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Exigências do Regime de Recuperação Fiscal deveriam ser obrigatórias em todas as administrações, pois não prejudicam o servidor, não afastam investidor e preservam convênios do Estado com os municípios

Nilson Gomes

Fórmula simples para você concluir que o Regime de Recuperação Fiscal é o melhor para todos os Estados, a começar por Goiás: conhecer suas regras.

São chamadas de imposições legais. Deveriam rebatizá-las de Manual de Gestão Pública, a ser seguido à risca por todos os governantes.

Devem obedecê-las Estados moídos, como Goiás, que desejam ficar três anos sem a escravidão do governo federal.

Se estabelecidas antes da hecatombe financeira, não teriam havido a roubalheira, a demagogia, os ajeitamentos e demais desvios que arrebentaram os (do)entes da federação.

O que Executivo, Legislativo e Judiciário não podem fazer durante o RRF?

Ronaldo Caiado, governador de Goiás, e Jair Bolsonaro, presidente da República

1)      Aumentar salários além do previsto na Constituição Federal;

2)      Criar cargo, emprego ou função ou alterar estrutura de carreira, se elevar despesa;

3)      Contratar pessoal (apenas para suprir vaga em cargo efetivo ou vitalício);

4)      Fazer concurso público (somente para repor);

5)      Inventar penduricalho (auxílio, vantagem, bônus, abono, verba de representação e outros absurdos);

6)      Criar despesa obrigatória de caráter continuado;

7)      Reajustar despesa obrigatória acima do IPCA ou da variação anual da receita corrente líquida;

8)      Conceder ou ampliar incentivo ou benefício tributário em que renuncie a receita;

9)      Torrar dinheiro com propaganda, exceto as de utilidade pública (saúde, segurança, educação no trânsito, dentre outras);

10)     Fazer transferência para outros entes federativos ou para organizações da sociedade civil;

11)     Pegar dinheiro emprestado, fora o previsto no Plano de Recuperação Fiscal;

12)     Saquear os depósitos judiciais, até restabelecer o saldo mínimo do fundo de reserva;

13)     Propor ou manter ação para discutir dívida com a União.

Qual a dificuldade em cumprir? São requisitos básicos da boa governança.

A sociedade só tem a ganhar. Quem perde? Ninguém.

A choradeira maior é que prejudicaria servidores e municípios.

Não é verdade.

Servidores: receberão os aumentos como manda a Constituição (item 1).

Prefeituras: conservam-se os convênios já celebrados, que podem ser renovados e fazer outros com o terceiro setor.

Calamidade? Abre exceção em qualquer caso.

Aliás, não deveria ser necessário existir RRF para essas cláusulas se tornarem obrigatórias.

Na letra da lei, a Complementar 159 de 2017, os itens se abrandam com ressalvas a emergências, a socorrer deficientes, idosos, mulheres jovens em situação de risco.

Para o Estado se enquadrar no RRF, a Assembleia Legislativa precisa aprovar leis:

a – regulamentando o item 12 (saque judicial só quando tiver saldo);

b – autorizando privatização de empresas;

c – revendo o regime jurídico dos servidores ou disciplinando o crescimento das despesas obrigatórias;

d – leiloando pagamentos pelo critério de maior desconto;

e – reduzindo os incentivos fiscais em no mínimo 10% ao ano;

f – adaptando as regras previdenciárias estaduais às federais e, se possível, o regime de previdência complementar, como previsto na Constituição.

Onde está o problema?

Ronaldo Caiado, governador de Goiás, Cristiane Schmidt, secretária da Economia de Goiás, e Paulo Guedes, ministro da Economia | Fotos: Jornal Opção e Reprodução

Essas leis deveriam existir há décadas.

Se já fossem normais em vigor, os cofres públicos estariam com recursos suficientes para atender as demandas sociais e com estrutura para sustentar o desenvolvimento industrial.

Alguns setores veem dificuldade em vender as estatais. No caso goiano, entrariam na lista a Saneago e a Celg Geração e Transmissão.

São duas empresas caquéticas, sucateadas, anacrônicas, que dão prejuízo duplo aos goianos:

Indiretamente — o dinheiro que deveria bancar o aprimoramento das escolas sustenta seus rombos;

Diretamente — por significarem atraso, seus serviços reduzem a qualidade de vida das famílias;

O momento é ruim para negociá-las devido à desastrada venda da Celg, que valia R$ 5 bilhões, o Estado investiu mais R$ 7 bilhões e só ficou com R$ 800 milhões, aplicados de modo trapalhão em obras eleitoreiras. Além desse cano de R$ 12 bilhões, a Celg acabou nas mãos da pior empresa de energia elétrica do Brasil, um título nacional “conquistado” todos os anos.

Quando a energia acaba, uma rotina nos 246 municípios, dona de casa pensa:

“Se a Saneago tiver o mesmo destino da Celg, vai faltar água 10 vezes por dia, igual à luz”.

