Federações partidárias são um desafio a todos – mais ainda para a direita

20 fevereiro 2022 às 00h00

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Apesar de surgirem como um “jeitinho brasileiro” para substituir as coligações, o novo instrumento deve ajudar a governabilidade

A grande novidade da última minirreforma eleitoral, sem dúvida, foi a possibilidade de os partidos se unirem em federações. É um passo a mais para que o Brasil consiga, ainda que de modo forçoso, reduzir o número de partidos, que, caso nenhuma providência seja tomada, em breve poderá alcançar a impressionante casa de 40 siglas.
E a grande maioria deles são apenas isto: siglas. Nada mais. Um desafio ao leitor: indicar qual é a diferença, na prática, entre o que representam, por exemplo, PRTB, PTC, Pros e Republicanos. O primeiro é o partido no qual está filiado, por enquanto, o vice-presidente Hamilton Mourão, que deve ir para algum do chamado Centrão – e boatos dão conta de que o alvo é o Republicanos – para buscar uma vaga no Congresso. Já o PTC abrigou até pouco tempo atrás o senador alagoano e ex-presidente Fernando Collor, agora no Pros.
Se tentar várias outras combinações– como PTB, DC, PMN e PSC – e a história será a mesma, com outros personagens. Um deles, hoje bem notório, rodou nessa sopa de letrinhas: o presidente Jair Bolsonaro, hoje no PL, já havia passado, em sua carreira política de 34 anos, por nove siglas: PDC (de 1988 a 1993), PP (em 1993), PPR (de 1993 a 1995), PPB (de 1995 a 2003), PTB (de 2003 a 2005), PFL (em 2005), PP (de 2005 a 2016), PSC (de 2016 a 2018), PSL (de 2018 a 2019) e, desde novembro do ano passado, o atual, após dois anos sem partido. Como ele, há inúmeros políticos com o mesmo histórico, a começar das câmaras municipais até os mais altos escalões.
Deveriam ser todos partidos de um mesmo espectro político – algo entre direita e centro-direita –, mas acabam tendo uma dinâmica conjuntural, que poderíamos chamar de “ideologia flex”: todos teriam facilidade – alguns muita facilidade – para aderir ao governo de ocasião, desde que contemplados com cargos.
Isso ocorre porque a democracia brasileira, na hora da prática, está assentada no chamado “presidencialismo de coalizão”: o comandante do Executivo, seja de qual esfera for, tem de se virar para compor uma base no meio do esfarelamento de câmaras e assembleias com uma dúzia ou mais de partidos representados.
Nesse sentido, as federações passam a cumprir um papel importante, já que estabelecem que os partidos que a formarem deverão se manter unidos por pelo menos quatro anos. É muito diferente das coligações, nas quais, por conveniência eleitoreira, as siglas se juntavam para chegar a um melhor quociente, ou unir puxadores de votos, ou, ainda, obter maior tempo de propaganda. Passadas as eleições, voltava o “cada um por si”.
No processo de negociar uma federação, no entanto, quando (na verdade, o termo ideal é “se”, porque não será tão simples assim) partidos optarem por se unir em longo prazo, na prática formarão uma única bancada durante todo um ciclo eleitoral.
Ou seja, quem se unir agora – o prazo final, determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), é 31de maio – participará do mesmo “casamento”, para usar uma metáfora bolsonariana, por quatro anos. Resumindo, enfim: serão uma só carne até 2026. E o grande pulo do gato é que isso que poderíamos chamar de “fusão temporária” vale para cada município e cada Estado, além obviamente do âmbito federal.
Para quem está à frente do Executivo, seja uma prefeitura, um Estado ou o País, as coisas ficarão mais claras, já que o desafio será negociar com o bloco e não com cada líder de partido. Em tese, as condições de governabilidade melhorarão substancialmente.
Pulo arriscado
A questão é que o pulo pode ser tão grande que os gatos talvez não se arrisquem a saltar. Em um país continental e que nunca primou pela fidelidade ideológica, os consensos são muito difíceis, especialmente para os partidos do centro à direita.
Colocando o MDB ou o PSD como centro absoluto – o primeiro usando critério de antiguidade, mas o segundo também poderia ocupar o mesmo lugar –, teríamos à direita desse ponto, até a extrema-direita: Pros, Avante, PSDB, PTC, PMN, PMB (ou Brasil 35, como deve ser oficializado), Podemos, PP, Republicanos, PL, União Brasil (DEM + PSL), Novo, DC, PSC, Patriota, PRTB e PTB.
Do lado oposto, caminhando do centro para a extrema-esquerda, estariam Cidadania, Solidariedade, PV, PDT, Rede Sustentabilidade, PSB, PT, PCdoB, PSOL, UP, PCO, PCB e PSTU.
Duas federações parecem estar sendo mais discutidas, uma de cada lado do espectro: do lado da centro-direita, discutem os gigantes MDB e União Brasil, que se tornou a maior bancada do Congresso com a fusão de PSL e DEM. Pode entrar na roda também o PSDB.
Do lado esquerdo da linha, o PT comanda as negociações para ter consigo o PCdoB, PSOL, PV, PSB e, talvez, a Rede. A coisa se complicou na última semana, por conta de interesses do PSB, especialmente em São Paulo, mas têm tempo para se acertarem.
Voltando à história do gato que não sabe se pula ou não, imagine como será, por exemplo em Goiás, ver Ronaldo Caiado e Marconi Perillo forçados a pedir votos para o mesmo candidato. O tucano no palco com o governador e ambos apoiando uma suposta chapa João Doria / Simone Tebet à Presidência. Imaginou? Sim, é difícil fazer ideia de que isso possa acontecer de fato.
Do lado da esquerda, no entanto, é complicado, mas bem menos irreal, que Márcio França (PSB), Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSOL) se acertem por um nome apenas na disputa pelo governo paulista. Da mesma forma, nacionalmente é mais fácil para esse bloco se estruturar em torno de um único nome, já que há entre todos os partidos somente um pré-candidato a presidente. Por acaso, Luiz Inácio Lula da Silva, o petista líder absoluto de todas as pesquisas de intenção de voto.
A coesão ideológica é outro fator que conta. Há muito mais conteúdo programático e interesse por um estatuto em comum no bloco progressista. É verdade que o bolsonarismo, sem entrar em juízo de valor, trouxe ideologia – ou pelo menos a discussão ideológica – para o campo da direita, mas a pouca rodagem nesse quesito é pouco animadora a que haja acordos fechados no papel.
Por incrível que possa parecer, a verticalidade que as federações impõem será muito mais sensível e suscetível ao local do que ao nacional, como pode ser observado com o exemplo de Goiás, de parágrafos acima.
No fim das contas, apesar de se mostrarem como uma forma de “jeitinho brasileiro” para juntar o que não mais poderia ser conseguido com as coligações, as federações partidárias parecem ser uma saída interessante de modo a diminuir o fisiologismo e facilitar – ou pelo menos tornar menos conturbada – a gestão por parte de quem está no Executivo.