Ao decretar uma brutal recessão, equipe econômica criou condições para a queda na arrecadação, e o desequilíbrio nas contas do governo aumentou ainda mais

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O governo deveria, sim, viver uma “recessão”, mas apenas em suas próprias contas

Terminada a apuração em outubro do ano passado, e ainda anos da posse para um novo mandato, o governo começou a trilhar o duro caminho do conserto de suas estragadas contas. Em janeiro, já sob o comando de uma equipe econômica novinha em folha, a dimensão do ajuste fiscal ganhou contornos mais dramáticos. Numa canetada só vieram aumentos nas alíquotas de impostos e disparada nas taxas de juros referenciais. A declarada intenção era a de frear o ritmo inflacionário em alta e melhorar o caixa devedor. Nada disso funcionou. A inflação continua subindo e o caixa piorou com queda na arrecadação.

A equipe econômica reza na cartilha usada pela maioria esmagadora dos economistas brasileiros, a de que inflação se combate com aumento de juros e recessão e bolso furado nas contas do governo se corrige com aumento de impostos. Mas, se é assim, por que desta vez as coisas estão piorando tanto e tão rapidamente? Talvez em função da dose exagerada, além da não observação de alguns fatores.

A questão da inflação, por exemplo. Aumentar juros e com isso tirar o ímpeto de crescimento da economia inibe realmente o ritmo do aumento de preços, mas especialmente quando esse aumento é gerado pelo desequilíbrio entre a oferta e a procura. Se a procura é maior do que aquilo que se pode ofertar, o preço sobe. No passado, era isso que tirava a inflação do sério. Desta vez, porém, não. Os preços estavam subindo por causa do descompasso do governo e não pelo mau comportamento consumista dos brasileiros. Tanto é verdade que a equipe econômica anterior, que errou ao não manter equilíbrio no caixa, teve que manter uma política de desoneração de impostos para manter a linha do consumo acima do vermelho.

Economistas ligados ao PSDB, como Armínio Fraga, que seria o ministro da Fazenda se Aécio Neves tivesse vencido as eleições no ano passado, e Luiz Carlos Mendonça de Barros, presidente do BNDES no governo de Fernando Henrique Cardoso, concordam em gênero e número com o plano que aí está. Discordam levemente no grau, particularmente quanto à meta divulgada no início do ano de superávit primário nas contas públicas.

Mas além da mão excessivamente pesada com que se decretou a recessão econômica, essa tese de brecar a economia como um todo para segurar a inflação e consertar o estrago nas contas do governo não é unanimidade.

A gravíssima crise mundial de 2008, que colocou o planeta sob risco de quebradeira total, foi combatida de duas formas. Nas economias mais desenvolvidas, Estados Unidos e principais países europeus, protegeu as empresas que tinham chances de sobreviver ao mesmo tempo em que pisou no acelerador do crescimento. Obviamente, os efeitos da adoção dessa política ficaram evidentes em curto período: o dinheiro que precisou ser torrado pelos governos para salvar o que era possível ser salvo, foi reposto pela retomada do crescimento, e consequentemente da arrecadação.

Já nas economias insignificantes globalmente, como Portugal e Grécia, a solução foi a adoção de recessões ainda mais brutais e profundas do que essa que arrasa o Brasil atualmente. Isso porque a crise por lá expôs a fragilidade das contas desses governos, que gastavam, como aqui, muito além do que tinham em caixa para manter o país andando em ritmo maior do que poderiam. Quando faltou dinheiro externo para financiar essa farra do crescimento, os países quebraram feio.

Essas duas soluções contrastam com a solução brasileira. Sim, como nos países fracos economicamente, o governo brasileiro se comportou como se não houvesse amanhã. Mas há uma diferença enorme entre as duas situações. Lá, os governos gastaram o que não tinham para manter o crescimento em alta, o que no futuro poderia reequilibrar a economia graças exatamente a esse crescimento financiado. com a crise, a fonte secou antes do tempo necessário de maturação desse desenvolvimento. No Brasil, apenas se esbanjou.

Seria o caso agora de se repensar a solução adotada pelo Brasil, uma das economias mais fortes do planeta. É óbvio que as coisas estavam fora de controle, e que o acerto nas contas teria que ser feito. Porém, ao traumatizar a economia como um todo, o governo tende a ficar cada vez mais distante desse controle. Prova disso é que a arrecadação vem despencando. A intenção de superávit primário do início do ano já se transformou em déficit, e o volume vem aumentando barbaramente.

O governo deveria, sim, viver uma “recessão”, mas apenas em suas próprias contas. Ao estender o castigo para a economia como um todo, provoca um sacrifício que talvez pudesse ser evitado. É evidente que numa economia forte como a brasileira a crise será superada, mas vai demorar muito mais tempo. Até lá, milhares de empresas não vão sobreviver, e essas empresas que vão quebrar poderiam contribuir para gerar a arrecadação que paga as contas do próprio governo. A cobra mordeu o próprio rabo, e vai se engolir até se fartar.