O novo coronavírus vai mudar o eixo do debate nas eleições de 2020
19 abril 2020 às 01h17
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Saúde — salvar vidas — e geração de emprego serão pautas centrais. Já a pauta da segurança pública caiu para o terceiro lugar
João Paulo Teixeira
Especial para o Jornal Opção
Uma das poucas teorias da comunicação que realmente funcionam cotidianamente é o chamado “agendamento”. O “Agenda Setting”, antigo já, de 1970, formulado por Maxwell McCombs e Donald Shaw, literalmente regula os interesses coletivos. A psicologia das massas ensina que os temas bombardeados pela mídia se fixam como verdades. Infiltram como vírus que travam pulmões e leva ao colapso toda uma geração.
A Covid-19, a praga do Egito do século 21, é um desses exemplos. Como as teletelas do escritor britânico George Orwell, ele pulula nas nossas caras, através dos tabletes, celulares, computadores, tv, rádio e sites. Mesmo que você queria correr léguas desse vírus, ele te ataca a mente e o coração com o dedo em riste. O novo coronavírus não “perdoa”.
Além de números e siglas, ele vem em fotos e vídeos de qualidade 4K. Tem muitooo mais qualidade técnica que as ‘lives’ dos sertanejos goianos. Aparecem nas mentirosas estatísticas da ditadura chinesa (que fala em 3 mil mortos oficiais, quando jornais internacionais contam 45 mil urnas mortuárias só em Wuhan, apenas uma das milhares de cidades da superpopulosa potência), ou nas igrejas centenárias da Itália católica, abarrotadas de caixões de madeira.
Nos EUA, país que todo cinéfilo de “sessão da tarde” se acostumou a ver derrotando os “aliens”, enxergamos o triste fato: não temos capacidade — como espécie — nem para vencer com facilidade nem um mísero ser unicelular. Leva-nos a imaginar: se a nave colossal dos “homens verdes” chegasse na órbita da Terra amanhã, a sova seria de 7×1.
Pois bem. Veja que a peste atual sequer é da geração digital. O coronavírus é mapeado desde 1970. Assim como o “Agenda Setting”, se mostra desafiador e hodierno. Em 2020, meio século depois de suas formulações originais, seguem gerando provocações para a humanidade. As Olimpíadas, interrompidas apenas por Hitler, já foram adiadas e podem ser postergadas. As eleições idem. No Brasil, o TSE, instância máxima do setor, já considera fazer o pleito no primeiro domingo de dezembro. As cidades com segundo turno no dia 20, já puxando as barbas do Papai Noel.
Além de atrasos, dúvidas e incertezas, a (ou “a”, já que vírus não tem gênero) Covid-19 promoveu uma mudança de paradigma nas eleições de 2020. Façamos o histórico. Bolsonaro, nosso presidente de máscara na mão e 600 reais na outra, venceu a eleição com alguns propósitos que hoje se liquefazem.
Acompanhe o raciocínio. Bolsonaro, mito para alguns, palmito para muitos, cristalizou um sentimento incondicional que reinava por terras tupiniquins em 2018. Era o absoluto medo de morrer, que habita o homem desde o sopro divino ou do “big-bang”, como preferirem.
O medo da morte não vinha do vírus, é bem verdade. Mas de assalto, bala perdida, roubo, sequestro e assassinato. Bolsomitos de todos país usaram esse temor em prol de um salvador que falava “talokay” e fazia caras feias para todos que passavam na mira da “lava-jato”. Sua campanha, orquestradas na internet como um Tchaikovsky, cristalizou a raiva que a classe média absorveu contra PSDB e MDB.
Faça um esforço de memória e de pesquisa. Os tucanos tinham bons nomes nas prévias. Afunilaram no melhor do momento, o médico e quatro vezes governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. A despeito do preparo técnico e político de governar a locomotiva do Brasil por anos, teve votação pífia no processo presidencial.
O MDB, que tinha feito trabalho razoável depois da Covid-Dilma Rousseff, lançou nosso conterrâneo, o anapolino Henrique Meirelles. Com um slogan chiclete, o “chama o Meirelles”, e o escudo de aço do mercado internacional, a votação do bambambã da geração de empregos e de crescimento do PIB foi de extraordinários… 1%.
Mesmo sem amplo tempo de TV e fundos partidários pífios do PSL — tanto que a legenda foi abandonada meses depois — Bolsonaro fez o que ninguém tinha feito até aquele momento: usou o combate a violência de um lado, a raiva contra a corrupção e o ‘establishment’ de outro, juntou-os como um capitão Planeta e, com a força das sociais, bateu a eleição, como diz a gíria do marketing eleitoral.
O presidente cumpriu o protocolo, com faixa verde amarela, primeira dama fazendo mímica e, depois de um ano, exibe um governo com erros crassos e acertos consideráveis que até o credenciariam para a reeleição. Era de se esperar que 2020, eleições municipais, gerasse uma nova fábrica de “Bolsonaros” Brasil afora. Em todo Estado da federação e em suas grandes cidades, filiaram-se capitães, majores, coronéis, ases da segurança pública.
Salvar o brasileiro médio da briga de gangues, das balas perdidas e dos açoites ao erário público era o mote certo para ganhar também as prefeituras, alvo da eleição deste ano. ERA. Aí, imprevisível como os desígnios de Deus, veio a Covid. E toda a pauta da segurança despencou do topo do pódio para o terceiro lugar. Assumiu a dianteira no grid a “geração de empregos”, dado aos milhares de desempregados e aos milhões que podem chegar até o final do ano.
Os militares e suas ações — estampados com pompa em grandessíssimas lonas até no prédio do palácio Pedro Ludovico Teixeira — deram lugar os médicos, cientistas e enfermeiros, com suas capas brancas e máscaras N95. Armas de grandes calibres se transformaram como mágica da Disney em microscópios que enxergam seres nanômetros. Pistolas, quepes e medalhas foram substituídos por vacinas, seringas e cloroquinas, que combate todos os seus males.
O que se viu a olho nu: fardas, antes salvadoras da pátria, deram lugar aos jalecos. O cenário político é dinâmico. Sempre foi. A mídia multifacetada e onipresente de hoje ainda o faz mais alternante. Extirpar a bandidagem da vez é acabar com um vírus. Combater a corrupção desse tempo presente é criar uma vacina contra o desemprego e a desesperança. Quem quer se tornar prefeito agora tem que matar uma Covid por dia na campanha. E vacinar contra todas suas mazelas subsequentes.
João Paulo Teixeira é diretor da JPP Propaganda