Uma xícara de arroz branco; 300 gramas de filé mignon em medalhão; 100 gramas de bacon em cubinhos; 50 ml de azeite; 150 gramas de couve em tiras; 200 gramas de farinha biju; 7 dentes de alho grandes; 2 batatas médias tipo Asterix (casca rosada); e uma pitada de sal a gosto. Esses são os ingredientes necessários para fazer o filé à Oswaldo Aranha, uma refeição tipicamente brasileira e especialmente encontrada nos restaurantes do Rio de Janeiro.

A miséria historiográfica deste País é escancarada quando o prato é mais conhecido do que o homenageado por ele: Oswaldo Aranha, figura central na criação do Estado de Israel – e do que deveria ter sido também o Estado da Palestina. Aranha foi um político e diplomata gaúcho que, mais do que conterrâneo e aliado, era amigo de Getúlio Vargas antes mesmo de ele se tornar presidente. Depois de ser prefeito de Alegrete – cidade do sudoeste do Rio Grande do Sul, a 509 quilômetros de Porto Alegre –, se elegeu deputado federal e, com a Revolução de 30, passou a integrar o governo de Vargas como ministro da Justiça e, depois, da Fazenda. Em 1934, foi designado embaixador em Washington e, como consequência de sua estadia, se fez um admirador da democracia estadunidense.

Depois de se demitir em 1937 por não concordar com os rumos do governo do amigo após a instauração do Estado Novo e com certa simpatia varguista pela Alemanha, foi convencido no ano seguinte a assumir o Ministério das Relações Exteriores, no qual ficou até 1944. Mas foi em 1947, já com Eurico Gaspar Dutra como presidente, que sua carreira como homem público chegou ao ápice: ele se tornou chefe da delegação brasileira na recém-nascida ONU e conhecido por ser um hábil negociador, foi elevado a presidente da 2ª Assembleia Geral da entidade, que votou e aprovou a Resolução 181 que estabeleceu a criação de Israel dentro do Plano de Partilha da Palestina.

Não é à toa que no centro de Tel-Aviv, entre as avenidas HaArba’a e Eliezer Kaplan, há a Osvaldo Arania Street – ou Rua Oswaldo Aranha, em português –, homenagem a quem conduziu o processo de criação de um lugar físico para o povo judeu, que vivia em diáspora desde a Antiguidade. Em outras cidades israelenses existem logradouros batizados com o nome do brasileiro. São demonstrações realmente de muita gratidão.

Era um compromisso do governo britânico que existia desde 1917, com a chamada Declaração Balfour, quando o Império Otomano estava agonizando. Um compromisso que os árabes nunca referendaram, mas foram vencidos na votação da ONU conduzida pelo brasileiro.

Oswaldo Aranha morreu em 1960, de ataque cardíaco. À época, não se pode reclamar de homenagens: seu funeral foi concorrido e o presidente Juscelino Kubitschek foi um dos que carregaram seu caixão.

Agora, quase 80 anos depois, diante do maior ataque terrorista sofrido pelo Estado de Israel em toda sua história, o Brasil está de novo com um papel central para mediar um conflito envolvendo judeus e palestinos. É que a crise no Oriente Médio pegou justamente o governo tupiniquim como presidente do Conselho de Segurança da ONU diante do mandato rotativo.

Assim como Aranha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é tido como um bom negociador – claro, não ao nível de conhecimento profundo da área como o diplomata, mas tendo a experiência de quem já se sentou à mesa com inúmeros líderes árabes e israelenses durante seus três mandatos.

O Brasil convocou e presidiu, na semana passada, a reunião extraordinária do Conselho de Segurança para discutir a guerra entre Israel e Hamas. Não deu em muita coisa, como infelizmente já era o esperado. A partir, porém, da posição (até surpreendente, diga-se) da Rússia, que pediu cessar-fogo, Brasília diz estar construindo uma nova proposta. A grande preocupação é com os milhões de civis palestinos que, entre a cruz que é o Hamas e a espada de Israel, estão sem energia, sem água, sem alimentos e sem assistência médica. Gaza hoje é o inferno na Terra e a missão brasileira, no momento, é, ironicamente e ao contrário do que Aranha fez com os judeus, ajudar a abrir um caminho para fora do território por que sempre lutaram.