O deprimente fim de uma base aliada

09 junho 2019 às 00h00

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Com pedido de rejeição das contas de 2018 emitido pelo Tribunal de Contas do Estado, grupo que governou Goiás por 20 anos pode encerrar capítulo na inelegibilidade

“Resolve o Tribunal de Contas do Estado de Goiás, pelos membros integrantes do seu Tribunal Pleno, emitir parecer prévio pela reprovação das contas dos governadores do Estado de Goiás responsáveis pelo exercício de 2018, senhores Marconi Ferreira Perillo Júnior e José Eliton de Figuerêdo Júnior.” Para quem acompanhou a atuação do TCE-GO nos últimos 20 anos, a decisão de terça-feira, 4, por mais que não cause espanto ou surpresa, é praticamente nova se comparada com os pareceres prévios emitidos pela Corte no período em que passaram pelo Palácio das Esmeraldas Marconi Perillo (PSDB), Alcides Rodrigues (então no PP, hoje no PRP) e José Eliton (PSDB), de 1999 a 2018.
Mesmo ao se tratar de gestões que só tiveram superávit em 2008 e 2011, a cada ano os balancetes eram submetidos ao Tribunal de Contas do Estado, que sempre recomendou à Assembleia a aprovação da prestação de contas do governo, mesmo que com a inclusão de recomendações e ressalvas. Um dos conselheiros que votou na semana passada pela reprovação das contas da gestão em 2018 é o mesmo que, enquanto na função de relator do ano administrativo de 2017, incluiu em seu relatório o pedido de aprovação.
Sebastião Tejota inclusive assumiu em seu parecer das contas do governo de 2017 que sabia da peça ilusória construída pela gestão sobre o futuro de prosperidade e superávit nas finanças do Estado. “Sem a real disponibilidade de caixa” é o que consta no relatório de Tejota apresentado em 2018, quando seu filho, o vice-governador Lincoln Tejota (Pros), ainda na condição de deputado estadual, era aliado do ex-governador Marconi Perillo.
Muita coisa mudou desde então. Na campanha para senador, Marconi foi detido por 13 horas como parte da Operação Cash Delivery, que investiga uso de recursos da extinta Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop), hoje Goinfra [Agência Goiana de Infraestrutura e Transportes]. O tucano não foi eleito e ainda viu seu ex-tesoureiro das corridas eleitorais para governador e coordenador da campanha do PSDB em Goiânia, Jayme Rincón, ser detido duas vezes na mesma ação policial.
Não só as posições do conselheiro Tejota mudaram depois de seu filho se tornar candidato a vice-governador do adversário de Marconi e José Eliton – o que pode não ter ligação direta com seu voto pela reprovação das contas de 2018 do governo –, o governador Ronaldo Caiado (DEM), como a gestão tucana foi encerrada sem o devido pagamento do salário de dezembro aos servidores públicos do Estado. O Estado vive uma situação financeira complicada, mesmo com crescimento na arrecadação e corte de gastos, com previsão na Lei Orçamentária Anual (LOA) de que o déficit possa atingir a casa de R$ 6 bilhões até o fim dos primeiros 12 meses da gestão.
Orientação do relator
“Com efeito, o saldo negativo na conta centralizadora e as inconsistências apresentadas na operacionalização da conta única são problemas de grande envergadura, ao ponto de, se considerados para efeito de disponibilidade financeira e seu comprometimento com restos a pagar, impactar diretamente nos índices constitucionais de aplicações em saúde, educação e cultura, levando ao seu não cumprimento.”
O trecho retirado da leitura do parecer do relator, o vice-presidente do TCE-GO e conselheiro, Saulo Marques Mesquita, evidencia que a Corte optou por estipular em 2018 a possibilidade de saldar o déficit até 2022 quando analisou os balancetes do ano administrativo de 2017 do governo. “A situação fiscal deficitária foi ato de reiterados alertas ao governo do Estado, que, no entanto, não se mostrou suficiente para adoção das providências necessárias ao seu saneamento”, descreveu Mesquita no início de seu voto.

Nas determinações ao governo incluídas no parecer, o conselheiro observou que não houve cumprimento da aplicação constitucional de recursos em educação, cultura, ciência e tecnologia. “Um detalhe digno de nota é a edição das Emendas Constitucionais 54 e 55, de 2017, que estabeleceram para o exercício de 2018 importantes implicações quanto ao cálculo da despesa com pessoal e da aplicação mínima de recursos em ações e serviços públicos de saúde e em manutenção e desenvolvimento do ensino, bem como quanto ao limite de crescimento das despesas correntes.”
O relator Saulo Mesquita continua: “No dia 7 de maio de 2019, a procuradora-geral da República propôs a ADI [ação direta de inconstitucionalidade] 6129 com pedido de cautelar contra a Emenda 54 e os artigos 2º a 4ª da Emenda 55. Até o momento da elaboração desta análise, não houve pronunciamento do STF [Supremo Tribunal Federal]”.
Desempate
Dos conselheiros indicados por Marconi para o TCE, Edson Ferrari e Carla Santillo se declararam impedidos de participar da análise das contas. Helder Valin e Kennedy Trindade pediram a aprovação das contas. Sebastião Tejota foi o único nome escolhido pelo tucano para a Corte a seguir o relator em seu parecer.
O presidente do TCE, Celmar Rech, que é oriundo dos quadros de auditores da Corte, desempatou a votação no plenário em favor da reprovação dos balancetes referentes ao ano de 2018. O momento político é de rejeição das contas na Assembleia. O entendimento da Casa deve ser o da manutenção do entendimento do Tribunal de Contas do Estado. Diferente do que fez o mesmo Legislativo ao contrariar o parecer prévio analisado pelos conselheiros referente às contas de 2010 da gestão Alcides Rodrigues.
Antes vitorioso nas urnas em seis eleições majoritárias estaduais seguidas para o Executivo, o grupo político de Marconi Perillo não só foi quase completamente desmontado, como o tucano se mudou de Goiás. Em tempos de devassa nas contas deixadas pela antiga base aliada do tucano promovida por Caiado, o TCE demonstrou que não era momento de se omitir diante da necessidade de se mostrar presente e vigilante aos equívocos e maquiagem nas contas públicas estaduais.
Questionado por não ter feito o mesmo nas análises anteriores a 2010 e depois daquele ano de gestão, o Tribunal de Contas do Estado buscou dar uma resposta às críticas que sofreu no início de janeiro, quando havia quem defendesse o fechamento da Corte. Sobrou para o patinho feio da vez, que encerrou duas décadas de avanços em Goiás, mas também de muitos erros e suspeitas de benefícios eleitorais ilícitos, sem força. E ainda pode ver dois de seus ex-governadores – a depender da disposição dos deputados estaduais – se tornarem políticos inelegíveis.