Foram quase 16 anos como governador do Estado de Goiás. Algumas ações se tornam indeléveis, e estão marcadas para durar ainda por décadas

Governador de Goiás, Marconi Perillo: ações que ganharam visibilidade nacional | Foto: Divulgação
O então jovem deputado federal Marconi Perillo tinha uma reeleição considerada na época como absolutamente tranquila. Sua carreira pública até então se resumia à participação no governo de seu inspirador político, Henrique Santillo, presidente do PMDB Jovem, deputado estadual – o único santillista eleito em 1990 para a Assembleia Legislativa em razão do cerco eleitoral promovido por Iris Rezende após rompimento com Henrique — e deputado federal. Um início promissor, sem dúvida, mas apenas um começo. O que veio a seguir foi uma subida vertiginosa e formidavelmente vitoriosa.
Na eleição de 1998, a oposição, que se resumia a um exército absurdamente pequeno em militância, apesar de razoavelmente representado em matéria de lideranças, era composta por quatro partidos: PSDB, PP, DEM e PTB — que era comandado pelo então deputado federal Pedrinho Abrão. Iris Rezende, que deixou o Ministério da Justiça, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, atropelou a candidatura à reeleição do governador Maguito Vilela, que nadava numa popularidade recorde. Seu favoritismo era tão grande que os opositores falavam muito, promoviam enorme barulho, mas não aparecia um único nome disposto a arriscar-se na disputa eleitoral contra o líder peemedebista. Ou melhor, tinha, sim, alguém na oposição com topete suficiente para abandonar um projeto seguro e partir para aquela que seria a mais extraordinária aventura eleitoral bem sucedida da história de Goiás. A ousadia de enfrentar Iris Rezende, que surgia nas pesquisas seis meses antes da eleição com cerca de 70% das intenções de voto, era tão grande e arriscada que pessoas mais próximas de Marconi o aconselhavam a não entrar na barcaça furada da oposição goiana. Nos bastidores, inventou-se então uma desculpa para acalmar os poucos “marconistas” da época, de que em caso de derrota, como se esperava realmente, o ministro Sérgio Motta (já falecido), que funcionava como um primeiro-ministro, lhe garantiria um ministério no segundo mandato de FHC. Não tinha ministério algum. O que certamente haveria no máximo seria uma vaga entre os auxiliares do próprio ministro Sérgio Motta, com quem Marconi desenvolveu uma excelente relação durante seu mandato de deputado em Brasília.
Marconi na época era tão desconhecido, o que lhe conferia igualmente uma inegável insignificância eleitoral com abrangência estadual — ele tinha, sim, votos suficientes para se eleger, mas em determinados colégios eleitorais, como Goiânia, Palmeiras e Pirenópolis — que um hábito pessoal dele, de usar camisa na cor azul, se tornou uma espécie de carteira de identidade nos comícios e carreatas. Era ele, o “moço da camisa azul”, o candidato a governador pelas oposições.
O final daquela aventura foi o início de uma fase de grandes mudanças no Estado de Goiás.
O primeiro ano de Marconi no Palácio das Esmeraldas foi marcado pela descrença da oposição peemedebista. As principais lideranças do partido julgavam que a juventude do governador contava pontos negativos dentro de sua inexperiência tanto no campo político como, e principalmente, no comando da administração da gigantesca máquina governamental.
Em 2002, Marconi não apenas foi reeleito. Ele ganhou, mais uma vez de virada, já no primeiro turno. O eleitor o reelegeu não porque rejeitava o candidato do PMDB, então senador Maguito Vilela, que ainda contava com bastante recall de sua popularidade como governador entre 1994 e 1998. Marconi venceu deixando como marca daquele mandato algo que hoje seria absolutamente inaceitável: a valorização e reconhecimento dos servidores públicos, o que resultou em melhor atendimento na ponta final, a população recebedora dos serviços. Pela primeira vez introduziu-se em um Estado brasileiro o pagamento rigorosamente em dia dos salários dos servidores. Ao mesmo tempo, foi iniciado um programa de recuperação salarial inédito. Para se ter uma melhor ideia como era essa situação, o soldo dos policiais militares era inferior ao salário mínimo vigente, e precisava ser suplementado mensalmente para cumprir o requisito mínimo legal. Eram tempos em que salários de servidores chegavam a ser chamados de “carne podre” que nem sal merecia.
