Eleições presidenciais na Nova República sempre foram contra ou a favor do PT

29 maio 2022 às 00h00

COMPARTILHAR
Desde 1989, todas as dezenas de partidos do País se dividem, ao fim, em dois blocos: os que são aliados dos petistas e os que são contra

Por mais que haja uma “boa intenção” em estabelecer uma terceira via no mundo da política, essa é uma tarefa muito ingrata. Militar pelo “caminho do meio”, o chamado centro – não confundir com “Centrão” –, é algo que parece ser o mais racional, um equilíbrio de forças, pegando o que há de bom e de aplicável em cada um dos lados. Mas justamente por ser equilibrado, o centrista é também o menos apaixonado.
E política também é paixão. Precisa-se de sentimento para se levantar uma bandeira, colocar um adesivo no peito, pedir voto. Essa foi a energia que moveu o PT dos anos 80 até a chegada ao poder, no início do século 21. Também isso se mostrou no vigor com que os bolsonaristas – quando ainda não tinham essa alcunha personal – levaram o “mito” ao Palácio do Planalto gritando, nos atos que promoviam: “eu vim de graça!”.
Aqui, sem juízo de valor, deve-se dar a César o que é de César: militantes levam sua paixão no coração e às raias do irracional, minimizando os fatos contrários que afetam sua posição e hiperbolizando os escândalos que ocorrem no lado oposto. Mas… quem vibra por conta do centro? Quem sai às ruas com a camisa da terceira via? Quem vai doar seu entusiasmo em prol da causa do “não extremismo”?
Desse modo, sem ter a energia dos polos a mobilizar, vão caindo os pretensos salvadores da pátria que se escoram no bordão “nem Lula nem Bolsonaro”. Desde meados do ano passado, só cresce a lista de possíveis postulantes de centro à Presidência que a “realpolitik” já sepultou: Luciano Huck (sem partido), em junho; João Amoêdo (Novo), também naquele mês; Luiz Henrique Mandetta (DEM, hoje União Brasil), em novembro; Rodrigo Pacheco (PSD), Alessandro Vieira (Cidadania) e Sergio Moro (então no Podemos, hoje no União Brasil), em março; Eduardo Leite (PSDB), em abril; e na última semana, João Doria (PSDB).
A aposta agora está na emedebista Simone Tebet, a senadora sul-mato-grossense que fez bonito na CPI da Pandemia. Foi ela quem praticamente coagiu o deputado Luis Miranda (UB-DF) a abrir o jogo sobre o escândalo da vacina Covaxin durante seu depoimento à comissão. Sua pré-candidatura foi firmada pelo MDB e até agora apoiada oficialmente apenas pelo Cidadania. Espera-se que o PSDB, agora sem Leite nem Doria, também se junte.
As próximas semanas dirão se Tebet tem algum potencial para “subir na tabela”, conquistando alguns pontos nas próximas pesquisas de intenção de voto. Se chegar aos 5% até o fim do mês, haverá alguma motivação para a sequência na postulação.
Simone Tebet, na verdade, é o último fio de esperança de alavancar um terceiro nome na disputa atípica deste ano. Justamente por ser atípica, com um presidente e um ex-presidente na disputa, tem sido uma missão ingrata para quem tenta se colocar. Independentemente disso, há um questionamento a ser feito: o atual processo eleitoral pode indicar que o Brasil esteja seguindo rumo a um bipartidarismo?
Sem colocar em tela os fatores práticos que tentam enxugar o excessivo número de partidos políticos por aqui – como a cláusula de barreira que desmonetiza e invisibiliza siglas que não a alcançam, o fim das coligações e o advento das federações –, a constatação é de que, desde a redemocratização, as forças que se digladiam, no fundo, correspondem a apenas duas: o PT e o antipetismo. Ou seja, já vivemos um “bipartidarismo de fato” há mais de 30 anos, só não damos o braço a torcer.
A apertada vitória de Luiz Inácio Lula da Silva sobre Leonel Brizola no primeiro turno de 1989 foi, na verdade, as prévias sobre quem teria o comando da esquerda dali em diante. No segundo turno, as forças que se aglutinaram em torno do petista e de seu rival e futuro presidente, Fernando Collor, do PRN – Partido da Reconstrução Nacional, ou melhor, partido construído para dar legenda ao jovem candidato –, formariam a base de todas as disputa que viriam nos pleitos seguintes.
Depois do impeachment e queda do mandatário playboy, o PT ficou fora do governo de coalizão do vice Itamar Franco. O sucesso do Plano Real, ao qual os petistas também (e erradamente) se opuseram, fez o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) ser alçado a uma posição eleitoral de destaque e construir uma aliança de centro-direita que dominaria seus dois mandatos, vencendo Lula em 1994 e 1998.
Em 2002, com a “Carta ao Povo Brasileiro”, o petista adotou um tom moderado condizente ao que desejava o mercado. Não se pode dizer que foi exatamente isso que o tenha levado a ser eleito – quem vota é o povo, não o “mercado” –, mas com certeza ajudou sua aceitação, ou pelo menos tolerância, diante da elite financeira que sempre conduziu os destinos do País.
Lula foi reconduzido em 2006 e, com alta popularidade, fez uma ministra que nunca tinha concorrido nem a vereadora ser eleita presidente. Dilma Rousseff venceria duas batalhas, em 2010 e em 2014. Nessa última, uma vitória de Pirro, porque o desgaste que sofreu pelos ataques do adversário Aécio Neves (PSDB) – o primeiro político na história das eleições presidenciais desde 1989 a contestar o resultado das urnas – foi tal que minou politicamente seu segundo mandato antes que ele começasse.
Veio então a execração do PT, por meio da Operação Lava Jato e da conspiração conduzida, primeiramente pelo próprio perdedor Aécio, depois pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), então no MDB e o vice-presidente Michel Temer (MDB), que levaram ao impeachment de Dilma. Uma história que hoje, apenas seis anos depois, já tem um enredo bem diferente, aflorado por conta de episódios como o teor das conversas entre procuradores e o ex-juiz Sergio Moro exposto pela Vaza Jato, declarações de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e julgamentos como o do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que em março inocentou a ex-presidente no episódio das pedaladas fiscais, a base para o pedido do impeachment. Em suma: se não foi golpe, foi uma grande trapaça para tirar o PT à força.
Em 2018, o PSDB já não dava mais as cartas no campo da direita, graças a um áudio vazado em que Aécio se comprometeu ao pedir propina – e a conjecturar sobre possivelmente matar um primo. “Vacinada” contra os tucanos, a parcela anticorrupção e antipetista do eleitorado – muito mais antipetista do que anticorrupção, como se veria nos anos seguintes – radicalizou de vez: apostou tudo no extremista de direita Jair Bolsonaro, um mau militar (segundo o ex-presidente general Ernesto Geisel) e um deputado sem projetos defensor de torturadores que, como Collor, também havia alugado uma legenda, o PSL. O pré-candidato Lula foi levado à cadeia pelo STF, acuado por ameaça das Forças Armadas, por meio do comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas, via redes sociais. Mesmo assim, Lula fez seu substituto chegar ao segundo turno. Novamente, o PT contra o antipetismo. E Fernando Haddad perdeu para Bolsonaro.
No próximo pleito, daqui a pouco mais de quatro meses, estarão novamente em jogo as duas únicas forças que moveram a disputa política neste País: o PT e quem o quer abater. Desta vez, como na anterior, com o “abater” sendo, infelizmente, mais do que força de expressão.