RRF é a sigla de eficiente Manual de Gestão

28 julho 2019 às 00h29

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Exigências do Regime de Recuperação Fiscal deveriam ser obrigatórias em todas as administrações, pois não prejudicam o servidor, não afastam investidor e preservam convênios do Estado com os municípios
Nilson Gomes
Fórmula simples para você concluir que o Regime de Recuperação Fiscal é o melhor para todos os Estados, a começar por Goiás: conhecer suas regras.
São chamadas de imposições legais. Deveriam rebatizá-las de Manual de Gestão Pública, a ser seguido à risca por todos os governantes.
Devem obedecê-las Estados moídos, como Goiás, que desejam ficar três anos sem a escravidão do governo federal.
Se estabelecidas antes da hecatombe financeira, não teriam havido a roubalheira, a demagogia, os ajeitamentos e demais desvios que arrebentaram os (do)entes da federação.
O que Executivo, Legislativo e Judiciário não podem fazer durante o RRF?

1) Aumentar salários além do previsto na Constituição Federal;
2) Criar cargo, emprego ou função ou alterar estrutura de carreira, se elevar despesa;
3) Contratar pessoal (apenas para suprir vaga em cargo efetivo ou vitalício);
4) Fazer concurso público (somente para repor);
5) Inventar penduricalho (auxílio, vantagem, bônus, abono, verba de representação e outros absurdos);
6) Criar despesa obrigatória de caráter continuado;
7) Reajustar despesa obrigatória acima do IPCA ou da variação anual da receita corrente líquida;
8) Conceder ou ampliar incentivo ou benefício tributário em que renuncie a receita;
9) Torrar dinheiro com propaganda, exceto as de utilidade pública (saúde, segurança, educação no trânsito, dentre outras);
10) Fazer transferência para outros entes federativos ou para organizações da sociedade civil;
11) Pegar dinheiro emprestado, fora o previsto no Plano de Recuperação Fiscal;
12) Saquear os depósitos judiciais, até restabelecer o saldo mínimo do fundo de reserva;
13) Propor ou manter ação para discutir dívida com a União.
Qual a dificuldade em cumprir? São requisitos básicos da boa governança.
A sociedade só tem a ganhar. Quem perde? Ninguém.
A choradeira maior é que prejudicaria servidores e municípios.
Não é verdade.
Servidores: receberão os aumentos como manda a Constituição (item 1).
Prefeituras: conservam-se os convênios já celebrados, que podem ser renovados e fazer outros com o terceiro setor.
Calamidade? Abre exceção em qualquer caso.
Aliás, não deveria ser necessário existir RRF para essas cláusulas se tornarem obrigatórias.
Na letra da lei, a Complementar 159 de 2017, os itens se abrandam com ressalvas a emergências, a socorrer deficientes, idosos, mulheres jovens em situação de risco.
Para o Estado se enquadrar no RRF, a Assembleia Legislativa precisa aprovar leis:
a – regulamentando o item 12 (saque judicial só quando tiver saldo);
b – autorizando privatização de empresas;
c – revendo o regime jurídico dos servidores ou disciplinando o crescimento das despesas obrigatórias;
d – leiloando pagamentos pelo critério de maior desconto;
e – reduzindo os incentivos fiscais em no mínimo 10% ao ano;
f – adaptando as regras previdenciárias estaduais às federais e, se possível, o regime de previdência complementar, como previsto na Constituição.
Onde está o problema?