Mais experiente, e com sensível aumento na arrecadação estadual, via programa aperfeiçoado de incentivos fiscais — anterior, Fomentar, introduzido no primeiro governo de Iris Rezende, tornou-se praticamente obsoleto com o fim da inflação provocado pelo Plano Real, o governador Marconi Perillo introduziu mudanças estruturais que alteraram outro setor que ainda hoje é tema central nas discussões ambientais: o esgotamento sanitário. Goiânia, a cidade mais bem servida com rede de esgoto no Estado, era uma cidade profundamente dependente de fossas sanitárias. Foi nessa época que um antigo projeto, ainda do governo de Henrique Santillo, foi retirado da gaveta e iniciado: a estação de tratamento de esgoto de Goiânia. Nos anos seguintes, várias outras cidades receberam o benefício. O segundo mandato também foi marcado pela introdução de um projeto que certamente ainda será tema de discussões nas próximas décadas até a sua total implementação: a criação da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Hoje, a UEG é provavelmente uma das universidade públicas com maior presença em número de cidades atendidas. Essa rede espalhada custou um preço: a consolidação e amadurecimento mais lento, embora tenha levado o benefício a municípios que nunca imaginaram ter uma escola de ensino superior. Também é do segundo mandato a construção do Centro de Cultura, que igualmente caminha para sua consolidação.
O terceiro mandato, conquistado nas urnas em 2010, foi praticamente um recomeço. Muitos dos projetos que estavam em andamento foram abandonados e outros priorizados. Os salários dos servidores públicos, por exemplo, retornaram aos dias incertos. Nas até então bem cuidadas rodovias estaduais, o que se via era a deterioração praticamente total. Por isso, um recomeço: tudo o que já tinha sido feito desde 1999 teve que ser refeito. Das estradas às escolas, dos quartéis militares e delegacias da Polícia Civil aos grandes hospitais públicos.
Foi quando se buscou uma alternativa mais dinâmica de administração hospitalar com a adoção das Organizações Sociais. No início, e ainda hoje, o sistema é tremendamente criticado por opositores, mas quem recebe tratamento nesses hospitais, ou visita parentes hospitalizados, se impressiona. Em Brasília, comentaristas da Rede Globo local admitiram que os grandes hospitais estaduais de Goiás estão em nível bastante superior aos demais existentes no Distrito Federal e em outros Estados.
O quatro mandato de Marconi Perillo como governador de Goiás chega ao fim, antecipado pela desincompatibilização, com algumas características que se tornaram regra comum em todos os períodos administrativos, como a forte vocação do desenvolvimento industrial e fortalecimento comercial. A abertura de novos mercados internacionais provocou uma mudança no perfil da economia de modo a colocar o Estado de Goiás no mapa dos maiores exportadores do país. A contínua e permanente agressividade na atração de novos empreendimentos provocou até reações em Estados como São Paulo, o mais poderoso do Brasil, que de certa forma se sentiu incomodado com a ação dos goianos.
Quem quer que seja o próximo governador do Estado terá que trabalhar intensamente para não decepcionar a população, como aconteceu no período de 2007 a 2010. O que se encerra na semana que vem é o quarto mandato de Marconi Perillo. O que não acaba é o desejo dos goianos de que o Estado seja cada vez melhor para se viver. Se os problemas antigos foram vencidos, pelo menos a maioria deles, há novos desafios para se vencer. A vida administrativa é sempre assim.
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