O último teste de força de Rogério e os ares de “nada a perder”
01 dezembro 2024 às 00h00
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Goiânia experimenta, desde o final de outubro deste ano, um curioso fenômeno político: a capital goiana está sendo dirigida por dois prefeitos simultaneamente. Um, o oficial no cargo. O chefe do Executivo municipal que se senta na cadeira no quinto andar do Paço Municipal e tem o dever, até o final e dezembro, de zelar pela cidade. O outro, o prefeito eleito, que venceu o pleito municipal deste ano, mas que, a se levar em conta o cenário caótico em diferentes áreas da cidade, decidiu tomar pelo menos uma das rédeas da gestão e preparar “a casa” que assumirá em poucas semanas.
Um, ainda conta com o poder da caneta. O outro, com o poder de uma articulação vibrante tanto com seu entorno ligado ao Paço, quanto no Poder Legislativo e seus representantes (incluindo aqueles que já exercem mandato e aqueles que ainda vão assumir um no ano que vem). Mas ora, onde já se viu um “reino” com dois monarcas simultâneos convivendo por muito tempo em plena e perfeita harmonia? Como era de se esperar em situações como a descrita, o clima de camaradagem instalado nas primeiras reuniões da transição parece ter durado pouco, e o poder da caneta passou a medir força contra o poder da articulação.
Na última semana, Rogério Cruz parece ter decidido enfrentar a Câmara Municipal – ambiente em que, leia-se, hoje não conta com nenhum aliado direto – e decretou a não executoriedade de pontos do Programa de Recuperação de Créditos Tributários, Fiscais e Não Tributários, o Refis, relacionados ao prazo de adesão e aos descontos de honorários sucumbenciais que foram vetados, mas tiveram o veto derrubado pelos vereadores. O decreto em questão, publicado no Diário Oficial do Município no último dia 27 de novembro, usou como argumento a prerrogativa do chefe do Executivo de não cumprir “lei ou qualquer outro ato emanado do Poder Legislativo que afronte a Constituição Federal”.
O primeiro, o inciso 1º do artigo 2º, especificava a extensão do período de adesão ao Refis – programa de negociação de débitos. Conforme o dispositivo, a adesão aos benefícios deveria abranger o período referente à XIX Semana Nacional de Conciliação do exercício de 2024, “de maneira que, para os débitos vencidos até 31 de agosto de 2024, a adesão ao programa será até o dia 31 de dezembro de 2024; e, para os débitos vencidos até 31 de dezembro de 2023, a adesão ao programa será até o dia 28 de fevereiro de 2025”. Já o inciso 5º do artigo 4º versava sobre o desconto no pagamento dos honorários de sucumbência, e dizia que os que se referiam apenas aos honorários da execução fiscal seriam pagos “com redução de 50% quando o pagamento do débito oriundo deste programa for realizado de forma parcelada, e de 70% quando o pagamento for à vista”.
Acontece que os dispositivos em questão teriam sido emendados pelos parlamentares após uma articulação do prefeito eleito, Sandro Mabel, e que, se aprovados, fariam com que, além de reduzir o valor estimado da atual gestão para a arrecadação, fariam com que a parte dela ficasse para a próxima.
Rogério vetou os incisos, mas os vereadores derrubaram os vetos. Rogério bateu o pé. No decreto publicado no qual determinava que não cumpriria os dispositivos, mesmo eles tendo sido avalizados pelos vereadores, o chefe do Executivo municipal alegou que, para a ampliação do benefício do tempo de adesão ao Refis, “seria necessária a realização de prévio estudo de impacto orçamentário-financeiro”. A reação da Câmara veio a galope. “A partir do momento que um Poder decide administrar a cidade de forma unilateral, isso é um pouco preocupante. O desrespeito pelo que é feito na Câmara Municipal é algo que também preocupa mais uma vez”, disse o presidente da Casa, Romário Policarpo, enquanto determinava que a Procuradoria respondesse ao ato do prefeito com outro decreto, suspendendo o primeiro.
Os próximos passos do atual prefeito dirão até que ponto ele está disposto a medir forças tanto com a Câmara quanto com a nova gestão, mas isso não parece ser alvo da preocupação dele. Para um gestor que passou por um processo contínuo de críticas ferrenhas desde que assumiu a Prefeitura de Goiânia (algo próximo do linchamento moral, dizem os poucos aliados restantes), Rogério, que parece até ter se acostumado a não ficar uma semana sequer sem crises em seu governo, parte para o “tudo ou nada” e adota justamente a postura de quem já não tem nada a perder. A entrada de Rogério Cruz na Prefeitura não foi lá bonançosa. E ao que tudo indica, a saída também não será.