Quem disse que Olavo de Carvalho tem razão?

31 março 2019 às 00h00

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Principal pensador do novo conservadorismo à brasileira, filósofo assume papel de superioridade e disfarça imposição da ideia única com sofismo do falso pluralismo

“Educação é o caralho. Vai tomar no cu, seu filho da puta.” Depois de ler – ou ouvir – essa frase, alguém ainda vai dizer “Olavo tem razão”. Mas do que? Ao abrir qualquer uma das redes sociais do filósofo Olavo de Carvalho – sim, ele se intitula assim, por que eu diria que não é? -, podemos encontrar pensamentos magistrais como este: “Em cima, o Bolsonaro. Em baixo, o povão. No meio, só filho da puta”.
Antes de discutir a atuação de Olavo de Carvalho como filósofo – que está mais para ideólogo -, um ponto precisa ser registrado. Não há qualquer demérito ao histórico ou currículo do brasileiro de 72 anos que mora em Richmond, na Virgínia (Estados Unidos), ter sido astrólogo. Geralmente é um argumento para tentar desmerecer o trabalho como pensador.
E de fato Olavo discute a desconstrução de ideias tidas como verdades absolutas, o que dá o direito de se auto-intitular filosofo ou o que ele quiser. Inclusive ministra o COF [Curso On-line de Filosofia] desde 2009. Para acompanhar as aulas semanais e todo arquivo, a pessoa paga uma mensalidade de R$ 60. Se tiver mesmo os 5 mil alunos que disse em 2007 à Folha, o brasileiro fatura por mês R$ 300 mil.
O ideólogo Olavo de Carvalho demostra um ódio pela imprensa gigantesco em suas redes sociais. Profissão que também está incluída no seu currículo. “Os anti-olavistas de hoje são monstruosamente mais incultos e mais burros que os da década de 90. O que escrevem contra mim não dura um só dia, já nasce morto. Passará como pó de merda ao vento”, está entre as postagens do final da semana passada no Facebook do filósofo.
Se você reparou o uso do palavrão “merda”, que um de seus alunos, que também é youtuber – mas que eu prefiro nem ampliar o caldo da polêmica agressiva que envole seus estudantes, discípulos, adoradores ou seguidores, use a definição que entender a adequada -, adora naturalizar a utilização, vai reparar que xingamento é algo que faz parte da retórica de destruição de reputação dos que discordam ou criticam o guru.
Sim. Eu disse guru. Publicamente Olavo de Carvalho não assume ser mentor intelectual de ninguém. Defende a abertura da discussão de ideias e o pluralismo, mas apela para o sofismo mais rateiro para atacar os que considera adversários para calar seus debatedores. “É o que o Josias Teófilo comentou. O Ruy Fausto está bravinho porque acha que eu tomei o lugar dele. ‘Eu é que queria ser o guru do presidente’, ele deve estar pensando.”
Ataques via COF
O trecho anterior foi retirado pelo jornalista Denis Russo Burgierman, da revista Época, da aula 450 do COF, dada por Olavo no sábado 1º de dezembro de 2018. As frases do filósofo são ditas em diálogo com a pessoa atrás da câmera, conversa descrita na matéria “O curso de Olavo de Carvalho, o artista da ofensa“, publicada no dia 14 de março de 2019. No momento do vídeo em que o pensador diz que Ruy Fausto queria ser o “guru” do governo no lugar dele, Olavo havia definido, segundos antes, o ex-candidato a presidente Fernando Haddad (PT), que foi orientado por Fausto na USP, como “uma besta”.
A aula citada, de número 450 do COF, é gasta por Olavo na resposta a conteúdo publicado na imprensa brasileira: “Acho que é importante para entender como os comunistas dominam a cultura brasileira e não deixam passar nada — a não ser de vez em quando, uma migalhinha, como fizeram comigo no jornal O Globo”. Para terminar da melhor forma possível, Olavo responde a pergunta de um aluno sobre o método ideal para combater o “marxismo cultura”, uma das conspirações favoritas do filósofo. “Temos de derrotar é os marxistas”, orienta.
