Se o atual presidente for reeleito, o que esperar do País desde então? E o que se daria a partir de janeiro, em um terceiro governo do petista?

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Lula e Bolsonaro: um exercício de futurologia sobre como seria o governo de cada um | Fotos: Reprodução

Na coluna “Contraponto” da semana passada neste jornal, o ex-governador Irapuan Costa Junior fez um exercício interessante do que ele próprio chamou de “futurologia”. Sob sua ótica de um das maiores – senão a maior – referência intelectual da direita no Estado: em seu texto “Dois caminhos: o que pode acontecer com o Brasil no caso de vitória de Lula ou Bolsonaro”, ele desenhou uma futurologia sobre quais seriam os rumos do País nos próximos quatro anos.

A coluna “Conexão”, por meio deste colunista, resolveu também traçar os cenários que considera possíveis, não com um efeito de sentido de réplica, mas para fazer também essa atividade de imaginação, necessária para refletir sobre nosso futuro próximo, diante de outro público leitor, ou dando ao mesmo um outro ângulo para entender o momento por que passamos nesta quadra de nossa história.

É preciso, no entanto, deixar antes uma observação: o Brasil não é uma ilha – pelo contrário, é quase um continente – diante do que ocorre no mundo, há uma guerra imprevisível em curso entre potências e outros prognósticos igualmente temerários em aspectos como tecnologia, comunicação e meio ambiente.

Se Lula vencer as eleições

Talvez a quinta-feira, 18, tenha marcado o último momento icônico de relativa paz e tranquilidade que Luiz Inácio Lula da Silva vá ter pelos próximos quatro ou cinco anos. Por uma certa ironia, o casamento com a socióloga Rosângela Silva, a Janja, presenciado por 150 pessoas, será um ponto de virada na vida, do particular para o social, em que as atenções do marido terão de ser dedicadas quase que integralmente ao mundo fora do lar.

Caso se mantenha a tendência atual apontada por todos os institutos de pesquisa e caso não haja algo como um bem-sucedido (para o mal) episódio tupiniquim da invasão do Capitólio, o ex-presidente deve retomar a cadeira principal do Palácio do Planalto exatamente 20 anos depois de ter nela se sentado pela primeira vez. E vai encontrar um Brasil muito diferente daquele que estava sob as sequelas da crise de 1998 – que, em relação ao atual momento, nada seria além de uma “marolinha”, para falar no linguajar que o petista costuma usar.

Lula assumiria um País destroçado, com o triplo dois-dígitos mais temido: inflação, taxa de desemprego e taxa de juros. Tudo isso acima de 10%. Com o mundo em pós-pandemia e uma guerra na Europa em curso ou recém-terminada, a sensação que o petista teria era de alguém que ganha uma mansão como herança, mas a construção está em total ruína. Se em 2002 o PT chamou de “herança maldita” o que Fernando Henrique Cardoso havia deixado, com um Plano Real em pleno vigor, o que dirão ao encontrar o que seu antecessor doidivanas vai deixar como terra arrasada, seja por (falta de) conceitos na economia, na diplomacia e na educação, seja literalmente, como na proteção à Amazônia?

A coalizão ampla que o ex-presidente tenta montar agora para voltar ao cargo após 12 anos vai precisar funcionar melhor ainda para que seu governo tenha algum sucesso. O primeiro grande obstáculo já estará logo ali, um mês após a posse: a eleição para a Câmara e para o Senado, em que o Centrão com certeza vai querer manter a garantia das mastodônticas benesses alcançadas ao grupo durante o governo Bolsonaro. Lula verá o aumento do custo de formar uma base: o mensalão virou mesadinha diante do que é, para o Legislativo, o poder do orçamento secreto.

Não haverá trégua da oposição, seja a extremamente raivosa que deixa o poder, seja aquela clássica, já conhecida, constituída pela grande imprensa, grupos corporativos empresariais e os partidos de centro-direita. A montagem da equipe do primeiro escalão será fundamental para enfrentar e ter algum sucesso diante dos grandes desafios que virão. Como retomar o crescimento com o discurso de centro-esquerda tendo no meio do caminho o teto de gastos? E o que fazer com a insatisfação da própria base diante das reformas liberais que retiraram direitos?

Por outro lado, com a habilidade de negociação que lhe é peculiar, Lula poderá construir importantes pontes no exterior para resolver o passivo ambiental que será deixado e que tem manchado globalmente a imagem do País – o que depende, também, de um bom nome para as Relações Exteriores. De positivo internamente, uma remontagem digna e essencial das áreas da Educação e da Cultura. Em relação aos militares, cuja maioria tem alta rejeição ao petista, certamente haverá bons intermediários – como já existem para o atual momento de crise institucional – para mediar os momentos iniciais de governo e a tendência é de que seja algo não dificilmente superável.

Se Bolsonaro vencer as eleições

Com o líder da extrema-direita no poder, foram todos estes anos atribulados, de tensão ininterrupta com os demais Poderes. A pandemia de Covid-19 só serviu para agravar o quadro, mas é bom sempre se lembrar de que ela não foi determinante para o comportamento do mandatário: é da natureza de Jair Bolsonaro viver do confronto, de declarações para os seus ajuntando sua turma e dando uma banana para o “resto” – também conhecida como “população brasileira não militante de direita”.

Bolsonaro estabeleceu o que poderíamos também chamar de “dialética da provocação” e é assim que ele passa os dias de Planalto. Não há plano de governo Na infraestrutura, por exemplo, não há nenhum projeto em curso, somente picotes do que já foi planejado, iniciado ou até concluído em grande parte por seus antecessores: foi assim com a transposição do Rio São Francisco, com a Ferrovia Norte-Sul e com tantas obras de rodovias federais pelo País. Também nada – pelo menos nada de bom – foi feito pela educação e pelo meio ambiente. Política de segurança pública? Transferir para os civis que podem pagar por uma arma de fogo a responsabilidade pela própria proteção. Não houve ainda nada que pudéssemos chamar de uma política econômica consistente com Paulo Guedes, mas, por sua fidelidade canina – o que o presidente considera prioritário acima de qualquer competência –, o ministro da Economia tem grandes chances de prosseguir no cargo.

Com a troca de dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) por mais dois terrivelmente bolsonaristas, virá também o desejo de, com a ajuda de um Senado renovado em seu favor, caso isso de fato ocorra, promover o impeachment de ministros da Corte. Os principais alvos são os mesmos de agora: pela sequência, Alexandre de Moraes, Luis Roberto Barroso e Edson Fachin.

Que ninguém espere (ainda há quem espera?) de Bolsonaro algo além de jogar para a própria plateia, enquanto tenta encaixar suas pautas bem particulares, ligadas a cristãos fundamentalistas, militantes armamentistas e a face atrasada do agronegócio e da mineração. É só o que tem feito desde que entrou no governo e não parece ter nada a oferecer a mais do que misturar a isso as palavras “patriota”, “Deus”, “família” e “liberdade”. Bastaria este parágrafo para resumir o que serão as temáticas a discutir no Congresso, que continuará dominando o orçamento via Centrão.

Para um segundo mandato de Bolsonaro, prevê-se a intensificação do culto à pessoa que ele promove para preencher o vazio de suas ações. Nomes qualificados vão ser preteridos por posições pessoais e confessionais que nada ou pouco teria a ver com seu desempenho na função pública, como ocorreu com vários nomes vetados antes de assumir ou mesmo nos primeiros momentos de trabalho.