Enquanto o Brasil discute a reforma do Código Civil que pode reconhecer juridicamente os animais como seres sencientes, Goiás já vive essa realidade. O estado se destaca como laboratório jurídico e ético, antecipando mudanças que agora ganham força nacional com o Projeto de Lei nº 4 de 2025. A proposta, que tramita no Congresso, busca consolidar em nível federal o que Goiás já implementa: o reconhecimento de que cães, gatos e até animais silvestres sentem dor, prazer, medo e afeto, e, por isso, merecem proteção jurídica própria.

Desde a promulgação do Código de Bem-Estar Animal de Goiás, o estado passou a reconhecer cães e gatos como seres sencientes, rompendo com a lógica patrimonialista que ainda predomina no Código Civil nacional. Essa legislação estadual já permite que animais sejam representados por tutores, ONGs e entidades legitimadas em ações judiciais, consolidando práticas que o novo Código Civil pretende nacionalizar.

Ao Jornal Opção, a advogada Pauliane Rodrigues Mascarenhas, presidente da Comissão Especial de Direito Animal da OAB-GO, destaca, nesta quarta-feira, 24, o pioneirismo goiano. “Somos referência no país. O que Goiás construiu serve de base para a reforma nacional. Aqui, o sofrimento animal já é reconhecido como dano moral e existencial, e isso fortalece condenações por maus-tratos”, afirma.

A advogada Pauliane Rodrigues Mascarenhas, presidente da Comissão Especial de Direito Animal da OAB-GO

Guarda compartilhada

Em processos de separação conjugal, juízes goianos já analisam a guarda de pets com base no vínculo afetivo e na capacidade de cada parte em prover bem-estar. A previsão de guarda compartilhada e divisão de despesas com alimentação, saúde e lazer, que o Projeto de Lei nº 4 de 2025 pretende incluir no artigo 1.566, §3º do Código Civil, já encontra respaldo na jurisprudência local.

Pauliane explica: “A prática já existe, mas a reforma trará segurança jurídica. Hoje, cada juiz decide com base em princípios, sem uma norma clara. Com a reforma, teremos uniformidade e mais proteção para os animais”, aponta.

Indenizações e responsabilidade

Goiás também já protagoniza ações judiciais em que o sofrimento do animal é considerado para fins de indenização. Casos envolvendo negligência veterinária, acidentes ou agressões têm sido julgados com base na senciência e no vínculo afetivo com o tutor. Essa abordagem, ainda rara em outros estados, será fortalecida pela reforma nacional.

Além disso, o reconhecimento da legitimidade ativa de ONGs e protetores já é praticado em Goiás, antecipando ajustes que o novo Código Civil exigirá no Código de Processo Civil e no Código Penal.

Desafios Locais

Apesar dos avanços, Goiás enfrenta desafios específicos. Com forte tradição agropecuária e eventos culturais que envolvem animais, como cavalgadas e exposições, a transição para um modelo jurídico que reconhece a senciência exige equilíbrio.

Pauliane defende uma abordagem gradual: “Não se trata de abolir tradições, mas de adaptá-las com protocolos rígidos de bem-estar. Países europeus já mostram que é possível conciliar cultura e respeito à vida animal”, comenta.

Políticas públicas

O reconhecimento da senciência fortalece políticas públicas em Goiás, como programas de castração, adoção responsável e combate ao tráfico de animais silvestres. A atuação de ONGs e protetores é mais eficaz, e a fiscalização ganha respaldo jurídico para agir com firmeza.

A reforma do Código Civil pode ampliar esse modelo para todo o país, consolidando uma rede de proteção que respeita a dignidade dos animais e valoriza o papel da sociedade civil.

Goiás

Com legislação própria, jurisprudência avançada e protagonismo institucional, Goiás se posiciona como referência nacional na defesa dos direitos dos animais. O Projeto de Lei nº 4 de 2025 não apenas se inspira na experiência goiana, mas também busca replicá-la em escala federal.

“O novo Código Civil tem o papel de consolidar os avanços que já vivemos em Goiás. É o início de uma nova era, onde o direito reconhece que a vida não humana também importa”, conclui Pauliane.

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