A atriz é de direita, é óbvio. Mas conhece os artistas brasileiros, entende de teatro e do audiovisual e dificilmente cairá na conversa dos olavetes

Regina Duarte, com Bolsonaro e Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo | Foto: Twitter/ Divulgação

Desde que começou a circular o convite do presidente Jair Bolsonaro para a atriz Regina Duarte assumir a Secretaria Especial da Cultura, a gritaria tomou conta das redes sociais. Regina, de namoradinha do Brasil, foi transformada em Geni. O “problema” é que, mesmo sendo uma atriz global, a eterna Viúva Porcina, apesar de ser uma das artistas mais consagradas do Brasil, não se encaixa no perfil que se espera – ou se “exige” – de uma profissional da área em que ela atua.
Tais expectativas não passam de maniqueísmo puro. Gente que pensa fora da caixa causa estranheza. Por isso, figuras como a deputada Tabata Amaral e o vereador Fernando Holiday embaralham o pensamento de quem enxerga apenas o preto e o branco e se esquece de que, entre eles, existem bem mais que 50 tons de cinza. Falando diretamente: o pecado de Regina Duarte é ser uma atriz de direita.
Deixando de lado polêmicas inúteis, Regina Duarte é a melhor notícia do governo Bolsonaro em muitos meses. É a oportunidade de uma guinada no Planalto na área cultural, demonizada pelo presidente mesmo antes de ele sequer sonhar que um dia iria subir a rampa com a faixa presidencial no peito. Bolsonaro há muito tempo tem lançado mão do discurso barato de que a arte brasileira só tem servido para destruir a família, propagar a ideologia comunista, promover a pornografia e outras bobagens.
Imbuído desse pensamento, acabou com o Ministério da Cultura, substituído pela secretaria, inicialmente vinculada ao Ministério da Cidadania. O primeiro titular, Henrique Pires, foi exonerado após criticar o que chamou de censura do governo, que cancelou um edital para produção de conteúdo voltado ao público LGBT. Pires foi substituído por Ricardo Braga, que ficou apenas dois meses no cargo.
Enfim, Bolsonaro nomeou o inacreditável Roberto Alvim. Pelo seu trabalho no teatro, chegou a ser considerado um homem de vanguarda, mas caiu após o vídeo com conteúdo nazista publicado na semana passada. Ao lado da Educação e do Meio Ambiente, a Cultura forma a tríade de pastas mais ideologizadas do governo. Com Alvim, essa ideologização ultrapassou qualquer fronteira do aceitável.
Diante de seus antecessores, Regina Duarte é, inegavelmente, um sopro de esperança de mudanças. Ela é de direita, obviamente. Já extrapolou os limites do bom senso, ao relativizar as piadas racistas e homofóbicas do presidente. Mas tem uma carreira exitosa, de mais de cinco décadas, conhece os artistas e o público brasileiro. Tem boa imagem junto à população – o povo mais simples e que não tem muito tempo a perder com questões teóricas e embates políticos.
Conhece os meandros do teatro e, especialmente, do audiovisual, exatamente o setor que enfrenta mais dificuldades no cenário atual. Vai enfrentar resistências, mas dificilmente cairá na conversa dos olavetes. Que ela faça pela cultura brasileira um papel à altura de seu talento como atriz. Se começar suspendendo o tal Prêmio Nacional das Artes (de cunho inspiradamente totalitário), vai começar bem.