Essas leis deveriam existir há décadas.
Se já fossem normais em vigor, os cofres públicos estariam com recursos suficientes para atender as demandas sociais e com estrutura para sustentar o desenvolvimento industrial.
Alguns setores veem dificuldade em vender as estatais. No caso goiano, entrariam na lista a Saneago e a Celg Geração e Transmissão.
São duas empresas caquéticas, sucateadas, anacrônicas, que dão prejuízo duplo aos goianos:
Indiretamente — o dinheiro que deveria bancar o aprimoramento das escolas sustenta seus rombos;
Diretamente — por significarem atraso, seus serviços reduzem a qualidade de vida das famílias;
O momento é ruim para negociá-las devido à desastrada venda da Celg, que valia R$ 5 bilhões, o Estado investiu mais R$ 7 bilhões e só ficou com R$ 800 milhões, aplicados de modo trapalhão em obras eleitoreiras. Além desse cano de R$ 12 bilhões, a Celg acabou nas mãos da pior empresa de energia elétrica do Brasil, um título nacional “conquistado” todos os anos.
Quando a energia acaba, uma rotina nos 246 municípios, dona de casa pensa:
“Se a Saneago tiver o mesmo destino da Celg, vai faltar água 10 vezes por dia, igual à luz”.
Comerciante tem certeza:
“Toda semana perco um freezer de carne, sorvete e frutas por falta de energia. Agora, vou perder o freezer pra sujeira, porque não vai mais ter água pra lavar nada”.
Produtor rural é sábio:
“Aqui na roça a luz acaba na quarta e só volta na segunda. O leite apodrece, o queijo mofa. Com a Saneago vendida, minhas outorgas de água só vão sair depois que pequi perder o cheiro”.
Industrial nem vem:
“Eu? Investir em Goiás? A energia péssima queima o maquinário, atrasa a produção. Agora, teria de buscar água no córrego”.
Estudante tá ligado:
“Meu computador queimou. Pus meu celular pra carregar, a luz piscou e a p. do carregador não presta mais. Meu som JBL deu tilt. Só falta ter de ir pra faculdade sem tomar banho”.
Em resumo: além de rombo no caixa, a venda da Celg dinamitou o prestígio das privatizações.
O próprio governador Ronaldo Caiado, um liberal, não quer vender a Saneago. Diz que vai abrir o capital, preservando o domínio, o suficiente para atender ao RRF.
Caiado retomou as construções paralisadas na área de saneamento, principalmente no Entorno do Distrito Federal. Quitou mais de R$ 200 milhões em dívidas da Saneago. Tirou-a das páginas policiais para as de economia. Com injeção de dinheiro, após vender ações, serão universalizados a água e o esgoto tratados.
Dona de casa, comerciante, produtor rural, industrial, estudante e o próprio governador podem ficar sossegados: a Saneago vai distribuir saúde — inclusive, econômica.
A outra, a Celg G&T já vai tarde. Será defunto sem choro.
Entidades de empresários protestam contra a redução da renúncia tributária. Só elas. Nem seus associados planejam tamanha farra sem fim.
Goiás perde, todo ano, R$ 10 bilhões com os incentivos fiscais. Com legislação mamão-com-açúcar, o Estado já abriu mão de R$ 100 bilhões em impostos.
O RRF é uma mãe bondosa: manda reduzir em 10% os incentivos.
Reduzir os incentivos, ainda que drasticamente, está longe de afastar investidores. Os fatores que os atraem, pela ordem, são energia de qualidade, sistema viário multimodal infalível, localização estratégica, matéria-prima farta, proximidade de público com alto poder de consumo, mão de obra capacitada.
Renúncia fiscal é interessante, mas num conjunto.
Provoca sustos afirmar que, com o RRF, o Estado terá de demitir.
Deveria assustar se fosse o contrário: com a folha inchada como nunca, criasse cargos.
Ronaldo Caiado acabou com 3.980 comissionados e funções gratificadas.
Não fizeram a menor falta.
Opositores espalham que a redução no número de servidores bagunçou o programa Vapt-Vupt.
Conversa fiada.
Balbúrdia em Vapt Vupt está completando década.
VV foi excelente novidade há 20 anos. Agora, está obsoleto. O processo é mais antigo e inútil que amarrar cachorro com linguiça.
Auxiliado por administradores, arquitetos e engenheiros, fiz um estudo sobre o Palácio Pedro Ludovico, sede do governo estadual.
Resultado óbvio: apenas 30% do prédio é usado para trabalhar. Reinam espaço e pessoas ociosos.
Não apenas na sede: sobram servidores em todas as pastas, agências, empresas de economia mista.
Até na Segurança Pública? Sim.
Na Educação, também? Também.
E na Saúde? Ibidem.
Os modelos de gestão do Estado são os mesmos dos tempos do rapaz que dá nome à sede do governo.
Minto: não são os mesmos porque Pedro Ludovico era mais avançado, se cercava de menos gente.
Antes de câmera custar R$ 100 reais e de o WhatsApp virar central de monitoramento gratuita, o patrulhamento de ruas tinha de ser feito por policiais em viaturas, andando para cima e para baixo, com reduzidíssima eficiência – menos de 2% dos bandidos são pegos em flagrante, sem prévio serviço de inteligência.
Na era pré-internet, a burocracia da Secretaria de Educação e dos próprios colégios tinha o mesmo número de funcionários que as salas de aula. Professor ia fazer pós-graduação e não voltava à atividade-fim, o magistério.
Atraso semelhante tolheu a inovação no governo inteiro.
Atendente de terceirizada de estacionamento de shopping auxilia simultaneamente analfabetos digitais em cinco totens.
Se fosse no Vapt-Vupt, seriam cinco servidores para cada função do totem.
O que é uma loja do Vapt-Vupt? Um totem de estacionamento, só que do século passado.
Portanto, não há o que temer no RRF: não vai impedir convênio com prefeitura, não será prejudicial ao servidor, não vai afastar investidores.
Pelo contrário: seria maravilhoso se, de agora em diante, suas exigências constassem em todos os planos de governo de todos os candidatos.
A começar das próximas eleições municipais.
Nilson Gomes é jornalista.