Em um dia, o juiz considerado herói nacional se torna o algoz do primeiro presidente brasileiro preso; no outro, se alia ao adversário recente do petista detido

Por mais que sejam melhores as intenções do juiz Sergio Moro ao aceitar cargo de superministro, magistrado pode se complicar | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Juiz titular da 13ª Vara Federal do Paraná, o paranaense Sergio Fernando Moro, de 46 anos, se notabilizou por atuar em processos ligados a lavagem de dinheiro. Desde o esquema que envolvia o Banestado, quando um dos investigados era o doleiro Alberto Youssef, além de ter sido juiz auxiliar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), no mensalão petista em 2012, Moro virou figura central no combate aos crimes de colarinho branco para a opinião pública.

Tratado como herói por uma nação órfã de exemplos de práticas sistêmicas honestas, o magistrado ganhou espaço na mídia por sua atuação considerada corajosa na condução dos casos investigados pelo Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF) na Operação Lava Jato. Ao lidar novamente com o doleiro Youssef, é um dos responsáveis por dar continuidade às investigações por, entre outras ações, prorrogar a prisão de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de refino e abastecimento da Petrobras, no primeiro semestre de 2014, e manter a força-tarefa viva.

Mas há episódios específicos nas decisões de Sergio Moro que trouxeram grande apoio popular às suas ações e também são responsáveis por tirar a unanimidade na avaliação profissional do magistrado à frente dos casos referentes à Laja Jato na cidade que ficou conhecida como “República de Curitiba”. O primeiro deles veio à tona no dia 16 de março de 2016, quando a presidente Dilma Rousseff (PT) usaria o artifício da nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para garantir foro privilegiado ao petista como ministro, além de tentar a última salvação de seu governo contra o processo de impeachment.

Quando Moro resolveu quebrar o sigilo do grampo telefônico no qual Dilma foi gravada em ligação com Lula na qual os dois acertavam a entrega do documento de posse para resguardar o líder petista de qualquer problema, que foi entendido como salvaguarda a uma possível prisão decretada, tempos depois foi repreendido pelo então relator da Lava Jato no STF, o falecido ministro Teori Zavaski. A ligação voltou ao caráter sigiloso e passou a não valer como parte do processo do tríplex no Guarujá (SP) por não ser da alçada de um juiz de primeira instância conversas que envolviam a presidente da República.

Mesmo ao tomar uma decisão ilegal, colaborou para evitar que Dilma usasse de um poder legalmente constituído para proteger o ex-presidente. Impedimento de ocupar o cargo que foi confirmado pelo STF. É verdade que a mesma Corte Suprema nada fez, depois de concluído o processo de impeachment de Dilma, quando o presidente Michel Temer (MDB) nomeou Moreira Franco (MDB) ministro para garantir-lhe foro privilegiado contra a mesma Lava Jato. Mas essa é uma discussão para outro momento. O foco aqui é a atuação do juiz Sergio Moro.

Condenação de Lula
Em decisão que dividiu juristas – o que em nada desabona a atuação do magistrado – no dia 12 de julho de 2017, Moro condenou Lula a 6 anos e meio pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do tríplex. Ao sentenciar o petista, o juiz descreveu no processo não estar feliz ao apenar o petista. “É de todo lamentável que um ex-presidente da República seja condenado criminalmente, mas a causa disso são os crimes por ele praticados e a culpa não é da regular aplicação da lei.” Até hoje há quem diga que o caso de Lula da Silva trata-se de uma condenação sem provas. Assim como existe uma outra ala de profissionais do Direito que veem a decisão de Moro com acertada.

Admirador dos métodos adotados pela Operação Mãos Limpas, nos anos 1990, na Itália, Moro sempre se colocou publicamente como um magistrado imparcial que dividiu suas atenções ao devido processo legal, com erros cometidos na tentativa de fechar o cerco do que fosse possível à corrupção no Executivo federal, e as manifestações da opinião pública que acompanhava os desdobramentos da Lava Jato. Inclusive concedeu entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo em 5 de novembro de 2016 na qual afirmou que “jamais entraria para a política”.

Depois de Lula ter a condenação mantida e a pena aumentada em março de 2018 pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre (RS), bastou que o STF negasse habeas corpus preventivo ao ex-presidente para, no mesmo dia 5 de abril, Moro decretasse a prisão do ex-presidente. A decisão foi criticada pelos advogados de defesa pela rapidez com a qual a medida foi adotada. Em 1º de outubro, a seis dias da disputa do primeiro turno das eleições presidenciais, o magistrado decidiu quebrar o sigilo da parte da delação do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci em que o ex-auxiliar dos governos do PT faz graves acusações ao ex-presidente preso.

Com a prisão de Lula, o petista foi impedido de ser candidato a presidente da República. O curioso é que mesmo preso o ex-presidente liderava as pesquisas de intenção de votos e vivenciava um momento de crescimento do eleitorado que dizia votar no condenado em segunda instância. Em 22 de agosto, ainda com o registro de candidatura a ser analisado, Lula chegou a 39% no levantamento estimulado do instituto Datafolha. A delação de Palocci, Moro já sabia disso, não poderia ser utilizada no processo referente ao sítio em Atibaia (SP), mais um nas mãos do juiz contra o petista que cumpre prisão preventiva até aqui pelo caso do tríplex.

