Pesquisas e a forma nada republicana de ganhar eleição

23 outubro 2022 às 00h00

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Passadas três semanas desde o ocorrido, há uma coisa que nem os próprios institutos engoliram até o momento: os números discrepantes de Jair Bolsonaro (PL) nas últimas pesquisas de intenção de voto antes do primeiro turno e o resultado das urnas. Uma situação aparentemente incompreensível, que saltou aos olhos também dos meios de comunicação, os quais passaram a buscar justificativas para o que ocorreu.
Tendo esse “erro” como base, as empresas da área passaram a ser ameaçadas de retaliação pela Câmara dos Deputados. Seu presidente, Arthur Lira (pP-AL), e o líder do governo, Ricardo Barros (pP-PR), puxam a ideia de criminalizar as pesquisas.
O resultado realmente ainda não tem explicação, mas a imprensa tenta encontrá-la: a BBC News Brasil publicou sete razões para que a votação de Bolsonaro fosse bastante superior ao previsto. De acordo com o site britânico, poderiam de alguma forma ser razões para a diferença entre levantamento e votos: 1) o Censo defasado; 2) a mobilização de lideranças evangélicas; 3) o chamado “voto envergonhado”; 4) um suposto voto útil de parte do eleitorado de Ciro Gomes (PDT); 5) o engajamento de eleitores nos Estados contrários ao PT; 6) a abstenção; e 7) a dificuldade dos institutos em captar o voto conservador.
Há, porém, outro fator que pode ter contribuído para que houvesse uma “anabolização” dos votos na direita e que está diretamente ligado a um caso bastante exposto na mídia e, ironicamente, também praticamente hermético: o orçamento secreto. Essa dinheirama sob o comando de lideranças do Congresso pode ter dado a “estrutura” necessária para o crescimento não só dos votos presidenciais, mas também às demais candidaturas majoritárias e também proporcionais do campo governista.
No dia 29 de setembro, o portal G1 publicou uma reportagem cujo título é autoexplicativo e dá um “visto” no parágrafo anterior deste texto: “Às vésperas das eleições, parlamentares buscam garantir verbas do orçamento secreto”. Assinada por Bianca Lima e Elisa Clavery, a matéria relatou que dados da consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados mostravam que o mês de setembro, até o dia 28, havia tido um empenho de emendas do relator (leia-se “orçamento secreto”) seis vezes superior a agosto: R$ 520,2 milhões ante R$ 83 milhões. “O aumento na liberação da verba em setembro na comparação com agosto coincide com a reta final do período eleitoral”, ressaltava o texto da reportagem.
Depois das eleições, começaram a pipocar casos de apreensão de dinheiro vivo, como no Pará, e de prisão de dois irmãos no Maranhão, suspeitos de atuar em uma rede criminosa que tinha o Sistema Único de Saúde (SUS) daquele Estado como alvo, em vários municípios. Não dá para fazer uma associação direta entre a derrama desse dinheiro orçamentário às vésperas do primeiro turno e o grande sucesso nas urnas dos parlamentares governistas. Mas, pensando pelo viés oposto, dá para descartar a ligação? Não, não dá.
Em relação às eleições presidenciais, é preciso ressaltar, a “paridade de armas” entre a candidatura de Bolsonaro à reeleição e as demais já estava comprometida desde que o Congresso aprovou a enxurrada de medidas eleitorais travestidas de benefícios para os mais pobres (aumento do Auxílio Brasil e do vale-gás) e classes específicas, como taxistas e caminhoneiros, mais uma vez estourando o desmoralizado teto de gastos – uma âncora fiscal que, diga-se, perdeu toda a razão de existir. Da mesma forma, o “sequestro” da receita do ICMS dos Estados para baixar à força o valor dos combustíveis claramente poderia ser enquadrado como quebra do pacto federativo. Entretanto, a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal (STF) não foram provocados a agir – os partidos de oposição ficaram entre a cruz e a espada, sem saída, especialmente diante da necessidade das pessoas mais carentes.
Nada disso foi suficiente para impedir que o favoritismo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fosse confirmado. Mas, com total certeza, é possível afirmar que o combo de benesses levou a eleição para o segundo turno. Outras medidas eleitoreiras viriam, claro, e estão vindo: envolvem facilitar crédito consignado para quem tem Auxílio Brasil e também facilidades junto a bancos federais. Fosse em outros tempos – tempos normais –, como agiria o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)?
Bolsonaristas guardam pelo menos duas estratégias para ganhar eleitores nos últimos dias
Talvez isso tudo não seja suficiente para tirar a diferença de mais de 6 milhões de votos que separaram Bolsonaro de Lula no dia 2 de outubro. Em três semanas de pesquisas eleitorais, a diferença entre ambos pouco oscilou, com o presidente conseguindo, sim, reduzir um pouco a vantagem do petista em pontos porcentuais, mas não em votos. O eleitorado consolidado de cada um – aquele que não muda mais de posição – está em 95%. Difícil virar voto a partir daí, certo? Certo. Então não há nada que possa ser feito para deter a vitória de Lula? Claro que há.
Os bolsonaristas guardam pelo menos duas estratégias para ganhar eleitores nos últimos dias. Eufemisticamente, chamaremos uma de “estrutura de campanha” e outra de “convencimento final”. Ambas se concentrarão nas derradeiras 48 horas pré-votação.
O “convencimento final” vai partir de dois grupos: empresários e lideranças evangélicas. É bom anotar: a pressão que sofrerão fiéis e trabalhadores assalariados será algo nunca visto na história brasileira desde a República Velha. As ameaças já estão no ar e vão de fechamento súbito de empresas com a vitória de Lula à ameaça do fogo eterno a quem digitar 13 mesmo depois da pregação anti-PT dos pastores (que vai se intensificar). Por isso, “convencimento” segue entre aspas: o foco estará em explorar o medo dos mais vulneráveis.
Já a “estrutura de campanha” vai usar o poderio financeiro. O eleitorado de Lula é naturalmente mais frágil do ponto de vista econômico: nas faixas salariais, Lula vence com muita vantagem entre quem ganha até dois salários mínimos; divide voto com Bolsonaro na faixa de dois a cinco salários (dependendo da metodologia, até perde); e é derrotado com folga entre os que têm renda maior do que isso.
Analisando o resultado das urnas, alguns profissionais da área de pesquisas eleitorais disseram que só mesmo a compra de votos, em um trabalho coordenado, explicaria a alteração súbita dos índices de tantos candidatos a poucas horas da votação. Claro, uma surpresa aqui ou ali poderia acontecer, e sempre acontece, a cada eleição. Entretanto, o número de “viradas”, especialmente para o Senado, deixa pouca margem para entender que foi apenas coincidência.
Em suma, o jogo vai ser muito bruto nos últimos dias. E Lula tem um eleitorado muito mais vulnerável ao assédio eleitoral e outros tipos de investidas. Ou a Justiça Eleitoral redobra os cuidados ou o resultado final vai ter pesquisas pagando o pato, novamente, por algo que estava fora do controle de qualquer probabilidade apurada.