Claro que somado ao Foro de São Paulo, não podemos esquecer do assunto, que na narrativa de Olavo ganha ares de conspiração nos moldes da Internacional Comunista. “A Globo me botou para fora quando comecei a falar muito do Foro de São Paulo, que eles tentaram esconder por 16 anos e, quando não dava mais, tentaram minimizar.”
Mas é justamente na resposta de Olavo de Carvalho a um de seus alunos do Curso On-line de Filosofia que é possível compreender melhor a chave da atuação filosófica do brasileiro que mora na Virgínia. O fumante de cachimbo que não admite completamente os danos causados à saúde pelo cigarro orienta como “temos de derrotar é os marxistas”. “Não puxem discussão de ideias. Investigue alguma sacanagem do sujeito e destrua-o. Essa é a norma de Lênin: nós não discutimos para provar que o adversário está errado. Discutimos para destruí-lo socialmente, psicologicamente, economicamente”, detalha o método de ataque.
Repare que a pessoa que se diz ser um filósofo defensor do levantamento da dúvida ao longo de seu curso ministrado pela internet e aliado do pluralismo na verdade não quer nada de abertura para pensamentos divergentes ao dele. Olavo defende uma unicidade de visão do mundo sobre todos os aspectos. Isso fica ainda mais evidente pela exagerada quantidade de vezes em que o pensador utiliza as palavras “piroca”, “cu”, “puta” e “peido” em seu ódio discursivo pelas redes sociais, termos pelos quais o brasileiro demonstra ter certa fixação.
Se Olavo tem o mérito de atrair curiosos e alunos para discussões que faz da mudança de paradigma e entendimento sobre variados assuntos, inclusive nas diversas ciências, como a filosofia e a física, o descrédito de um biruta de posto o acompanha no mesmo ritmo ao usar de informações falsas, análises rasas, distorções da realidade e inversões de conceitos por meio de interpretações baseadas na raiva embasada por sofismos baratos.
Nazismo de esquerda
O trecho de um dos livros de Olavo (“O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota”. Editora Record, 2013) faz-se necessário aqui para que a técnica desonesta do filósofo seja entendida com mais facilidade. O brasileiro adora defender – inclusive ataca quem com ele não concorda – que o nazismo e o fascismo foram governos totalitários de esquerda. Para construir uma argumentação que possa ser entendida como aceitável – não sei de que forma, mas tem quem compre esse absurdo -, o sofismo entra em campo com uma mistureba sem fim de nomes e teorias que nada têm a ver com o assunto.
“Quem quer que estude as vidas de cada um deles descobrirá que Voltaire, Diderot, Jean-Jacques Rousseau, Sade, Karl Marx, Tolstói, Bertold Brecht, Lênin, Stálin, Fidel Castro, Che Guevara, Mao Tsé-tung, Bertrand Russell, Jean-Paul Sartre, Max Horkheimer, Theodor Adorno, Georg Lukács, Antonio Gramsci, Lillian Hellman, Michel Foucault, Louis Althusser, Norman Mailer, Noam Chomsky e tutti quanti foram indivíduos sádicos, obsessivamente mentirosos, aproveitadores cínicos, vaidosos até a demência, desprovidos de qualquer sentimento moral superior e de qualquer boa intenção por mais mínima que fosse, exceto talvez no sentido de usar as palavras mais nobres para nomear os atos mais torpes. Outros foram estupradores ou exploradores de mulheres, opressores vis de seus empregados, agressores de suas esposas e filhos. Outros, orgulhosamente pedófilos. Em suma, o panteão dos ídolos do esquerdismo universal era uma galeria de deformidades morais de fazer inveja à lista de vilões da literatura universal. De fato, não se encontrará entre os personagens de Shakespeare, Balzac, Dostoiévski e demais clássicos nenhum que se compare, em malícia e crueldade, a um Stálin, a um Hitler ou a um Mao Tsé-tung.”
