Falta de sintonia com o presente “retira” Marconi Perillo da história atual de Goiás
30 julho 2023 às 00h00
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O que é um coronel político? A ciência política apresenta, por certo, várias explicações. Duas delas são mais conhecidas e populares.
Primeiro, coronel é aquele que persegue adversários e, mesmo, aliados que se tornam independentes. Segundo, é aquele que trava a ascensão de aliados, transformando-os, no geral, em meros apoiadores. O coronel é um criador de “agregados”.
Marconi Perillo enquadra-se na categoria dos coronéis políticos? Perseguiu adversários e tomou aliados deles com o uso da força da máquina pública? De fato, nos seus governos se procedeu a um festival de adesões políticas, sobretudo de prefeitos. Prefeitos mais favorecidos eram aqueles que apoiavam seu governo.
Frise-se que um militar atirou seis vezes no portão da casa de Demóstenes Torres, ex-senador e ex-procurador-geral de justiça do Ministério Público de Goiás, em 2004. O então senador fazia oposição a Perillo. Está se dizendo que o ex-governador quis “assustar” o adversário? Não se está sugerindo isto. Mas não deixa de ser estranho que o caso não tenha sido apurado e esclarecido com rigor. Conta-se que um dos atiradores — que seria militar — teria sido assassinado, como possível queima de arquivo.
Há o aspecto de que, nos seus 16 anos de mando político, Perillo não abriu espaço para seus aliados disputarem o governo. O tucano foi eleito governador em 1998, 2002, 2010 e 2014. Nenhum de seus aliados, no PSDB, teve chance de disputar o governo. Todos tiveram de se contentar com o segundo plano, no papel de coadjuvantes.
Célio Silveira, Giuseppe Vecci, Itamar Leão, José Paulo Loureiro, Jovair Arantes, Leonardo Vilela, Tiago Peixoto, Valmir Pedro, para citar apenas oito nomes, jamais foram convidados para disputar o governo ou mesmo mandato de senador. Porque o espaço esteve sempre reservado para Perillo. O tucano-chefe barrou, talvez para sempre, toda uma geração de técnicos e políticos competentes — como Giuseppe Vecci, José Paulo Loureiro e Thiago Peixoto.
O caso de Thiago Peixoto é emblemático. Economista competente, com mestrado no exterior, deputado federal proativo, foi “convidado” a aderir ao governo de Perillo, ganhando o cargo de secretário da Educação.
O que se queria era anular um possível adversário no futuro, pois Thiago Peixoto aparecia como um político com futuro promissor. Esvaziado no governo, tentou fazer um trabalho diferenciado na Educação, mas acabou se queimando politicamente. Tanto que deixou a política e se mudou para São Paulo.
Perillo poderá alegar: abriu espaço para Alcides “Cidinho” Rodrigues e José Eliton, que se tornaram governadores de Goiás. Não é bem assim. Em abril de 2006, Alcides Rodrigues assumiu o governo porque Perillo desincompatibilizou-se para disputar mandato de senador (o mesmo aconteceu com José Eliton, em 2018).
O tucano chegou a tentar impor um candidato de grupo — do cabresto pessoal —, mas Alcides Rodrigues bateu na mesa e, com o apoio de Jorcelino Braga, então secretário da Fazenda, informou que, se não fosse candidato à reeleição, não o apoiaria para senador.
Fadiga de material e desconexão com os eleitores
Perillo parece não perceber que — para além das várias denúncias divulgadas na imprensa local e nacional — sua longevidade no poder (quase duas décadas) é também responsável pelo desgaste de sua imagem pública. Há o que se pode chamar de “fadiga de material”.
Pode-se sugerir que há uma profunda desconexão entre Perillo e Goiás. O que prova isto são os resultados eleitorais do tucano. São dados, e não interpretações ou opiniões.
Em 2018, candidato a senador, Marconi Perillo ficou em quinto lugar, com ínfimos 416.613 votos (7,55%). Ficou atrás de Vanderlan Cardoso (31,35%), Jorge Kajuru (28,23%) — ambos eleitos —, Wilder Morais (14,43%) e Lúcia Vânia (9,42%).
O candidato a governador apoiado por Perillo, José Eliton, ficou em terceiro lugar, com uma votação vexatória (13,73% dos votos). O PSDB só elegeu um deputado federal, Célio Silveira. A rigor, o PSDB virou pó.
Em 2022, no lugar de aceitar conselhos de pessoas moderadas e atentas às pesquisas de intenção de voto — sugeriam que fosse candidato a deputado federal —, Perillo disputou mais uma vez mandato de senador. Perdeu pela segunda vez — agora para o empresário Wilder Morais, do PL. O tucano obteve apenas 19,80% dos votos. Sua rejeição era alta, como prova o resultado da eleição.
O poder às vezes confere um poder quase mágico aos políticos — que são vistos como “antenas da raça”, ao “acertar mais do que errar. Mas o verdadeiro teste para um político é disputar eleições fora do poder. O grande líder sobrevive fora do poder — casos de Iris Rezende, Maguito Vilela e Ronaldo Caiado. Distante do poder, sem ter elementos para a negociação política, Perillo parece ter perdido a perspicácia. Tanto que parece ter perdido o bom senso na leitura das pesquisas de intenção de voto — nem se fala das qualis.
Mas quem está mesmo derrotando Perillo? Adversários tão fortes quanto implacáveis: os eleitores. O tucano parece não perceber que aliados o estão abandonando, não por serem pressionados, e sim para não se contaminarem pela proximidade com ele. Se os eleitores não o querem, e estão dizendo isto com seus votos, por que os políticos têm de querer? O prefeito de Uruaçu, Valmir Pedro, do PSDB, vai bancar um candidato à sucessão, Ozires Ribeiro, que é filiado ao União Brasil. Sente-se pressionado? Ele diz, nos bastidores e publicamente, que não há pressão alguma.
A alegria com a qual a deputada federal Lêda Borges, do PSDB, circula ao lado do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, é forçada? Ela sugere aos aliados que não e, assim como Valmir Pedro e Hermano de Carvalho — prefeito de Aruanã que trocou o PSDB pelo União Brasil —, sempre fala do caráter republicano, portanto não coronelístico, do gestor estadual.
Fica-se com a impressão de que os eleitores estão retirando Perillo da história atual de Goiás, não em definitivo, é claro. Porque sua história anterior a 2018 ficará e irá para os livros, porque não há apenas demérito em suas ações. Os eleitores estão retirando o tucano da história atual. Estão encerrando a história do líder do PSDB. Estão lhe tirando o presente — devolvendo-o ao passado.
O fato de morar em outro Estado, São Paulo, parece ter distanciado Perillo de Goiás e dos goianos. Não deixa de ser surpreendente que, no lugar de modernizá-lo, o Estado mais rico e poderoso do país reforçou seu provincianismo. Ser cosmopolita não é tomar vinhos de 10 mil reais ou almoçar e jantar no Fasano. É muito mais do que isto. É, por exemplo, entender o tempo em que se vive.
Seria Perillo o Rip van Winkle do Cerrado? Como se sabe, a personagem do conto de Washington Irving, escritor americano, dorme durante 20 anos e, quando acorda, não tem mais sintonia alguma com o presente. Parece que o tucano não está vendo a banda passar, porque, como no caso de Rip van Winkle, está “dormindo”. Noutras palavras, ficou fora da história — e vivo.