Workaholic, o político e empresário era um vitorioso. Foi prefeito de Porangatu por dois mandatos e foi deputado por quatro mandatos

Euler de França Belém

Na década de 1990, Júlio Sérgio de Melo — o Júlio da Retífica — concedeu uma entrevista ao Jornal Opção, na sede que ficava nas proximidades da Praça Tamandaré, em Goiânia. Ao término da conversa, o líder tucano, o Leão do Norte, disse que iria à Vila Nova buscar uns móveis descartados pelo governo estadual. Iria levá-los para Porangatu, sua Ítaca. O então fotógrafo do jornal José Afonso — o grande Zé Afonso — decidiu acompanhá-lo. Quando fui editar a entrevista, pedi as fotografias. Júlio aparecia carregando os móveis nas costas. Era o prefeito de Porangatu — um workaholic assumido — dando o exemplo. Ele era assim: trabalhava em tempo integral. Tinha ânsia de fazer.

Júlio foi eleito prefeito duas vezes. Porque cristalizou a imagem de gestor eficiente e dedicado à sua cidade. Depois, fez o sucessor, José Osvaldo, que alguns chamam de Zero Osvaldo. No caso, foi uma vitória que, mais tarde, se traduziu em derrotas. Gestor do segundo time, José Osvaldo contribuiu, em larga medida, para aumentar a sua própria força, mas foi decisivo para reduzir a substância do grupo criado e robustecido por Júlio da Retífica.

Administrador rigoroso, com alto grau de exigência, Júlio da Retífica às vezes passava a imagem de arrogante, de muito duro. Mas a história lhe fará justiça: ele estava, na verdade, tratando o dinheiro público, da sociedade, com o rigor necessário. Poderia ser mais diplomático, é claro.

Júlio da Retífica: um dos principais líderes do Norte de Goiás | Foto: Divulgação

Fundamental mesmo é que tornou Porangatu um exemplo de cidade bem gerida, modernizada e bonita. Nas suas gestões, a cidade era limpa, arborizada e havia flores pelas praças. O município e a prefeitura eram bem administrados.

Construiu um teatro moderno e, com o apoio de artistas locais, criou a mostra de teatro Tenpo — que se tornou conhecida nacionalmente. Atores famosos, alguns da Globo, estiveram na cidade para prestigiá-la. Uma geração de artistas, nos vários campos da arte, surgiu e se consolidou durante o governo do tucano. Músicos formados localmente chegaram a tocar na banda da Marinha. Vi dezenas de quadros de qualidade — uns mais, outros menos — de artistas plásticos formados na estrutura pública. Eddie Pacheco, um mestre, contribuiu muito, sabe-se, para a formação e consolidação de vários artistas.

Pode-se até não gostar de Júlio da Retífica, mas ele ficará na história de Porangatu como um divisor de águas. Era um administrador metódico, firme e eficiente. Não submetia a gestão pública aos interesses da política. Por isso perdeu parte do apoio de alguns setores da sociedade local.

A cidade teve grandes prefeitos e Júlio da Retífica figura ao lado dos melhores, como João Gonçalves dos Reis. Este, de tão diplomático, era (e é, pois está vivo e, com mais de 90 anos, lúcido) uma espécie de Juscelino Kubitschek de Porangatu. Com sua capacidade administrativa, com sua mente lógica, se Júlio da Retífica tivesse a diplomacia de João Gonçalves teria ido mais longe na política. Poderia ter se tornado, por exemplo, deputado federal. Mas, no caso, o problema nem era dele, e sim do eleitorado da região Norte não figurar entre os maiores do Estado.

Seu nome de batismo era Júlio Sérgio de Melo, mas o povo o “registrou” com outro nome — Júlio da Retífica. Quer dizer, ele era definido pelo trabalho, pela Retífica que fundou e pôs em ação em Porangatu — a Retífica Bandeirante. Júlio era um trabalhador infatigável — dava a impressão de que não lhe sobrava tempo para o lazer.

Um político — e qualquer homem — deve ser definido pela média. Porque, pelos extremos, só os defeitos ou as virtudes prevalecem. Pela média, Júlio ficará na história de Porangatu como um grande homem — desses que farão falta e, portanto, deixarão uma lacuna. Somados virtudes, maiores, e defeitos, menores, fica-se cristalizada a ideia de que era um gestor competente e criativo. Ele era um líder político e gestor — um dos maiores da história do Norte de Goiás.

Júlio morreu, aos 66 anos, no domingo, 30, num hospital de Brasília. Lutou bravamente durante dois meses contra uma pneumonia (com fungos). Estava internado. O que fica é sua história positiva.