Por que Bolsonaro cresceu depois do #EleNão

07 outubro 2018 às 00h00

COMPARTILHAR
Capitão da reserva e deputado federal pelo PSL, líder nas pesquisas parecia ter chegado ao seu teto, mas fortalecimento do antipetista e defesa da moralidade o impulsionaram

Nas últimas seis rodadas da pesquisa Datafolha, encomendadas pelo jornal Folha de S.Paulo e a Rede Globo, o crescimento do capitão da reserva do Exército e deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) na corrida presidencial mostrava um cenário diferente na véspera da manifestação de milhares de mulheres em cidades brasileiras e fora do País contra o presidenciável pesselista. Do terceiro para o quarto levantamento estimulado, entre 20 e 28 de setembro, Bolsonaro havia estagnado nos 28% de intenções de votos contra um crescimento de seis pontos percentuais do segundo colocado, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), que saiu dos 16% e alcançou a marca de 22% da preferência do eleitorado.
Milhares de mulheres tomaram ruas, avenidas e praças das principais cidades brasileiras, e até fora do Brasil, com uma pauta definida: a luta contra a eleição de Jair Bolsonaro, representada pela hashtag #EleNão. Na pauta das manifestações, que tomaram corpo no sábado (29/9) e domingo (30), havia a identificação do deputado como um homem “homofóbico”, “machista”, “misógino”, “fascista”, “racista”, “autoritário”, “ditador”, “apoiador da tortura e da ditadura militar de 1964”. Tudo parecia levar para uma onda contrária ao candidato do PSL a presidente.
Houve uma tentativa de confrontar o movimento #EleNão nas ruas com o #EleSim, em resposta à manifestação de mulheres e em apoio e declaração de voto a Jair Bolsonaro, em números bem menores do que as demonstrações públicas de rejeição ao líder de todas as pesquisas de intenção de votos. Afastado da campanha desde o dia 6 de setembro, quando sofreu um atentado a faca em evento na cidade mineira de Juiz de Fora, Bolsonaro voltou para casa e retomou a atividade nas redes sociais – trabalho que só ele soube fazer com maestria durante a disputa no primeiro turno.
A primeira rodada da pesquisa Datafolha divulgada após as manifestações do #EleNão mudaram o cenário eleitoral. Na terça-feira (2/10), Bolsonaro voltou a crescer e saltou cinco pontos, dos 28% para a marca dos 32% de intenções de votos. O que assustou os participantes e apoiadores do movimento contra o candidato foi o fato de seu concorrente mais próximo, Haddad, ter recuado na margem de erro – de dois pontos – dos 22% para 21%. “Como assim o petista oscilou para baixo depois de tanta demonstração pública às ideias defendidas por Bolsonaro?”, podem se perguntar incrédulos apoiadores do #EleNão.
Saíram do armário
Só que houve uma resposta de onda conservadora representada pelo reforço no apoio fortalecido de líderes religiosos, tanto no cristianismo protestante – os evangélicos – como parte dos católicos, a Bolsonaro. O pastor Silas Malafaia, que inclusive celebrou o casamento do candidato, voltou a aparecer com mais intensidade na última semana nas lives e vídeos em apoio ao candidato do PSL. A pauta reforçada em cultos e missas por padres, apóstolos, bispos e pregadores pelo Brasil foi a defesa da eleição do capitão da reserva contra a ameaça vermelha representada por Haddad e a volta do PT ao Palácio do Planalto. E você sabe bem que a palavra tem poder.
Com intensificação da massificação de conteúdo distorcido, na maioria das vezes falso, que começou a identificar a manifestação das mulheres contra Bolsonaro como “Marcha das Vadias”, com informações inverídicas sobre participantes que defecavam nas ruas, peladas e contra a família. Os fiéis, e parte dos eleitores antipetistas que estavam no armário até sete dias antes da votação no primeiro turno, que será realizada hoje das 8 horas às 17 horas, começaram a se manifestar sem medo ou vergonha.