Além de dizer que nazismo é de esquerda, o que nem a embaixada da Alemanha no Brasil e os historiadores de todo o mundo que estudam o assunto aceitam como minimamente razoável, Olavo adora usar a maçonaria e os illuminati para explicar grande parte dos assuntos que aborda.
Geralmente são, na retórica olavista, a comprovação para a tão temida ameaça comunista, mesmo décadas depois dos fracassos da implantação do socialismo e do comunismo no século passado – que na maioria dos casos descambaram para governos autoritários e totalitários. “O Brasil foi construído por quatro entidades: a Igreja Católica, a Maçonaria, o Exército e o Partido Comunista — todos eles mais ou menos infectados do mesmo vírus ideológico, o positivismo.”
Quando defende que a Ursal [União das Republiquetas Socialistas da América Latina] de fato existe, Olavo de Carvalho mostra que não entendeu ou – o que é muito pior – manipula seus alunos e adoradores a lutar contra um fantasma retórico. O termo fictício foi criado pela socióloga e professora universitária aposentada Maria Lucia Victor Barbosa em artigo no qual criticava o PT e o Foro de São Paulo.
Mas para Olavo, Unasul era o nome que disfarçava a Ursal. E que agora virou Prosul, “sem viés ideológico”. E, claro, ataca o jornal Folha de S.Paulo. E descamba para “globalismo” e “movimento abortista gayzista”. Além de distorção da realidade, o filósofo ainda defende preconceitos dos mais grotescos para justificar uma teoria que não se comprova na racionalidade. Só na conspiração. Mas que muita gente acredita.
Fantasma do Foro de São Paulo
Aliás, o Foro de São Paulo ganha um conteúdo fortemente conspiracionista na argumentação de Olavo de Carvalho. O filósofo juntou a realidade, que é um grupo de políticos de esquerda da América Latina que se encontravam em reuniões, mas sem muita importância, com a ficção, uma trama de domínio de todo o continente com a tomada do poder para a implantação do comunismo nas Américas.
E tudo, para os lunáticos, se baseia em uma entrevista do petista José Dirceu ao extinto programa Provocações, da TV Cultura, em 2007. É bom reparar no vídeo abaixo que em momento algum o ex-ministro condenado no Mensalão cita a implantação do comunismo. Mas bastou dizer que os membros do Foro de São Paulo em determinado momento foram eleitos presidentes em seus países para alimentar a teia do conteúdo de teoria da conspiração dos olavistas donos de uma realidade superior a qualquer verdade.
E é nesta fonte, da junção de destruir quem pensa diferente com ataques pessoais, sem discutir ideias e com base em conspirações malucas, que Olavo de Carvalho infla a atuação virtual de parte de seus alunos, seguidores, adoradores e quem o considera um guru a incentivar um novo conservadorismo à brasileira. Mas que infelizmente não faz jus aos grandes pensadores da direita no Brasil e no mundo ao se mostrar a nova cara da raiva rasa, sem conteúdo e idiotizada.
“Já expliquei uma vez, mas acho que a mensagem não chegou à Câmara dos Deputados: Risada de deboche é argumento de puta”, disse recentemente o filósofo sobre a troca de farpas entre o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o chefe do Executivo, Jair Bolsonaro (PSL).
As aulas de filosofia do COF têm se revelado um reduto de ataques e canal para mandar recados a jornalistas, pensadores e integrantes do governo federal no Brasil que Olavo não gosta ou que atrapalham seus indicados e pretensões. “Na próxima aula do COF [Curso On-line de Filosofia], darei um recadinho ao assanhado [general Carlos Alberto dos] Santos Cruz [ministro da Secretaria de Governo].”
Depois de ler tudo isso, nada impede que você acredite no curupira, bicho papão, coelho da Páscoa, Papai Noel, mula sem cabeça, saci pererê, chupa-cabra, nazismo de esquerda, Ursal, ameaça comunista, ditadura de esquerda do PT, kit gay, mamadeira de piroca, no ET Bilu e voltar a dizer: “O Olavo tem razão”.