Arquitetura pode reduzir o impacto das mudanças climáticas, revela estudo
28 setembro 2025 às 09h13

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Luiz Felipe Fernandes/SciDev.Net
Paredes com cores claras, telhado com isolamento térmico, janelas de tamanho médio e uma orientação solar adequada – medidas simples, mas que podem ser as mais eficazes para mitigar os efeitos das mudanças climáticas nos países do Sul Global. A conclusão é de um estudo que estará na edição de novembro da revista científica Energy and Buildings.
Por meio de simulações computacionais utilizando dados climáticos atuais e projeções futuras, os pesquisadores avaliaram a viabilidade de projetos de edificações resilientes ao clima em cinco cidades da América Latina: Rio de Janeiro e São Paulo (Brasil), Santiago (Chile), Bogotá (Colômbia) e Lima (Peru).
Diversos sistemas de construção foram testados e analisados em relação ao desempenho térmico-energético (energia necessária para manter as condições de conforto térmico), custos e emissões de carbono.
“Os resultados indicam que sistemas construtivos amplamente utilizados, como alvenaria tradicional, telhas de fibrocimento ou argila, associados a placas de EPS [poliestireno expandido, usado no isolamento térmico] para coberturas e vidros simples, representam as configurações ideais para edificações resilientes ao clima nos países analisados”, explicou o engenheiro Alexandre Santana Cruz, doutor em Arquitetura e primeiro autor do artigo.
É o que os especialistas chamam de projeto arquitetônico passivo, que aproveita as condições naturais para manter os espaços confortáveis. Por serem mais econômicas e sustentáveis, essas estratégias são consideradas mais adequadas para o Sul Global.
De acordo com o artigo, é nos países dessa região do mundo que está a vasta maioria das mais de um bilhão de pessoas que vivem em moradias inadequadas. Além do déficit habitacional, o Sul Global é marcado por grandes aglomerados informais, como cortiços e favelas.
“Embora tecnologias construtivas mais avançadas disponíveis no mercado possam oferecer ganhos adicionais em adaptação e mitigação frente aos futuros cenários climáticos urbanos, sua aplicação ainda encontra limitações relacionadas a custos elevados e emissões de carbono incorporadas”, complementa Santana Cruz.
A arquiteta Karen Carrer Ruman de Bortoli, professora do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e que não fez parte do estudo, concorda que estratégias passivas de baixo custo e baixa complexidade tecnológica têm grande impacto na redução do desconforto térmico em locais de clima quente, dispensando o uso intenso de climatização artificial.
Dentre as estratégias, ela acrescenta a orientação adequada para insolação e ventos, paredes mais resistentes à passagem do calor, coberturas ventiladas, uso funcional do paisagismo e sombreamento de fachadas.
“Em países latino-americanos, onde os programas de habitação social enfrentam desafios semelhantes, medidas desse tipo – adaptadas às condições climáticas locais – têm potencial para reduzir custos de operação, diminuir impactos sobre a saúde e evitar reformas improvisadas que acabam comprometendo ainda mais a resiliência habitacional”, disse a pesquisadora.
Desafios
Mas a adoção desses sistemas ainda esbarra em um desafio estrutural. “Projetos arquitetônicos de qualidade ainda são frequentemente percebidos como subjetivos ou associados a custos elevados, o que dificulta sua adoção em comunidades vulneráveis”, afirma Santana Cruz.
Ele considera que, embora políticas públicas possam estimular o uso de sistemas construtivos mais eficientes e acessíveis, a questão central permanece na qualidade e adaptação do projeto.
“Atualmente, governos e instituições públicas costumam responder ao déficit habitacional por meio de protótipos padronizados de habitação social, que ignoram as especificidades climáticas e urbanas de cada local”, pontua.
Foi o que observou o grupo de pesquisa MORA, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), do qual Bortoli faz parte. Em seus estudos sobre habitações de interesse social de um programa habitacional do governo brasileiro em uma cidade de clima misto e seco, concluiu-se que a ausência ou a aplicação incorreta de estratégias arquitetônicas passivas aumenta a vulnerabilidade das famílias, sobretudo durante ondas de calor.
“Esse problema é ainda agravado pelas reformas posteriores, geralmente informais e custosas, realizadas pelos próprios moradores na tentativa de corrigir limitações do projeto original”, acrescenta Bertoli.
Soluções
Os pesquisadores apontam algumas soluções. Uma delas seria o desenvolvimento de uma ferramenta digital gratuita, capaz de gerar projetos arquitetônicos customizados conforme o clima e as condições urbanas locais.
No caso das habitações sociais, a comunicação também pode desempenhar um papel importante. Para Bortoli, a entrega da moradia precisa ser acompanhada de informação acessível e prática para os moradores.
“Orientações simples, como a importância do sombreamento, da ventilação cruzada, da manutenção das coberturas e até da escolha das cores, podem melhorar significativamente o conforto térmico e a resiliência de maneira geral nas moradias sem exigir grandes investimentos”, detalha.
O próprio grupo de pesquisa do qual Bertoli faz parte disponibiliza material de apoio, com fichas de orientação para reformas e informações on-line para arquitetos, prestadores de serviços e moradores.
A arquiteta cita ainda a necessidade de capacitar a mão de obra envolvida em construções e reformas, como pedreiros, técnicos e mestres de obra, além de promover oficinas comunitárias que disseminem boas práticas de adaptação das moradias.
