando 2026.