Em reportagem publicada pelo Jornal Opção no final de maio deste ano, um cientista político ouvido pela reportagem esmiuçou um fenômeno que, para muitos, pode parecer óbvio, mas que poucos conseguem mensurar com precisão os efeitos dele. Conforme o especialista, tanto Lula quanto Bolsonaro têm a capacidade de transferir votos nas eleições municipais deste ano, muito mais em função da polarização ideológica evocada pelos dois. Pode-se considerar a situação como o vestígio duradouro de um acirramento político que rachou o Brasil ao meio. “Trata-se de uma polarização em muitos aspectos ideológica, que vem desde duas ou três eleições atrás”, explicou o cientista.

Pegue-se o caso específico de Jair Bolsonaro. Que ele exerce grande influência e até fascínio no voto do eleitorado ligado à direita, isso é inegável. Ainda mais em lugares tidos como “redutos conservadores” como Goiás, apesar da divergência de alguns (o cientista político Pedro Célio, por exemplo, se refere ao rótulo como “absurdo”. “Se você observar bem, nas duas últimas décadas, Goiânia elegeu candidatos de esquerda e até reelegeu nomes ligados à sigla de esquerda. Goiânia sempre foi um eleitorado em que o Iris Rezende Machado teve grande votação, e as grandes votações dele não se devem ao fato de ser um homem conservador”, argumenta ele, na reportagem citada no início).

No entanto, enquanto há o senso comum de que o fato de um presidente, ou ex-presidente, estar no palanque de um candidato à prefeitura pode ser decisivo para sua eleição, a realidade, ao fim, se apresenta de forma totalmente distinta, e mostra que a principal influência vem de outro parte.

No início deste mês de junho, o instituto Opção Pesquisas perguntou a 600 eleitores quanto à importância do apoio de determinados líderes políticos a candidatos nas eleições municipais deste ano. Enquanto o apoio do presidente Lula da Silva (PT) a um candidato foi tido como desejável por 29,7% dos entrevistados, um nome apoiado por Jair Bolsonaro teria o suporte de 47,5%. Contudo, quando o nome do governador Ronaldo Caiado foi trazido à tona no levantamento, 71% dos entrevistados disseram que gostariam que o atual governador apoiasse seu candidato a prefeito da Capital. Outros 18,8% afirmaram que não gostariam do apoio caiadista, e 10,2% disseram que o apoio era indiferente.

Os números evidenciam uma máxima já conhecida dos políticos experientes: eleição nacional não impacta na municipal. E se tem influência, ela é pouca, não a ponto de mudar os rumos de um pleito. A sensação que pode ter havido após o furor das eleições de 2018, quando Bolsonaro venceu, e de 2022, quando Lula foi o vitorioso, é que a máxima mencionada pode ter caído. Ledo engano.

Fala-se aqui de uma diferença de quase 30% entre aqueles que priorizam o apoio de um nome do cenário nacional e aqueles que se apegam ao apoio regional, no caso, o de Ronaldo Caiado. Os últimos eventos eleitorais em Goiânia e Região fazem coro a essa tese. A exemplo: conforme assessoria do pré-candidato do PL anunciado na vinda de Bolsonaro a Goiânia no último dia 19 de junho, Fred Rodrigues, a estimativa é que cerca de 2,8 mil pessoas tenham comparecido ao ato. Acontece que, nos bastidores, a expectativa era de quase o dobro disso, a se levar em conta o fato de ser um evento com Jair Bolsonaro em uma das capitais que mais deram votos a ele no último pleito presidencial.

O único município que parece ter ficado dentro da margem do esperado das lideranças bolsonaristas durante a vinda do ex-presidente foi Anápolis – essa sim, tida quase em consenso como reduto conservador e bolsonarista. Uma praça lotada marcou o lançamento da pré-candidatura de Márcio Corrêa à Prefeitura de Goiânia – a estimativa, conforme apurado pelo Jornal Opção, foi de cerca de 5 mil pessoas presentes. Aqui, destacam-se os dados: estamos falando de uma cidade de 400 mil pessoas que reuniu mais de 5 mil em evento bolsonarista, em comparação com uma capital de quase 1,5 milhão de pessoas, cujo evento com o ex-presidente Bolsonaro contou com quase a metade do estimado na cidade interiorana.

A questão é que ambos os eventos mencionados tiveram caráter eleitoral municipal, o que leva a crer que, fosse Caiado, e não Bolsonaro, em cima do carro de som com Fred Rodrigues e Gustavo Gayer, a quantidade contada em Anápolis teria sido superada.

Seja pela situação de inelegibilidade de Bolsonaro, seja pelo esfriamento de parte da militância bolsonarista na capital, ou seja pela comprovação da tese de não interferência do cenário político-eleitoral no municipal, o cenário que se apresenta é de um Caiado circulando com as próprias pernas dentro da direita, sendo o detentor de uma influência de maior peso nesse campo em relação ao ex-presidente. Que os dois têm um bom alinhamento atualmente, isso é indiscutível. Mas se o governador depende disso para caminhar, aí já são outros quinhentos.