Zooplâncton: guardiões invisíveis da vida aquática do Rio Araguaia

09 agosto 2025 às 21h00

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Ludgero Cardoso Galli Vieira, Layon Júnior Silva Santos, Lígia Pereira Borges de Mesquita, Danielle Goeldner Pereira, Natalia da Silva Pereira, Priscilla de Carvalho, João Carlos Nabout
Especial para o Jornal Opção
A palavra “plâncton” vem do grego e significa “drifter” ou “aquele que vaga”, referindo-se à dificuldade destes seres vivos em nadar contra as correntes de água. O zooplâncton representa, especificamente, os organismos animais e protozoários presentes nesse universo. Portanto, eles não produzem seu próprio alimento como as plantas; em vez disso, alimentam-se de outros organismos ou de matéria orgânica, podendo ser definidos como organismos aquáticos heterotróficos que vivem suspensos na coluna d’água, tendo sua distribuição horizontal amplamente determinada pelas correntes, em vez de sua própria capacidade de natação. Essa comunidade compreende organismos de tamanhos variando de poucos micrômetros até alguns milímetros e é representada, principalmente, por quatro grandes grupos: Copépodes, Cladóceros, Rotíferos e Protozoários testáceos (ou tecamebas).
Os Copépodes são microcrustáceos, com cerca de 0,5 a 2 milímetros, e possuem cerca de 11.500 espécies conhecidas. Apesar do pequeno tamanho, alguns são visíveis a olho nu como pequenos pontos ou “pulsos” na água, especialmente se estiverem em grande quantidade. Os copépodes se reproduzem sexualmente, e as fêmeas geralmente carregam os ovos em um ou dois sacos externos. Os ovos eclodem em uma larva livre-natante chamada náuplio, que passa por várias etapas de desenvolvimento antes de se tornar um copépode adulto.
Os cladóceros também são microcrustáceos, variando em tamanho de aproximadamente 0,2 a 5 milímetros e apresentam cerca de 450 a 600 espécies. Eles são popularmente conhecidos como “pulgas d’água” devido ao seu tamanho diminuto e ao seu característico movimento de natação, que parece um “salto” ou “pulo” na coluna de água. Seu corpo é coberto por uma carapaça transparente que se parece com uma concha de molusco bivalve. Algumas espécies são amplamente utilizadas em laboratórios como organismos modelos para estudos de ecotoxicologia e biologia experimental, pois suas sensibilidades a poluentes e seus rápidos ciclos de vida as tornam ideais para testar os efeitos de diversas substâncias químicas na água. Os cladóceros ajudam a controlar o crescimento excessivo de algas (florescimentos), contribuindo para a manutenção da transparência da água e prevenindo a depleção de oxigênio que pode matar outras formas de vida aquática.
Os rotíferos são invertebrados aquáticos com tamanhos entre 0,05 e 2 milímetros e apresentam cerca de 2.000 espécies. São um componente crucial do zooplâncton em praticamente todos os ambientes de água doce, desde rios caudalosos e vastos lagos até pequenas poças temporárias e musgos úmidos. Devido à sua sensibilidade às condições ambientais e à sua rápida capacidade reprodutiva, os rotíferos são excelentes bioindicadores da qualidade da água. Além disso, em ambientes naturais, os rotíferos também são uma fonte de alimento crucial para larvas de peixes. Eles formam um elo vital na cadeia alimentar, transformando a energia das microalgas e bactérias em biomassa disponível para os estágios juvenis dos peixes, garantindo sua sobrevivência e crescimento.
Os protozoários testáceos, mais comumente conhecidos como tecamebas (do grego theke, concha + amoeba, ameba), são um grupo fascinante e diverso de microrganismos unicelulares que vivem em ambientes aquáticos e úmidos. Eles produzem e habitam uma concha protetora, rígida e externa, chamada testa ou carapaça. Esta testa pode ter várias formas, tamanhos e composições, o que os tornam muito diversos e, muitas vezes, belos sob o microscópio. Eles se movem e se alimentam através de pseudópodes (do grego “pés falsos”), que são extensões temporárias do citoplasma, que emergem de uma abertura na testa (chamada pseudostoma). Os pseudópodes são usados para rastejar sobre superfícies e para englobar partículas de alimento (bactérias, algas unicelulares, detritos orgânicos) por fagocitose. A produção de pequenas bolhas de gás pode auxiliar na flutuabilidade das tecamebas na coluna de água. Alimentando-se de bactérias e detritos orgânicos, elas contribuem para a decomposição da matéria orgânica e ciclagem de nutrientes nos ecossistemas aquáticos.
