Tenente da PM foi filmado defendendo uma mulher que era agredida por assediador, na madrugada de domingo, em Santa Terezinha de Goiás

Nilson Gomes

Um tenente da Polícia Militar foi filmado defendendo uma mulher que era agredida por assediador, na madrugada de domingo, 25 de julho, em Santa Terezinha de Goiás, a 290 quilômetros de Goiânia. O vídeo mais divulgado mostra apenas parte do caso, quando o agente com uma arma de fogo na mão impede provável estupro de quem estava agredindo a vítima, cuja situação momentânea era de indesmentível vulnerabilidade.

A senhora que estava sendo assediada não foi ouvida por quem postou o vídeo. Se quis sua versão dos fatos exposta como aliás ela própria havia sido em blogs, a vítima filmou o seu relato. Nele, a moça, uma personal trainer, detalha as ações do malfeitor.

Na narrativa do filme de terror vivida na madrugada terezinhense, ela e o marido, o PM mencionado no início do texto, chegaram à cidade já à noite e foram convidados por amigos para um bar. Atenderam ao convite. Os amigos, um casal, tiveram de sair porque o filho havia se sentido mal. Ficaram a vítima e o marido. Numa mesa próxima, um de três desconhecidos, que estão em Terezinha para trabalhar em obra de saneamento de garimpo na vizinha Crixás, começou a encarar a moça acintosamente – mesmo sabendo-a acompanhada, talvez não sabendo que o rapaz era seu marido e policial.

Para evitar encrenca e desfazer possível mal-entendido, o PM e sua mulher mudaram de mesa. Ela sentou-se numa cadeira de modo oposto à mesa do assediador. Depois, o oficial precisou ir ao banheiro. A esposa ficou sozinha, um ato normal até porque ali estão seus amigos de infância. Tão logo ele saiu, o assediador se levantou, caminhou até a mesa da vítima e a agarrou por trás.

Surpreendida pelo molestador, ela viu-se imobilizada tanto pelo gesto quanto pelas palavras. Ele a chamou de “gostosa”. Ela tentou se desvencilhar. O provável estuprador disse-lhe não ter resistido. Apalpou-a. Antes que alguém das mesas vizinhas reagisse, o trio com o assediador deixou o bar. Quando o tenente voltou da toalete, ela narrou o ocorrido. Permaneceram enquanto esperavam chegar a conta. Antes, retornou ao bar o trio com o assediador.

Quando o molestador de mulheres estava perto, a personal trainer avisou ao marido, que estava na linha de tiro para ser acertado também pelas costas, na eventualidade de o agressor ter saído para buscar uma arma. O tenente virou-se e sua ferramenta de trabalho caiu. Antes que o assediador de mulheres casadas tomasse posse da arma, o oficial a apanhou no chão. E o trio chegou ao alcance do braço. A partir desse momento começa o vídeo editado para mostrar apenas o que o policial fez.

Numa nação patriarcal, em que as mulheres são violentadas desde a infância, talvez os assediadores esperassem que a vítima sequer contasse ao marido. Achando que era mais um objeto esquecido na mesa, o machão foi à caça. O vídeo não mostra o que a mulher sofreu, apenas apresenta um homem em defesa de outro ser humano – não importa o gênero, o estado civil, apenas que sofria com os métodos centenários dos metidos a alfa da espécie.

Louva-se o fato de a Polícia Militar de Goiás preparar muito bem seus integrantes, inclusive do ponto de vista psicológico. Só uma formação rígida impediria um tenente de atirar contra o bandido que apalpou sua esposa e ainda voltou ao local do crime, não se sabe com qual objetivo, talvez até o de matar aquele que conseguiu o posto rejeitado para o assediador: o de companheiro da mulher, como a personal o define no vídeo. Ainda que tivesse matado o molestador, o oficial seria absolvido. Melhor: não seria sequer pronunciado. Mais justo ainda: nem denunciado. Nem indiciado. Deveria ser elogiado, premiado, exaltado, ter seu nome gravado no livro de aço dos heróis da pátria – um nome contra o patriarcalismo.

Além de diversos outros documentos legais, o Código Penal Brasileiro trata das excludentes de ilicitude, ou seja, tira o rótulo de ilegalidade. Aí, sim, estaria feita a devida justiça: um tiro na testa do machismo.

O vídeo recebeu diversos comentários em blogs e grupos de WhatsApp. E aí o preconceito medieval se revela ainda mais cruel. Até a roupa da vítima é lembrada, a ponto de ela, a vítima, ter de gravar sua versão com o mesmo vestido, para provar o desnecessário: que sequer a vestimenta era provocante. E se fosse? Qual o problema? O “problema” é ser mulher num lugar que ainda não chegou ao século XVI: o cérebro murcho dos machistas.

Mas esse texto não é para lembrar que o vilão é o molestador de mulheres. É para exaltar mais um herói da polícia brasileira, felizmente da goiana, o tenente que, ao defender quem ama, defendeu todas que o machismo odeia.