Edemundo Dias analisa a prescrição do processo contra Marcola, líder do PCC
15 dezembro 2025 às 17h07

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“A prescrição desse processo é um retrato da impunidade no Brasil e da incapacidade do sistema de Justiça de enfrentar facções criminosas com a urgência que o caso exige”, afirma o especialista em segurança pública e políticas públicas pela UFG e mestre em Direito Público pela Universidad de Extremadura, na Espanha, Edemundo Dias, ao analisar a prescrição de uma das maiores ações penais já movidas contra o Primeiro Comando da Capital (PCC), que resultou na absolvição de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e de outros 159 réus acusados de associação criminosa.
A decisão da Justiça de São Paulo encerrou, sem condenações, um processo que tramitava há cerca de 12 anos e envolvia aproximadamente 175 denunciados. Considerada uma das mais amplas investigações já realizadas sobre o PCC, a ação perdeu validade jurídica antes da conclusão, reacendendo o debate sobre falhas estruturais do Judiciário e a necessidade de uma legislação específica para o combate a facções criminosas.

Edemundo Dias — especialista em segurança pública e políticas públicas pela UFG e mestre em Direito Público pela Universidad de Extremadura, nas Espanha — classifica o episódio como emblemático. Segundo ele, a prescrição foi resultado direto da combinação entre uma estratégia deliberada da defesa e a morosidade do Judiciário.
A Justiça paulista entendeu que o prazo máximo previsto em lei para a punição dos acusados se esgotou, o que impede qualquer condenação. Com isso, Marcola e outros integrantes da facção foram absolvidos, encerrando a ação iniciada em 2013 pelo Ministério Público, que investigava a atuação do PCC entre 2009 e 2013. À época, a denúncia reuniu escutas telefônicas, documentos e relatórios detalhando a estrutura e o funcionamento interno da organização criminosa. Quinze acusados foram excluídos ainda no início do processo, enquanto os demais permaneceram como réus até a decisão final.
A defesa de Marcola sustentou que a prescrição é um instrumento legal destinado a impedir que o Estado mantenha acusações indefinidamente, afirmando que a decisão não representa privilégio, mas o respeito às garantias constitucionais e aos prazos previstos no ordenamento jurídico.
Estratégia da defesa e morosidade judicial
Para Edemundo Dias, a atuação dos advogados foi decisiva para o desfecho. “A estratégia foi recorrer sucessivamente, com recursos protelatórios, apenas para ganhar tempo e caminhar para a prescrição”, afirma. Ele ressalta que o PCC opera como uma organização altamente estruturada, comparável a uma “empresa multinacional”, com acesso a escritórios de advocacia bem aparelhados e profissionais com elevado conhecimento técnico.
O delegado, porém, aponta falhas graves do Judiciário. “A Justiça dormiu no ponto. Um processo dessa magnitude não poderia se arrastar por tanto tempo sem julgamento definitivo”, critica. Segundo ele, caberia ao magistrado identificar a manobra e acelerar a tramitação. “Faltou zelo, cuidado e interesse em concluir o processo antes da prescrição”, acrescenta.
Investigação sem efeito penal
A investigação conduzida pelo Gaeco, considerada a maior já feita contra o PCC, mobilizou recursos expressivos do Estado e envolveu mais de 160 réus. Ainda assim, terminou sem qualquer consequência penal. “Todo o esforço de mais de uma década acabou em pizza”, lamenta Dias.
Com a prescrição da pretensão punitiva, os réus não podem mais ser julgados pelos mesmos fatos. A legislação brasileira veda a reabertura do caso, o que torna definitiva a decisão judicial.
Garantias individuais e benefício às facções
O delegado reconhece que a prescrição é um instrumento essencial para a segurança jurídica. “Nenhum cidadão pode ficar respondendo a um processo por 12 anos. Do ponto de vista técnico, a decisão é correta”, admite. No entanto, destaca o paradoxo: “Na prática, ela acaba beneficiando uma facção criminosa poderosa e perigosa, o que revela um descuido inaceitável do sistema de Justiça”.
Debate sobre legislação específica
Para Dias, o caso reforça a urgência de uma legislação própria para o enfrentamento de facções criminosas, tema em discussão no Congresso Nacional. “Não se pode tratar de forma igual o cidadão comum e uma organização criminosa com características de máfia ou terrorismo”, defende. Ele cita fatores como dominação territorial, enfrentamento ao poder público, lavagem de dinheiro e cooptação de autoridades como elementos que exigem um tratamento jurídico diferenciado.
Alerta sobre mudanças na lei penal
Ao comentar o projeto de lei sobre dosimetria de penas, recentemente aprovado, o delegado faz um alerta. Segundo ele, alterações legislativas podem ser usadas de forma oportunista para beneficiar não apenas facções como o PCC, mas também organizações criminosas e crimes de colarinho branco. “Existe o risco de que, sob o pretexto de ajustes técnicos, se criem brechas para favorecer crimes gravíssimos”, afirma.
Lição para o sistema de Justiça
Edemundo Dias conclui que o episódio deve servir como um alerta institucional. “A Justiça precisa agir com mais zelo, mais cuidado e mais interesse em julgar processos dessa relevância antes que prescrevam. É uma lição dura, mas necessária”, finaliza.
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