Como coletamos o zooplâncton no Rio Araguaia
Coletar os organismos zooplanctônicos não é uma tarefa relativamente difícil. No rio Araguaia, a seguinte metodologia foi estabelecida nos nossos projetos do Araguaia Vivo (@araguaiavivo) e PPBio Araguaia (@ppbio.araguaia): em cada um dos 150 lagos que estudamos, filtramos 500 litros de água em uma rede de plâncton, que tem o formato de um coador, e todos os organismos maiores do que 68 micrômetros de tamanho (que é o tamanho da malha desta rede), ficam retidos nela. No fundo da rede de plâncton tem um tubo de PVC (um cano de água) que comporta um volume de 250 ml e que armazena todos esses organismos que foram filtrados nos 500 litros de água. Por fim, essa água e organismos armazenados nesse tubo são transferidos para um frasco de polietileno com um pouco de formol para preservação e são levados para os laboratórios nas universidades. Em um único dia é possível obter até dez amostras de zooplâncton, sendo uma amostra em cada lago do rio Araguaia. Por outro lado, o grande trabalho inicia nos laboratórios, assim que chegamos das Expedições, para a identificação das espécies zooplanctônicas. Para cada amostra coletada (um lago = uma amostra), geralmente são necessários dois dias integrais de trabalho em microscópios! Portanto, os 150 lagos coletados resultam em 150 amostras de zooplâncton, que resultam em cerca de 300 dias trabalhados em microscópios nos laboratórios das universidades.
Qual a Importância do Zooplâncton para os Sistemas Aquáticos?
Esse conjunto de organismos possui diversas funções, com enorme importância ecológica, econômica e funcional para os corpos hídricos, principalmente para ambientes com menores correntezas, tais como lagoas, lagos e reservatórios de água. Vamos detalhar um pouquinho essas características:
- Servem como uma “ponte energética”: o zooplâncton é o principal intermediário na transferência de energia (e também matéria, claro!) do nível trófico mais baixo, ou seja, dos produtores primários (que são as algas unicelulares ou fitoplâncton) para os níveis tróficos superiores, convertendo a energia do sol, capturada pelo fitoplâncton, em biomassa animal;
- São alimento para peixes: em rios e lagos, o zooplâncton é a fonte alimentar primordial para a maioria das larvas e juvenis de peixes. O suprimento inadequado de zooplâncton nessas fases críticas de vida dos peixes afeta drasticamente as populações de peixes adultos. Além disso, para muitas espécies de peixes planctívoros (que se alimentam de plâncton), o zooplâncton continua sendo a dieta principal mesmo na fase adulta. Em resumo: sem o zooplâncton, adeus boas pescarias!
- Contribuem para a regulação da qualidade de água: o zooplâncton, principalmente os grandes cladóceros, ajudam a controlar a biomassa fitoplanctônica. Os afloramentos descontrolados de algas (também denominados “blooms”) podem levar à depleção de oxigênio (hipóxia ou anóxia) quando as algas morrem e são decompostas, causando a morte de peixes e outros organismos aquáticos. Vamos resumir também: que turista quer nadar em uma água fétida?
- São bons bioindicadores e utilizados no monitoramento ambiental: a comunidade zooplanctônica é sensível a mudanças nas condições ambientais de rios e lagos. Alterações na temperatura, pH, disponibilidade de oxigênio, níveis de poluição (por exemplo, pesticidas, metais pesados, efluentes), velocidade de corrente de água e presença de espécies invasoras podem levar a mudanças rápidas na composição, abundância, tamanho e diversidade das espécies de zooplâncton. Assim, acompanhar as mudanças ocorridas nessa comunidade ao longo do tempo e ao longo do espaço pode servir como um sistema de alerta precoce para problemas ambientais, permitindo que gestores tomem medidas preventivas antes que os impactos atinjam níveis mais severos e com prognósticos muito mais custosos. Estamos também falando de economia!
No geral, e não menos importante, esse grupo carismático é excelente como uma ferramenta ideal para muitos estudos ecológicos. Eles são utilizados como modelos para entender princípios ecológicos, como competição, predação, resposta a estresses ambientais, impactos ambientais, dinâmica populacional, teoria de metacomunidades, entre tantas outras. Tudo isso nos ajuda a entender os sistemas aquáticos e, mais importante, a auxiliar na conservação dos recursos naturais. Vamos fazer a ciência grande outra vez.
Confira quem são os autores do artigo
Ludgero Cardoso Galli Vieira – Professor da Universidade de Brasília (FUP/UnB) e Vice-Coordenador do programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e do “PPBio Araguaia”.
Layon Júnior Silva Santos – Graduando em gestão ambiental pela Universidade de Brasília e bolsista de iniciação científica do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA.
Lígia Pereira Borges de Mesquita – Doutoranda em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás e pesquisadora voluntária do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e do “PPBio Araguaia”.
Danielle Goeldner Pereira – Bolsista do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA.
Natalia da Silva Pereira – Mestranda em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás e pesquisadora voluntária do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e do “PPBio Araguaia”.
Priscilla de Carvalho – Professora na Universidade Federal de Goiás, vice-coordenadora da Atividade de biodiversidade aquática no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA, pesquisadora no “PPBio Araguaia”.
João Carlos Nabout – Professor na Universidade Estadual de Goiás, coordenador da Atividade de biodiversidade aquática no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA, pesquisador do “PPBio Araguaia”.