O presidente e o ministro Paulo Guedes estão contrariando lei complementar que proíbe contingenciar verbas do FNDCT

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes: cortes na ciência | Foto: Reprodução

Os quatro países mais ricos do mundo — Estados Unidos, China, Japão e Alemanha — se tornaram superpotências porque investem maciçamente em ciência. No lugar de cortes, aumentam, ano a ano, o investimento em ciência — daí a tecnologia de ponta, altamente competitiva. No Brasil, pelo contrário, o presidente Jair Bolsonaro, seguindo a cartilha do Ministério da Economia, decidiu cortar “2,5 bilhões de reais no orçamento de 2022 da principal fonte de recursos federais para a ciência”, de acordo com reportagem de Rafael Garcia, de “O Globo” (sexta-feira, 27). O corte ocorrerá no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Paulo Alvim: ministro da Ciência e Tecnologia | Foto: Ministério da Ciência e Tecnologia

A medida está configurada num documento que está sendo condenado por cientistas do país. O governo decidiu também retirar 426 milhões de reais diretamente do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI). O ministro da pasta, Paulo Alvim, não se manifestou contrário aos cortes.

Os dois cortes significam uma perda de 2,9 bilhões de reais, “ou 42% do orçamento para o setor este ano, descontada a folha de pagamentos e outros gastos obrigatórios”, registra “O Globo”.

Renato Janine Ribeiro: ciência sob ataque do governo Bolsonaro | Foto: Reprodução

A decisão de Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes, da Economia, é contrária à lei complementar 177 de 2021. A lei sustenta que é proibido contingenciar verbas do FNDCT. Dada a ilegalidades, organizações científicas do país vão acionar judicialmente o governo federal.

“O Globo” sublinha que, “dos 6,9 bilhões orçados inicialmente para a ciência com gastos discricionários, restariam 4 bilhões de reais”. O Portal da Transparência do governo federal informa que, até o momento, o setor público empenhou 2,6 bilhões de reais. Pagou, porém, apena 760 milhões de reais. “Restaria então 1,4 bilhão de reais em verbas federais para a ciência sobreviver pelo resto do ano”, frisa o jornal carioca.

Helena Nader: “A Lei Orçamentária Anual já era horrível e agora ficou pior” | Foto: Reprodução

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) postula que a intenção do corte “é abrir espaço para as medidas de reajustes do funcionalismo público anunciados pelo governo federal, que custariam 8,2 bilhões de reais aos cofres públicos”.

O Ministério de Ciência e Tecnologia não informou ao “Globo” de onde o dinheiro será retirado.

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) sugere que o corte deve “afetar programas de pesquisa importantes a serem lançados nas áreas de doenças raras, novos medicamentos, meio ambiente, fiscalização de solos”.

Fábio Guedes Gomes: cortes vão afetar programas em andamento | Foto: Reprodução

A presidente da ABC, Helena Nader, disse ao “Globo” que “a Lei Orçamentária Anual já era horrível e agora ficou pior ainda. Se existe uma lei complementar que diz que não pode contingenciar, como ele [o governo federal] fez isto? A sensação que me dá é de um desacato, inclusive com relação ao Parlamento que votou essa lei”.

Helena Nader assinala que o governo Bolsonaro desidratou o orçamento do MCTI, por isso o Fundo se tornou ainda mais importante para a ciência. Portanto, destaca a cientista, “um corte no fundo afeta mais do que afetaria em anos anteriores. O FNDCT era para ser um componente extra no orçamento, mas virou o componente principal”.

O secretário-executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia (ICTP), economista Fábio Guedes Gomes, assegura que os cortes vão afetar programas que estão em andamento. “Praticamente todas as ações de fomento à ciência que iam ser pagas pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) através do ministério e através da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) estão prejudicadas. Cortando naquilo que não foi pago, é como se o governo tivesse assinado um cheque sem fundo”, anota o professor da Universidade Federal de Alagoas.

O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, postula que os cortes na área científica podem significar “uma forma de punir a comunidade acadêmica por boa parte dela não se alinhar à administração Bolsonaro”.

Num comunicado, o filósofo Renato Janine Ribeiro afirma: “É inacreditável que, mesmo depois de todas as contribuições da ciência nestes anos difíceis da pandemia de Covid-19, a ciência siga sendo atacada pelo governo federal”.