Os principais problemas do Entorno do DF, como o inchaço populacional, que geram problemas nas áreas de saúde, educação e segurança, decorrem de Brasília

Parece heresia dizer isto, mas, a rigor, Brasília é uma espécie de principal cidade de Goiás. A cidade, que tem 60 anos e foi construída graças ao empenho de várias pessoas, como Juscelino Kubitschek, Israel Pinheiro, Emival Caiado, Pedro Ludovico Teixeira, Lucio Costa, Oscar Niemeyer e milhares de candangos anônimos, ocupa quase 6 mil km² do território goiano e tem 2,9 milhões de habitantes.

Ao construir Brasília, como cidade-irmã de Goiânia — capital regional que inspirou a capital nacional —, Juscelino Kubitschek, contra fortes pressões das elites do Rio de Janeiro, pretendia descentralizar, por meio da interiorização, o crescimento da economia do Brasil e, consequentemente, o seu desenvolvimento.

A ligação de Juscelino Kubitschek com os goianos era tão forte que, ao deixar a Presidência da República, foi eleito senador por Goiás — como candidato apoiado por praticamente todos os partidos.

Os tempos mudaram, mas fica-se com a impressão que a grandeza de Juscelino Kubitschek não tem equivalência hoje, ao menos não em Brasília. Se sobrava grandeza em JK, daí avaliar que era preciso ampliar o desenvolvimento para todos, falta grandeza, por exemplo, ao governador atual do Distrito Federal, Ibaneis Rocha Barros Júnior (MDB) — um advogado milionário de escassa percepção social.

Marconi Perillo e Ibaneis Rocha: neo-aliados | Foto: Reprodução

Embora tenha nascido em Brasília, há 49 anos, Ibaneis Rocha é filho de uma família de piauienses e morou parte de sua vida no município de Corrente, no Piauí (Nordeste do país). Recentemente, deu declaração de que iria fechar as fronteiras de Brasília — criando uma espécie de Muro de Berlim, sob proteção da Polícia Militar local — para impedir a entrada de goianos (não queria que fossem atendidos na rede hospitalar da cidade, esquecendo-se que o SUS, como diz o nome, tem um caráter universal). Felizmente, sob pressão da sociedade, tanto de Brasília quanto de Goiás, desistiu do “muro”. O fato é que, se Ibaneis Rocha fosse governador em 1971, ano em nasceu, no Hospital de Base, sua família talvez não tivesse conseguido entrar na capital. Tal sua resistência aos chegantes.

Cidades que são de Goiás e do Distrito Federal

Há pouco tempo, por causa da expansão da pandemia do novo coronavírus, que atinge todos os Estados brasileiros, Ibaneis Rocha abriu uma bateria de críticas ao governo de Goiás. Mas esqueceu de dizer o principal. O inchaço populacional do Entorno de Brasília — em cidades como Águas Lindas, Luziânia, Valparaíso e Planaltina de Goiás, para citar apenas quatro — tem a ver com o fascínio que a capital nacional exerce sobre brasileiros pobres de vários Estados. Atraídas por supostas oportunidades na capital federal, as pessoas vão para Brasília e, ao chegarem lá, descobrem que a vida é cara — notadamente aluguéis, assim como não é fácil comprar um imóvel — e então voltam suas atenções para os municípios adjacentes, como os citados. Então, assim como Brasília é uma cidade de Goiás, porque está incrustada em seu território, cada cidade do Entorno da capital federal é, a rigor, um de seus bairros. Brasília e Goiás são irmãos e seus problemas, que são comuns, devem ser resolvidos em conjunto. É incontornável.

Por isso, Brasília, o governo do Distrito Federal, também deve ser considerada, ao lado do governo de Goiás, como uma das responsáveis pelos municípios da região. Vale insistir: os problemas das cidades do Entorno são, em larga escala, decorrentes de Brasília. O prefeito de Valparaíso de Goiás, Pábio Mossoró, do MDB, informa que ao menos 50 mil habitantes da cidade trabalham em Brasília. Como fechar a cidade para elas? Impossível.

