Evangélicos fazem “clamor” contra descriminalização de drogas
06 março 2024 às 10h52
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O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira, 6, o julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. O julgamento começou em 2015 e foi interrompido em agosto de 2023 por pedido de vista do ministro André Mendonça (indicado por Bolsonaro). O presidente da Casa, Luís Roberto Barroso, teve que vir à público explicar que o julgamento não vai descriminalizar o uso de drogas, ao contrário do que parlamentares de alas mais ideológicas têm defendido, mas sim o porte de drogas para determinar se o usuário será ou não preso.
“Sou contra essa tentativa do STF de descriminalizar pequenas quantidades de droga, e o Senado Federal já tem projeto para impedir que isso aconteça”, disse o senador goiano Vanderlan Cardoso (PSD). A Frente Parlamentar Evangélica, da qual ele faz parte, emitiu um ofício ao “Povo Conservador do Brasil”, solicitando um clamor contra o julgamento da descriminalização da maconha.
“Desde muito antes de me envolver com política, minha família e eu temos um trabalho de assistência a instituições que tratam usuários de droga, então acompanhamos de perto a luta das famílias que são destruídas por esse mal. Por isso me mantenho firme no combate à descriminalização de qualquer tipo e qualquer quantidade de drogas. Esse é um mal que temos que afastar das nossas famílias”, disse Vanderlan Cardoso.
Barroso destacou que a legislação atual não prevê a prisão do usuário e identificou a falta de critérios claros para distinguir entre traficante e usuário como uma grande questão. Ele observou que essa distinção é frequentemente deixada para a polícia, o que pode reforçar estereótipos e preconceitos.
“Não vamos liberar a maconha. Eu sou contra as drogas e sei que é uma coisa ruim, e é papel do Estado combater o uso de drogas ilegais e tratar o usuário. Se um garoto branco, rico e da zona sul do Rio é pego com 25g de maconha, ele é classificado como usuário e é liberado. No entanto, se a mesma quantidade é encontrada com um garoto preto, pobre e da periferia, ele é classificado como traficante e é preso. Isso que temos que combater”, completou o ministro.
Barroso ainda se dispôs a discutir em conjunto com a bancada alternativas para lutar contra o tráfico por meio de políticas públicas. “O tráfico está dominando nosso país, e temos que admitir que o que estamos fazendo agora não está dando certo. Precisamos mudar nossos planos. Vamos conversar em conjunto, sem ideologias”, acrescentou.
Entenda o caso
O Supremo Tribunal Federal está julgando a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei das Drogas (Lei 11.343/2006). Este artigo prevê penas alternativas, como prestação de serviços à comunidade e participação em cursos educativos, para indivíduos que adquirem, transportam ou portam drogas para uso pessoal.
Embora a lei tenha eliminado a pena de prisão para esses casos, a conduta ainda é criminalizada. Isso significa que os usuários de drogas podem ser alvo de inquéritos policiais e processos judiciais em busca do cumprimento das penas alternativas. No caso específico que está sendo julgado, a defesa de um condenado argumenta que o porte de maconha para uso pessoal não deveria ser considerado crime. O acusado foi detido com uma quantidade pequena de maconha, 3 gramas.
Conforme os votos proferidos até o momento, há maioria para fixar uma quantidade de maconha para caracterizar uso pessoal, e não tráfico de drogas, que deve ficar entre 25 e 60 gramas ou seis plantas fêmeas de Cannabis sativa. A quantidade será definida quando o julgamento for finalizado.
Veja como votam os ministros do STF
Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, sustenta que a conduta do usuário de drogas não constitui crime. Em seu voto, emitido aproximadamente 8 anos atrás, ele enfatiza que o consumo de qualquer substância é uma decisão privada e que qualquer dano resultante recai principalmente sobre a saúde do próprio usuário. Segundo ele, criminalizar o uso de drogas seria desrespeitar a autonomia da pessoa em colocar em risco sua própria saúde.
Edson Fachin
O ministro Edson Fachin também aderiu à linha de raciocínio de Gilmar Mendes, concordando que o consumo de drogas é parte da autodeterminação individual, que “corresponde a uma esfera de privacidade, intimidade e liberdade imune à interferência do Estado”. Fachin argumentou que rotular o uso de drogas como crime seria uma postura moralista e paternalista por parte do Estado.
Luís Roberto Barroso
Indo um pouco além, Barroso focou seu voto também nas consequências da criminalização do porte de pequenas quantidades de maconha para os altos índices de encarceramento no Brasil, sobretudo de jovens negros.Nessa linha, Barroso insistiu ser necessário estabelecer uma quantidade específica para distinguir o usuário do traficante, “pois deixar essa distinção a critério das autoridades, seja policial ou judicial, apenas escancara o racismo presente nas instituições”, argumentou.
Alexandre de Moraes
Esse entendimento foi reforçado no voto do ministro Alexandre de Moraes, que trouxe dados da Associação Brasileira de Jurimetria, segundo os quais 25% dos presos no país respondem pelo crime de tráfico de drogas. Ele sustentou que a maior parte desses presos poderiam ser enquadrados como usuários, se houvesse um critério objetivo. Como não há, vão para cadeia em geral jovens e negros, disse.
“O STF tem o dever de exigir que a lei seja aplicada identicamente a todos, independentemente de etnia, classe social, renda ou idade”, defendeu Moraes. Para diferenciar consumo próprio de tráfico de maconha, o ministro sugere o porte de uma quantidade de 25g a 60g.
Na época, a ministra Rosa Weber também votou como Moraes e segui a mesma linha de raciocínio.
Cristiano Zanin
O único a divergir, até o momento, foi o ministro Cristiano Zanin. O ministro argumenta que a descriminalização apresenta “problemas jurídicos” e pode agravar o combate às drogas. “Não tenho dúvida que os usuários de drogas são vítimas do tráfico e das organizações criminosas para exploração ilícita dessas substâncias. A descriminalização, ainda que parcial das drogas, poderá contribuir ainda mais para esse problema de saúde pública”, afirmou.