Ministro da Justiça
Mas, por mais que parecesse estranho para parte da população, nada seria suficiente para abalar a avaliação da maioria da sociedade sobre a coragem e engajamento de Sergio Moro no combate à corrupção. O magistrado, independente e fiel às suas convicções profissionais, seguia na análise dos processos que envolvem Palocci, Lula e outros políticos relacionados à Lava Jato quando teria recebido o convite para se tornar superministro da Justiça e Segurança Pública no possível governo de Jair Bolsonaro (PSL), que ainda não havia sido eleito. A informação foi dada pelo agora vice-presidente eleito, o general da reserva do Exército Hamilton Mourão (PRTB).

Não bastasse a estranheza de um juiz que havia condenado o ex-adversário nas urnas de Bolsonaro, um dia depois da eleição do presidenciável do PSL vem a confirmação em entrevista à RecordTV: Moro seria convidado para se tornar ministro da Justiça ou para uma eventual vaga no STF. Na quarta-feira (31/10), o juiz responde ver com bons olhos a oferta do cargo a partir de 1º de janeiro de 2019. Ainda mais estranho, o magistrado tinha passagem marcada para o Rio de Janeiro na manhã de quinta (1º/11) e, naquele dia, aceita ser superministro de uma pasta que pode ter sob seu comando a Justiça, Segurança Pública, Transparência, Controladoria-Geral da União (CGU) e Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Com exceção dos então candidatos Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT), é bem possível que qualquer um dos outros dez candidatos a presidente que disputaram o primeiro turno das eleições em outubro fizesse o mesmo convite que veio de Bolsonaro a dois meses de ocupar o Palácio da Alvorada. O senador Alvaro Dias (Podemos) foi o primeiro a repetir cansativamente na campanha e nos debates que gostaria de ter Sergio Moro no Ministério da Justiça. O que talvez cause dúvidas é a abertura que Moro deu, ao aceitar rapidamente o convite de Bolsonaro, para que interpretem sua atuação de juiz responsável pela Lava Jato em Curitiba como extremamente política, como o PT sempre o acusou.

Filiados importantes do Partido dos Trabalhadores trataram de acusar Sergio Moro de ter se desnudado da figura de magistrado imparcial para se tornar o que sempre foi: político. Um deles foi a ex-presidente Dilma Rousseff, que se vitimizou como atingida pelas decisões politizadas do juiz, inclusive ao tirar o sigilo de um trecho da delação de Palocci. Como oposição ao futuro governo Bolsonaro, era uma atitude esperada. O problema é que Moro poderia ter se resguardado do desgaste.

Riscos
A verdade é que cabem duas interpretações. A primeira é que começa de fato a se revelar a verdadeira faceta do juiz parcial e político que teria agido em suas sentenças e decisões para minar a força eleitoral do já arranhado PT nas eleições com a divulgação da ligação entre Dilma e Lula em 2016, a condenação e a prisão decretada contra o ex-presidente. Mas é possível dizer que a coragem que a população enxergou em Sergio Moro tenha se fortalecido ao encarar uma missão tão dura, que inclusive pode colocar em risco a reputação de combatente da corrupção do magistrado.

E nada melhor para entender de vez o quanto o assunto é complicado e dúbio do que a fala do presidente eleito em entrevista na quinta-feira, momentos depois de anunciar Moro como superministro da Justiça: “O trabalho dele muito bem feito. Em função do combate à corrupção, da Operação Lava Jato, as questões do mensalão, entre outros, me ajudou a crescer politicamente falando”. Bolsonaro, por enquanto, é o único a lucrar com os aplausos da opinião pública por trazer para o seu lado o herói de toga da Lava Jato.

Existem inúmeras possibilidades do que pode acontecer. O fato é que Bolsonaro também arrisca, assim como quando dá superpoderes ao economista Paulo Guedes no Ministério da Economia, ao criar uma superpasta da Justiça para Moro. São dois ministros que poderão se tornar maiores do que o próprio presidente, que pode ficar acuado de tirá-los do cargo se for necessário. Sergio Moro abre mão da magistratura com a necessidade de sua exoneração, mas pode usar o Ministério para aguardar a vaga de ministro do STF, que só deve vir em 2020, com a aposentadoria de Celso de Mello.

Com tantos poderes no Ministério da Justiça, Moro pode ter liberdade para fazer o que aplicou dentro das possibilidades na 13ª Vara Federal, agora de forma mais ampla: ser um combatente implacável da corrupção na União. O problema é se o juiz tiver sido convidado para ser usado como um cinturão protetor dos corruptos que começam a se juntar ao presidente eleito e ter de se ver na função de apenas perseguir os ditos “inimigos petistas” de Bolsonaro. Sejam melhores possíveis as intenções de Sergio Moro no combate ao crime e à corrupção, cabe à figura-símbolo da Justiça na Lava Jato tomar todos os cuidados para não se tornar uma peça no jogo político.

E ainda há a possibilidade de, se for a política o projeto de Moro, se preparar para disputar o cargo de presidente da República como sucessor de Bolsonaro. Isso jogaria o magistrado de vez na política partidária e fortaleceria o discurso dos opositores de que de fato o juiz se despiu. No céu da opinião pública, Moro se coloca em xeque. Resta saber se o paranaense se manterá no controle do combate à corrupção ou se será descartado como um peão, sem forças, abatido com facilidade no tabuleiro em nome de outros interesses.