Ibaneis Rocha: o governador precisa entender que os problemas do Entorno devem ser vistos como de Goiás e de Brasília e a solução deve ser conjunta | Foto: Metrópoles

O governo federal banca os principais gastos de Brasília, nas áreas mais dispendiosas, como saúde, educação e segurança pública. Brasília é um filho adulto, de 60 anos, que ainda mora com o paizão — o governo federal —, que lhe repassa uma mesada mensal formidável. Pode-se dizer que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é mais governador de Brasília que o próprio Ibaneis Rocha (é mais um “gerente” do que um governador) — que, segundo até aliados, terceiriza o governo para um aliado do ex-governador José Roberto Arruda — José Humberto Pires, conhecido como “faz-tudo”.

Mesmo tendo uma renda formidável, porque não tem custo com educação, saúde e segurança pública — custos que o governo de Goiás tem e precisa bancar todo mês —, Ibaneis Rocha decidiu reclamar do governo de Goiás. Primeiro, quis fechar as fronteiras, o que não conseguiu, porque nem os brasilienses concordam e a Justiça o desautorizaria. Segundo, começou a criticar o governador Ronaldo Caiado por causa do inconcluso hospital de Águas Lindas — cidade que, no fundo, é um dos maiores “bairros” de Brasília localizada em Goiás (trata-se de um dos municípios que mais crescem na América Latina, e seu crescimento é “puxado” por Brasília).

Ora, o hospital de Águas Lindas pode até sido inaugurado, mas o governo anterior — de Marconi Perillo e José Eliton, ambos do PSDB — não o colocou em condições de funcionamento. Como se sabe, um campo de futebol basta ter o gramado para começar a ser utilizado. Com um hospital é muito diferente. Primeiro, as instalações precisam estar altamente adequadas. Segundo, é preciso ter os equipamentos completos para o perfeito funcionamento da ação dos médicos, enfermeiros e demais funcionários. Terceiro, é necessária a contratação de um quadro qualificados de médicos, enfermeiros e outros profissionais.

Ibaneis Rocha tem o ex-governador Marconi Perillo — amigo do ex-governador José Roberto Arruda (ambos já foram presos) — como aliado. Portanto, não irá criticá-lo. Mas a crítica que fez a Ronaldo Caiado deveria ser dirigida, a bem da verdade, a Marconi Perillo — que deixou hospitais inconclusos no Entorno de Brasília, como o de Santo Antônio do Descoberto (o caso virou uma verdadeira novela).

Pois, mesmo Ibaneis Rocha tentando prejudicar Goiás e os goianos, Marconi Perillo decidiu defendê-lo, o que também acaba por colocá-lo contra os goianos. O ex-governador tem o direito de se posicionar contra o governador Ronaldo Caiado, porque lhe faz oposição, mas tem o direito de ficar ao lado do governador do Distrito Federal em sua luta contra Goiás e os goianos? Certamente, não tem. Por mais que saiba usar bem as palavras, o tucano certamente sabe que está cometendo um equívoco. Em tempos de pandemia do novo coronavírus, com milhares de pessoas morrendo em todo o país — o que sugere que as forças coletivas sejam irmanadas em defesa da vida —, não se deve ficar ao lado daqueles que pretendem, com outras palavras “sutis”, como “fechamento de fronteiras”, criar uma nova maneira de apartheid social. Marconi Perillo deveria pedir desculpas, não a Ronaldo Caiado, e sim aos goianos — todos eles.

Por fim, Goiás, ainda que não receba o imenso patrocínio do governo federal — um negócio de avô para neto (o deputado federal João Campos batalhou para que os municípios do Entorno tivessem acesso a parte do fundo constitucional que beneficia Brasília, mas políticos da capital, como Ibaneis Rocha, o novo aliado de Marconi Perillo, sempre se posicionam contrariamente) —, tem mais leitos de UTI do que o Distrito Federal.