Às vezes penso que a sociedade imagina que cego não pode fazer faculdade

Talita Serafim Azevedo

Ei, sociedade inclusiva, você sabia que nos processos seletivos, como Enem e até mesmo de vestibular, aparece uma opção perguntando se a gente precisa de atendimento específico, como um ledor, para auxiliar na prova ou um outro tipo de atendimento? Acontece que na prova do Enade não aparece essa opção. Ao comunicar isso, o meu coordenador me indicou que eu entrasse em contato com o MEC para solicitar algo que eu necessito. Eu fiz isso. No entanto, me falaram que eu deveria ter solicitado ao fazer minha inscrição. Eu disse que lá não tinha essa opção e eles disseram que eu deveria ter enviado um e-mail para o site. Enfim, falhei por não enviar o e-mail antes, mas não fui instruída a e respeito.

Às vezes penso que o mundo acha que cego não faz faculdade. Pode até entrar com o processo seletivo do Enem, mas o Enade ele não faz porque cego não conclui o curso.

Não estou lamentando o que aconteceu para que meus amigos virtuais venham me consolar, sugerindo que a sociedade é assim mesmo. Quero que isso não se repita comigo e com outros, e a sociedade precisa estar ciente, e quero expor os absurdos que enfrentamos por não estarmos no padrão que a sociedade exige. Mas f…-se os padrões. Sei que o problema não sou eu e também não vou chorar pedindo olhos.

No local da prova, não tinha ledor, não fiz a prova, mas, lindamente, assinei meu nome, colarei grau, pegarei diploma e talvez o jogue em cima do armário, porque não sei em quantas escolas serei barrada. Se fui barrada como estagiária, o que me espera como docente? Entretanto, que as pós me aguardem, porque eu vou de novo e de novo, dando a cara a tapa, batendo em portas, recebendo nãos, nem que o que me motive seja o ódio, já que isso me deixa cada vez mais forte.

Hoje, minha marra não é simplesmente chegar lá na frente, mas, sim, de não ser tão massacrada por uma sociedade vidente que se diz não preconceituosa.

Um dia estarei lado a lado de quem pisou em mim, mas o melhor de tudo é que lembrarei com carinho de todos que me estenderam a mão e me disseram sim. Como você quer ser lembrado?

Talita Serafim Azevedo é estudante do curso de Letras da Universidade Federal de Goiás.