A sutileza das palavras confunde Friboi
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Empresário terá de aprender muito para provar que tem condições de jogar o jogo da política
“O político mais bobo consegue desenhar uma vaca na parede e ordenha fácil 10 litros de leite.” Parece frase de para-choque de antigos caminhões que rodavam lentos pelas estradinhas do Brasil. Aliás, um ou outro daqueles velhos e inspirados caminhoneiros provavelmente adornou a traseira de seu “bruto” com esse provérbio. Sábios desbravadores. A política é mesmo um mundo em que a sutileza das palavras às vezes esconde o que parece escancarar e logo depois escancara o que parece querer esconder.
O empresário bem-sucedido José Batista Júnior, o Júnior Friboi, vai descobrir isso aos poucos, agora que resolveu abandonar o balcão de negócios e bancar as negociações no mundo das relações políticas. Por enquanto, as palavras parece que confundem a fluidez de raciocínio dele. Friboi não tem a mínima noção de como interpretar correta e inteiramente o que se diz em alto e bom politiquês. Ele ainda não é do ramo. Se insistir, vai ser um dia, mas ainda não é.
Desde sempre, Júnior Friboi tem agido na política exatamente como fez quando presidiu a empresa criada pelo pai dele, atropelando tudo o que vê pela frente. Com pressa de ontem. Nos negócios, dizem, as coisas funcionam bem dessa forma: se surge a oportunidade, não se pode pensar muito. A cautela pode favorecer um concorrente.
Talvez por essa razão, Friboi tem agido muitas vezes com pressa suficiente para ser induzido a erros políticos grossos. Na semana que passou, por exemplo, enquanto em Brasília a cúpula do PMDB tentava se acertar com a cúpula do PT para incluir Goiás entre os Estados em que os petistas vão ter que engolir cabeças-de-chapa peemedebistas nas disputas para os governos, Friboi sacou sua verborragia para atacar duramente os potenciais aliados. Por sinal, de resvalo, acertou até no colega de PMDB, Iris Rezende.
Em outras palavras, cobrou do prefeito Antônio Gomide, o queridinho do PT atualmente, que ele cumpra completamente o mandato de prefeito de Anápolis conquistado na reeleição de 2012. De bate-pronto, procurando coerência em sua cobrança, criticou também Iris Rezende por ter renunciado em 2010 e disputado o governo do Estado. Ou seja, além de não agradar o possível aliado, ainda limou o único peemedebista que representa séria ameaça ao seu projeto de disputar o governo de Goiás.
Estragos suficientes? Não para o nada sutil Friboi, que desandou a falar em seguida sobre o que o PT deve fazer a respeito dos nomes do partido nas eleições deste ano. Com Gomide fora do processo, de acordo com a sentença dele, Júnior então citou o ex-reitor da UFG Edward Madureira, e a ex-deputada federal Marina Sant’anna como bons candidatos do PT a vice-governador ou a Senador. Não haveria nada de errado nessas citações de Friboi se ele fosse petista e não peemedebista.
Iris: disse-não-disse
Júnior Friboi diz que foi convidado a se filiar ao PMDB exclusivamente para ser candidato ao governo de Goiás. Quem o convidou, afinal? Isso ele não diz. Iris Rezende, principal líder do PMDB goiano, certamente não foi o autor de tal convite. O próprio Friboi passa essa informação ao explicar que, convidado (por quem?) para se filiar ao partido, procurou Iris Rezende para saber se ele era ou não candidato ao governo.
Nesse ponto da história, a sutileza das palavras mais uma vez embaralha os neurônios políticos do empresário. Friboi garante que Iris jamais disse a ele que era candidato ao governo de Goiás. E completa: por que ele, Friboi, deixaria o PSB, onde não tinha concorrentes internos, para encarar uma briga desse tamanho no PMDB?
Concluído o raciocínio, Friboi então deixou a área de conforto do PSB e embarcou na canoa para enfrentar as tempestades que ele não imaginava existir no PMDB. Mas, afinal, Iris disse ou não disse que não era candidato? Disse, sim, e nunca negou ter dito exatamente isso. O problema aí está naquilo que não lhe foi perguntado pelo atabalhoado intérprete político Friboi: se ele, Iris, além de não ser candidato naquele momento, teria desistido completa e irreversivelmente do velho plano de tentar retornar ao Palácio das Esmeraldas.
Friboi também não enxergou qualquer risco político à frente ao jogar fora a garantia de candidatura que o PSB lhe oferecia. Ouviu que Iris não era candidato, interpretou isso como desistência definitiva, e não se atentou para o fato de que, ao entrar no PMDB, perderia, como perdeu, a condição de decidir sozinho seu próprio futuro imediato. No PSB, nem Iris nem o PT ou qualquer outro partido conseguiria impedir a candidatura dele. Ali, como nas suas empresas, ele era o dono. No PMDB, virou sócio.
Políticos lidam com a sutileza das palavras a cada momento. Consta que Tancredo Neves, durante viagem de campanha ao Nordeste já nos estertores do regime militar de 1964, recebeu telefonema de um apavorado Ulysses Guimarães que queria avisar o matreiro político mineiro de ameaçadoras reações da caserna. Desconfiado de que seus telefonemas eram monitorados, Tancredo fingiu que a ligação estava ruim e disse: “Não estou entendendo o que você diz, mas posso te dizer que o mar aqui está muito bonito. Você precisa vir aqui ver isso, Ulysses”. E desligou o telefone. O grande timoneiro do PMDB entendeu o recado e correu para o aeroporto. Os arapongas não desconfiaram de nada. Eram bons investigadores, mas péssimos intérpretes da política.
Se o exemplo citado é quase uma covardia por envolver dois monstros sagrados da história da arte política brasileira, há zilhões de outros. Em 1985, no processo de afunilamento de candidaturas a prefeito de Goiânia, no retorno das diretas, o então governador Iris Rezende trabalhava decisivamente contra a favoritíssima candidatura do deputado estadual peemedebista Daniel Antônio, que por conta disso já estava com um dos pés fora do PMDB e o outro dentro do PDT. Henrique Santillo, senador, era candidatíssimo ao governo de Goiás nas eleições do ano seguinte, e tudo o que ele não queria era enfrentar um prefeito adversário na capital.
Então, no Palácio das Esmeraldas, Santillo jogou pesado com Iris pela candidatura de Daniel. O governador teria dito que era tarde demais, que Daniel já estava no PDT. “Não está, não. Falei com ele”, retrucou Santillo. “Se ele voltar ao PMDB, eu o apoio. Pode falar isso pra ele”, concordou Iris. “Falamos juntos. Os repórteres estão do lado de fora esperando pela declaração”, arrematou Santillo. Ele, Santillo, tinha avisado as TVs, rádios e jornais que iria ao Palácio, e assim o compromisso entre os dois, nascido na conversa reservada, se tornou público na mesma hora. Daniel não confirmou filiação ao PDT, foi o candidato do PMDB e venceu as eleições.
Enfim, para se tornar realmente um político, Júnior ainda tem um longo caminho pela frente. Por enquanto, até as palavras o confundem e o derrotam. Isso não significa que ele é um bom ou um mau candidato. Esse julgamento será feito primeiramente pelo PMDB. Depois, se conseguir passar pela duríssima prova de fogo que é derrotar internamente o mito Iris Rezende, será a vez de enfrentar o veredito final, do eleitor. Até lá, dá tempo de aprender alguma coisa. Como disse Guilherme Arantes, e que se tornou imortal na voz de Elis Regina, “nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar”. Resta saber se Friboi é bom aluno ou somente um bilionário excentricamente político.