A cartada final veio com o apoio manifestado pelo bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, e dono da Rede Record, concorrente da Globo na luta por audiência. A costura desse acordo entre Macedo e Bolsonaro era negociada desde dezembro de 2017, quando o deputado federal começou a criticar publicamente a emissora do grupo carioca. Nos moldes do que Donald Trump fez nos Estados Unidos – talvez a única semelhança entre os dois, muito diferentes em praticamente tudo -, o capitão começa a traçar a tentativa de ter a sua FoxNews brasileira contra “as mentiras e distorções da imprensa comunista” que seria responsável por uma “perseguição” ao candidato do PSL.
A evidência, apesar de não ter sido oficialmente confirmada pela emissora e por Edir Macedo, de que a Record jogou a favor de Bolsonaro foi o anúncio da primeira entrevista do presidenciável, vetado a participar do debate de quinta (4) na Globo, que foi veiculada no mesmo horário do programa da concorrente. O conteúdo da entrevista, apesar de tentar transparecer seriedade, muito se confundiu com um tempo de TV na propaganda eleitoral que Bolsonaro não teve em todo o primeiro turno.
Erros do PT
Enquanto isso, a campanha do PT e de Haddad, que conseguiu crescer 18 pontos percentuais na Datafolha de 22 de agosto, quando ainda era uma alternativa ao nome do ex-presidente preso Luiz Inácio Lula da Silva (PT), até 28 de setembro baseada na dita prosperidade econômica dos tempos do Lula, com a promessa do retorno da bonança econômica, do crescimento da condição de compra do brasileiros e da redução do desemprego, começou a vacilar. As pautas das minorias são mais do que necessárias e devem ser colocadas sobre a mesa para serem debatidas e encaradas de frente, mas a base do eleitorado petista, principalmente no Nordeste, quer saber se terá condições de ter uma casa para morar, comida no prato e um emprego num cenário de mais de 12 milhões de pessoas sem trabalho.
Se o sucesso do #EleNão ideologicamente não pode ser contestado, na busca pela manutenção do crescimento de Haddad na capacidade de aumentar a quantidade de eleitores favoráveis à volta do PT ao poder não foi a mesma. A campanha bem trabalhada de Bolsonaro, que soube usar a fragilidade constatada pelo instituto Ipsos, que verificou que 60% dos eleitores do capitão da reserva se informam sobre política pelo WhatsApp, massificou sua comunicação com mensagens de difícil verificação e fácil pulverização por meio de apoiadores voluntários desiludidos com as instituições, políticos e partidos brasileiros. Mas petistas preferiram fortalecer na reta final debates que não trazem uma identificação forte com sua base de sustentação eleitoral.
Com a vinda do possível segundo turno – isso se a pequena chance de vitória de Bolsonaro no primeiro turno não se confirmar neste domingo -, Haddad, PT e seus apoiadores precisarão repensar sua estratégia, já que surgiu uma dificuldade de aumentar o eleitorado sem a defesa do sucesso econômico dos governos Lula (2003-2006 e 2007-2010) e a rejeição bem próxima à do candidato do PSL – 45% Bolsonaro e 40% Haddad. Outra dificuldade é convencer parcela do eleitor de Ciro Gomes (PDT), que pretende anular o voto por não se sentir convencido a votar em qualquer um dos dois projetos de poder.
Outra batalha será travada com os candidatos a governador que forem para o segundo turno nos Estados. Um caso emblemático é São Paulo, que pode ter João Doria (PSDB), ex-prefeito da capital paulista, e que sua equipe trabalha a declaração de apoio a Bolsonaro já na noite de hoje. O eleitorado do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) que ainda não migrou para o candidato do PSL no primeiro turno, deve ir mais da metade para o lado do capitão da reserva na reta final.
Com o momentâneo cenário de empate técnico entre Bolsonaro e Haddad, com leve vantagem para o pesselista, nas intenções para a votação de 28 de outubro – de acordo com os dados da Datafolha de quinta -, teremos o crescimento de uma disputa bastante polarizada e com marcante participação do eleitor, o que pode diminuir muito as margens de votação nula, em branco e de abstenções. O resultado, se tivermos, do segundo turno é altamente incerto. Mas uma coisa é possível afirmar: Bolsonaro sai na frente a partir da noite de hoje na busca por fortalecimento e apoio.