Tenente que defende mulher contra assediador é novo herói da PM
26 julho 2021 às 12h24
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Nilson Gomes
Um tenente da Polícia Militar foi filmado defendendo uma mulher que era agredida por assediador, na madrugada de domingo, 25 de julho, em Santa Terezinha de Goiás, a 290 quilômetros de Goiânia. O vídeo mais divulgado mostra apenas parte do caso, quando o agente com uma arma de fogo na mão impede provável estupro de quem estava agredindo a vítima, cuja situação momentânea era de indesmentível vulnerabilidade.
A senhora que estava sendo assediada não foi ouvida por quem postou o vídeo. Se quis sua versão dos fatos exposta como aliás ela própria havia sido em blogs, a vítima filmou o seu relato. Nele, a moça, uma personal trainer, detalha as ações do malfeitor.
Na narrativa do filme de terror vivida na madrugada terezinhense, ela e o marido, o PM mencionado no início do texto, chegaram à cidade já à noite e foram convidados por amigos para um bar. Atenderam ao convite. Os amigos, um casal, tiveram de sair porque o filho havia se sentido mal. Ficaram a vítima e o marido. Numa mesa próxima, um de três desconhecidos, que estão em Terezinha para trabalhar em obra de saneamento de garimpo na vizinha Crixás, começou a encarar a moça acintosamente – mesmo sabendo-a acompanhada, talvez não sabendo que o rapaz era seu marido e policial.
Para evitar encrenca e desfazer possível mal-entendido, o PM e sua mulher mudaram de mesa. Ela sentou-se numa cadeira de modo oposto à mesa do assediador. Depois, o oficial precisou ir ao banheiro. A esposa ficou sozinha, um ato normal até porque ali estão seus amigos de infância. Tão logo ele saiu, o assediador se levantou, caminhou até a mesa da vítima e a agarrou por trás.
Surpreendida pelo molestador, ela viu-se imobilizada tanto pelo gesto quanto pelas palavras. Ele a chamou de “gostosa”. Ela tentou se desvencilhar. O provável estuprador disse-lhe não ter resistido. Apalpou-a. Antes que alguém das mesas vizinhas reagisse, o trio com o assediador deixou o bar. Quando o tenente voltou da toalete, ela narrou o ocorrido. Permaneceram enquanto esperavam chegar a conta. Antes, retornou ao bar o trio com o assediador.
Quando o molestador de mulheres estava perto, a personal trainer avisou ao marido, que estava na linha de tiro para ser acertado também pelas costas, na eventualidade de o agressor ter saído para buscar uma arma. O tenente virou-se e sua ferramenta de trabalho caiu. Antes que o assediador de mulheres casadas tomasse posse da arma, o oficial a apanhou no chão. E o trio chegou ao alcance do braço. A partir desse momento começa o vídeo editado para mostrar apenas o que o policial fez.
Numa nação patriarcal, em que as mulheres são violentadas desde a infância, talvez os assediadores esperassem que a vítima sequer contasse ao marido. Achando que era mais um objeto esquecido na mesa, o machão foi à caça. O vídeo não mostra o que a mulher sofreu, apenas apresenta um homem em defesa de outro ser humano – não importa o gênero, o estado civil, apenas que sofria com os métodos centenários dos metidos a alfa da espécie.
Louva-se o fato de a Polícia Militar de Goiás preparar muito bem seus integrantes, inclusive do ponto de vista psicológico. Só uma formação rígida impediria um tenente de atirar contra o bandido que apalpou sua esposa e ainda voltou ao local do crime, não se sabe com qual objetivo, talvez até o de matar aquele que conseguiu o posto rejeitado para o assediador: o de companheiro da mulher, como a personal o define no vídeo. Ainda que tivesse matado o molestador, o oficial seria absolvido. Melhor: não seria sequer pronunciado. Mais justo ainda: nem denunciado. Nem indiciado. Deveria ser elogiado, premiado, exaltado, ter seu nome gravado no livro de aço dos heróis da pátria – um nome contra o patriarcalismo.
Além de diversos outros documentos legais, o Código Penal Brasileiro trata das excludentes de ilicitude, ou seja, tira o rótulo de ilegalidade. Aí, sim, estaria feita a devida justiça: um tiro na testa do machismo.
O vídeo recebeu diversos comentários em blogs e grupos de WhatsApp. E aí o preconceito medieval se revela ainda mais cruel. Até a roupa da vítima é lembrada, a ponto de ela, a vítima, ter de gravar sua versão com o mesmo vestido, para provar o desnecessário: que sequer a vestimenta era provocante. E se fosse? Qual o problema? O “problema” é ser mulher num lugar que ainda não chegou ao século XVI: o cérebro murcho dos machistas.
Mas esse texto não é para lembrar que o vilão é o molestador de mulheres. É para exaltar mais um herói da polícia brasileira, felizmente da goiana, o tenente que, ao defender quem ama, defendeu todas que o machismo odeia.