Dança com lobos ou valsa dos cisnes

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Opositores anunciam disposição de incomodar o governo, mas a base aliada tem maioria absoluta para neutralizar ações constrangedoras

O resultado das urnas de 2014 na composição da nova legislatura na Assembleia Legislativa mostrou um avanço da base aliada de Marconi Perillo e um recuo da bancada oposicionista. No papel, das 41 cadeiras de deputado estadual em Goiás, os aliados vão ocupar 27. Para a oposição sobraram apenas 14.
Mas os opositores dizem que a bancada ganhou em qualidade e experiência, o que, convenhamos, não quer dizer grande coisa no império das batalhas do voto. Em tese, 14 é sempre menor que 27. Quase a metade. Em tese? Sim, em tese. Política jamais é para ser medida ou mensurada em números, mas em votos. Principalmente quando a questão é o plenário dos parlamentos. Números, nesse caso, oferecem uma perspectiva do ponto de partida, mas não, e nem sempre, uma antecipação do ponto de chegada.
Para ficar apenas num exemplo, talvez o maior e mais expressivo de toda a recente história política brasileira, relembre-se a eleição indireta de Tancredo Neves, nos estertores do regime militar, em meados da década de 1980. O governo tinha ampla e tranquila maioria de votos no Congresso, a quem cabia, pelas regras da época, eleger o presidente da República. Anos antes, o então presidente do PMDB, Ulysses Guimarães (já falecido), certo de que era um jogo de cartas marcadas previamente pelo dono do baralho, chegou a lançar-se candidato como forma de denunciar o esquema indireto da eleição. Um anticandidato, como ele próprio se referiu.
Pois naquela eleição, em 1985, Tancredo Neves, pelo mesmo PMDB, derrotou com sobras o candidato do PDS/regime militar, Paulo Maluf. A derrota não foi exatamente uma surpresa às vésperas da votação, mas ninguém conseguiria prever algo parecido alguns anos antes, quando do início daquela legislatura.
Se um exemplo dessa dimensão histórica é grande demais para servir como referência para o dia a dia do parlamento, então pode-se recorrer a vários outros, mais recentes. No ano passado, em meio à turbulência geral, a oposição conseguiu emplacar no Congresso Nacional de ampla maioria governista nada menos que uma CPI pra lá de incômoda para o governo, a que deveria investir os desmandos ocorridos na Petrobras.
Como o governo perde maiorias no parlamento de uma votação para outra? Difícil apontar para algo que não segue qualquer regra previamente estabelecida. É política, e em tempo integral. Deputados, senadores e vereadores agem de acordo com seus interesses pessoais. A maioria deles, cobertos por questões políticas. Alguns, felizmente uma parcela bastante pequena, por interesses inconfessáveis publicamente. Até porque se confessassem iriam em cana.
No caso da nova composição da Assembleia Legislativa de Goiás, a oposição diz que criará ambiente para que o governo se sinta como dançando politicamente com lobos ferozes. Já a maioria numérica dos aliados indica que, além do barulho da banda oposicionista, a orquestra vai no embalo da valsa dos cisnes, com ampla tranquilidade. Tudo isso, repita-se, é o que está previamente num enredo sem regras absolutas.
No sistema democrático brasileiro, alicerçado no presidencialismo, o grande maestro dos parlamentos é mesmo o chefe, ou chefa, do Poder Executivo. Presidente, governadores e prefeitos têm a caneta como uma batuta para comandar a orquestra parlamentar. É assim em Goiás, em São Paulo, na Bahia e no Brasil. Sem excessões.
Ocorre que algumas vezes essa batuta/caneta se defronta com pequenas demandas do corpo do baile parlamentar que destoa do conjunto. E aí começam a surgir tímidos passos fora do compasso. Nesses momentos, o governante corre riscos, mas geralmente o risco maior é do dançarino doido ser isolado dos demais, para não contaminar o conjunto. Novamente para exemplificar situações afins, essa é a nítida impressão que se tem das dificuldades vividas pelo prefeito de Goiânia, Paulo Garcia, e sua teoricamente bancada aliada na Câmara de Vereadores.
Como a quarentena não foi acionada no momento certo, a maioria se desfez.
Marconi Perillo tem experiência mais do que suficiente para lidar com essas situações. Ele próprio já passou 12 anos no parlamento – como deputado estadual, entre 1991/1994, como deputado federal, entre 1995/1998, e como senador, entre 2007/2010. Além desse fato, ele já exerceu três mandatos de governador. Ou seja, por três vezes ele foi o maestro da orquestra. Ele nunca trabalhou com minoria, e desta vez, para o quarto mandato, arrastou na sua eleição a maior maioria que já conseguiu obter. Suficiente para espantar os lobos. É ver no que vai dar, mas apostar no caos que a experiência e profissionalismo da minoria de opositores poderia causar é jogar muito alto. Tá mais pra valsa. l