Bolsonaro vê rejeição ao governo aumentar e trabalha mal migração da base com auxílio emergencial
31 maio 2020 às 00h06

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Falas agressivas do presidente se intensificaram e transparecem desespero de quem tem atuado para incentivar violência da militância sem analisar dados

Quanto mais o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) transparece o desespero com os avanços dos inquéritos instaurados no Supremo Tribunal Federal por suspeita de interferência na Polícia Federal e rede de financiamento privado para fabricação e disparo de ataques com mentiras contra ministros do STF, mais o chefe do Executivo nacional se mostra acuado e sem saber o que fazer.
Se Bolsonaro fosse um pouco mais atento e ligado à realidade, teria trabalhado de forma certeira e com base no conhecimento científico para combater o avanço da pandemia da Covid-19 no Brasil. Mas como o presidente amplia sua guerra contra o cientificismo com base em mentiras e disputas políticas com governadores e prefeitos preocupado apenas com sua tentativa de reeleição em 2022, mais de 28 mil brasileiros pagaram com a vida pela irresponsabilidade do governo federal.
A segunda opção do presidente para criar uma nova base de apoio, além dos 33% cristalizados desde o início da gestão como apoiadores fiéis, e enfrentar politicamente o aumento dos que rejeitam sua administração altamente questionável seria utilizar grande parte das dezenas de milhões de desempregados, informais e microempreendedores individuais com um cronograma sério de cadastro e liberação do auxílio emergencial.
43% dos brasileiros
O recurso foi aprovado com agilidade pelo Congresso Nacional, mas não recebeu a devida atenção pela equipe de Bolsonaro e pelo próprio presidente. De acordo com os dados da última pesquisa realizada por telefone pelo instituto Datafolha, 43% dos brasileiros solicitaram o auxílio emergencial.
Mas 16% ainda não receberam a primeira parcela do benefício de renda mínima para socorrer aqueles que passam dificuldade financeira ou estão sem dinheiro para comprar o que comer durante a pandemia.
No populismo bolsonarista, que não precisa de flertar com o neonazismo em cenas lamentáveis como a dos copos de leite na live presidencial de quinta-feira, 28, considerar que 43% da população brasileira fez cadastro no auxílio emergencial e 60% daqueles que têm renda familiar de até dois salários mínimos (R$ 2.090) estão entre os que solicitaram os R$ 600 mensais da renda mínima.
Pelos dados da Datafolha, dos 43% de brasileiros que fizeram o cadastro no aplicativo Auxílio Emergencial | Caixa, pelo telefone 111 ou no site http://auxilio.caixa.gov.br, 26% receberam ao menos uma das duas parcelas do benefício. Os outros 16% até hoje não viram o dinheiro na conta fácil aberta pelo aplicativo Caixa Tem ou nos bancos em que são correntistas.
Situação melhor
Se tivesse agilizado o pagamento desde o início da pandemia, no meio de março, o governo Bolsonaro poderia ter estar acima dos 40% de base de apoio sem dificuldade. Mas o plano Paulo Guedes [ministro da Economia] de desastre econômico familiar empurrou uma massa de quase 50 milhões de informais, chamados pela Caixa de invisíveis – fora dos dados governamentais -, para as filas quilométricas durante semanas.
Nos 16% que não receberam o auxílio emergencial depois de fazer o cadastro estão 21% dos que sobrevivem com renda familiar até dois salários mínimos que também não sabem se terão direito ao benefício, que tem caráter de urgência. Enquanto o populismo bolsonarista incentiva a violências dos apoiadores fiéis contra a imprensa, o STF, o Congresso e as instituições que fazem críticas ao governo, o plano de Bolsonaro não se concretiza por completo.
Das bravatas familiares – que flertam com o golpe não com apoio das Forças Armadas, mas na formação de uma milícia bolsonarista -, os Bolsonaro jogam o Brasil rumo à liderança de casos e mortes por Covid-19, não socorrem a economia, travam as linhas de crédito e dificultam o acesso das empresas aos empréstimos emergenciais. Sem contar as dezenas de milhares de brasileiros que não sabem como vão comprar comida.
Falta seriedade

Como este não é um governo sério, pautado pela responsabilidade com sua população, mesmo no ápice dos discursos populistas de eleger inimigos e manter a base de apoio mobilizada, Bolsonaro se vê cada vez mais pressionado pelo Judiciário brasileiro, que tem a legalidade da democracia e atua para conter qualquer ilegalidade que possa ser cometida pelo presidente e seus apoiadores.
Infelizmente para Bolsonaro, todas as chances dadas pela pandemia para o presidente ocupar o cargo para o qual foi eleito e liderar o combate ao novo coronavírus na saúde, na economia e na união do País por uma única causa, o chefe do Executivo preferiu usar o poder de atração de holofotes e mídia que tem, pela cadeira que ocupa, para defender o extermínio de “uns 30 mil”.
Política do extermínio
Ao menos esse plano Bolsonaro parece estar muito perto de alcançar, mesmo que 21 anos depois daquela entrevista concedida ao programa Câmera Aberta, da TV Band Rio, no dia 23 de maio de 1999. “Eu sou favorável à tortura, tu sabe disso. E o povo é favorável a isso também.”
Enquanto vê os que avaliam o governo como regular caírem de 33% registrados em abril de 2019 para 22% no final do mês passado, o presidente cada vez mais escancara que nunca deixou de ser aquele deputado federal do baixo clero que desejava ter visto o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) morto como uma das vítimas da ditadura militar (1964-1985).
Naquela entrevista de 1999, Bolsonaro é perguntado se fecharia o Congresso Nacional se fosse o presidente da República. “Não há a menor dúvida. Daria golpe no mesmo dia. Não funciona. E tenho certeza que pelo menos 90% da população ia fazer festa e bater palma. Que não funciona! Congresso hoje em dia não serve para nada. O Congresso hoje em dia não serve para nada. Só vota o que o presidente quer. Se ele é a pessoa que manda, que tripudia em cima do Congresso, que dê logo um golpe, porra. Parte logo para a ditadura”.
Discurso conhecido
Intrigado, o apresentador Jair Marchesini pergunta: “Deputado, o sr. disse que fecharia o Congresso Nacional, que o Congresso Nacional não serve absolutamente para nada. Vou fazer uma pergunta que certamente a população deve estar se fazendo e querendo fazer ao sr.: Por que o sr. está no Congresso Nacional?”
Bolsonaro respondeu naquele 23 de maio de 1999 que estava no Congresso “para não chegar um mau-caráter no meu lugar”. O então deputado federal, que foi eleito presidente com quase 57,8 milhões de votos no segundo turno de 2018, já se mostrava contra o sistema eleitoral naquela entrevista.
“Através do voto você não vai mudar nada nesse País. Absolutamente nada. Só vai mudar, infelizmente, no dia em que nós partirmos para uma guerra civil. E fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil. Começando com o FHC. Não deixar ele pra fora não. Matando. Se vão morrer alguns inocentes, tudo bem. Em tudo quanto é guerra morrem inocentes. Até fico feliz se eu morrer, mas desde que vá 30 mil outros juntos comigo.”