Comerciante tem certeza:

“Toda semana perco um freezer de carne, sorvete e frutas por falta de energia. Agora, vou perder o freezer pra sujeira, porque não vai mais ter água pra lavar nada”.

Produtor rural é sábio:

“Aqui na roça a luz acaba na quarta e só volta na segunda. O leite apodrece, o queijo mofa. Com a Saneago vendida, minhas outorgas de água só vão sair depois que pequi perder o cheiro”.

Industrial nem vem:

“Eu? Investir em Goiás? A energia péssima queima o maquinário, atrasa a produção. Agora, teria de buscar água no córrego”.

Estudante tá ligado:

“Meu computador queimou. Pus meu celular pra carregar, a luz piscou e a p. do carregador não presta mais. Meu som JBL deu tilt. Só falta ter de ir pra faculdade sem tomar banho”.

Em resumo: além de rombo no caixa, a venda da Celg dinamitou o prestígio das privatizações.

O próprio governador Ronaldo Caiado, um liberal, não quer vender a Saneago. Diz que vai abrir o capital, preservando o domínio, o suficiente para atender ao RRF.

Caiado retomou as construções paralisadas na área de saneamento, principalmente no Entorno do Distrito Federal. Quitou mais de R$ 200 milhões em dívidas da Saneago. Tirou-a das páginas policiais para as de economia. Com injeção de dinheiro, após vender ações, serão universalizados a água e o esgoto tratados.

Dona de casa, comerciante, produtor rural, industrial, estudante e o próprio governador podem ficar sossegados: a Saneago vai distribuir saúde — inclusive, econômica.

A outra, a Celg G&T já vai tarde. Será defunto sem choro.

Entidades de empresários protestam contra a redução da renúncia tributária. Só elas. Nem seus associados planejam tamanha farra sem fim.

Goiás perde, todo ano, R$ 10 bilhões com os incentivos fiscais. Com legislação mamão-com-açúcar, o Estado já abriu mão de R$ 100 bilhões em impostos.

O RRF é uma mãe bondosa: manda reduzir em 10% os incentivos.

Reduzir os incentivos, ainda que drasticamente, está longe de afastar investidores. Os fatores que os atraem, pela ordem, são energia de qualidade, sistema viário multimodal infalível, localização estratégica, matéria-prima farta, proximidade de público com alto poder de consumo, mão de obra capacitada.

Renúncia fiscal é interessante, mas num conjunto.

Provoca sustos afirmar que, com o RRF, o Estado terá de demitir.

Deveria assustar se fosse o contrário: com a folha inchada como nunca, criasse cargos.

Ronaldo Caiado acabou com 3.980 comissionados e funções gratificadas.

Não fizeram a menor falta.

Opositores espalham que a redução no número de servidores bagunçou o programa Vapt-Vupt.

Conversa fiada.

Balbúrdia em Vapt Vupt está completando década.

VV foi excelente novidade há 20 anos. Agora, está obsoleto. O processo é mais antigo e inútil que amarrar cachorro com linguiça.

Auxiliado por administradores, arquitetos e engenheiros, fiz um estudo sobre o Palácio Pedro Ludovico, sede do governo estadual.

Resultado óbvio: apenas 30% do prédio é usado para trabalhar. Reinam espaço e pessoas ociosos.

Não apenas na sede: sobram servidores em todas as pastas, agências, empresas de economia mista.

Até na Segurança Pública? Sim.

Na Educação, também? Também.

E na Saúde? Ibidem.

Os modelos de gestão do Estado são os mesmos dos tempos do rapaz que dá nome à sede do governo.

Minto: não são os mesmos porque Pedro Ludovico era mais avançado, se cercava de menos gente.

Antes de câmera custar R$ 100 reais e de o WhatsApp virar central de monitoramento gratuita, o patrulhamento de ruas tinha de ser feito por policiais em viaturas, andando para cima e para baixo, com reduzidíssima eficiência – menos de 2% dos bandidos são pegos em flagrante, sem prévio serviço de inteligência.

Na era pré-internet, a burocracia da Secretaria de Educação e dos próprios colégios tinha o mesmo número de funcionários que as salas de aula. Professor ia fazer pós-graduação e não voltava à atividade-fim, o magistério.

Atraso semelhante tolheu a inovação no governo inteiro.

Atendente de terceirizada de estacionamento de shopping auxilia simultaneamente analfabetos digitais em cinco totens.

Se fosse no Vapt-Vupt, seriam cinco servidores para cada função do totem.

O que é uma loja do Vapt-Vupt? Um totem de estacionamento, só que do século passado.

Portanto, não há o que temer no RRF: não vai impedir convênio com prefeitura, não será prejudicial ao servidor, não vai afastar investidores.

Pelo contrário: seria maravilhoso se, de agora em diante, suas exigências constassem em todos os planos de governo de todos os candidatos.

A começar das próximas eleições municipais.

Nilson Gomes é jornalista.