Há uma independência jornalística seletiva? É provável. Cileide e Pulcineli criam a “ética da pamonha” e Giro vira bunker de deputado

Daniel Vilela e Jarbas Rodrigues Jr., editor da coluna “Giro”, de “O Popular”: tutti buona gente

O jornalista Augusto Nunes, ex-editor das revistas “Veja” e “Época”, costuma contar uma história sobre as relações entre fontes e repórteres. Antonio Carlos Magalhães (1927-2007), ACM, ex-vice-rei da Bahia, disse ao colunista da “Veja Online” que há três tipos básicos de jornalistas.

O primeiro é aquele que gosta de empregos públicos para si e, quase sempre, para familiares e, vá lá, amigos. ACM dizia que era fácil contentá-lo: contratava a parentada, com fartos salários e pronto: dali só saía notícias positivas.

O segundo também não é difícil de ser contentado: basta agraciá-lo com mordomias. Visitas a Salvador e cidades turísticas da Bahia são o suficiente. Dada a mordomia, podia-se contar com notícias favoráveis. Consta que um jornalista até ganhou uma grana, e não de ACM, para publicar uma manchete garantindo que um político era o “ministro das supersafras”. A reportagem saiu, e alguém talvez tenha faturado uns trocados. Mas ocorreu um quiproquó: o jornalista Mario Sergio Conti (ex-editor da revista “Veja”), no livro “Notícias do Planalto”, decidiu revelar a história…

O terceiro jornalista, segundo ACM, é o mais desagradável. Porque não aprecia emprego e mordomias. Só gosta de notícias. O ex-governador da Bahia e ex-ministro assegurava que tal jornalista é o mais perigoso.

Algumas fotografias divulgadas nas redes sociais revelam alguma coisa sobre o jornalismo goiano. Não se está sugerindo que os jornalistas mencionados recebam “mesada” dos políticos com os quais se relacionam, mas, já que o meio jornalístico é apaixonado pela palavra ética, vale alguns comentários.

A coluna “Giro” é chamada, na redação de “O Popular”, de “o bunker do deputado federal Daniel Vilela”. Lá, não se sabe por quê, não sai notícia negativa a respeito do pré-candidato a governador de Goiás pelo PMDB, Daniel Vilela. Mas notas positivas são frequentes. O governador do Estado, Marconi Perillo, pode ser eleito vice-presidente do PSDB — o que o caracteriza como um player nacional, caso raro nos dias atuais —, mas, quando o leitor verifica o “Giro”, o destaque é o peemedebista. Comenta-se na redação, entre o reportariado isento, que o editor da coluna, Jarbas Rodrigues Jr., é amigo íntimo de dois assessores de imprensa do pré-candidato do PMDB a governador. Bruno Rocha Lima e Pedro Palazzo são, de fato, amigos de Jarbinhas, como é tratado pelos colegas. Chega-se a falar que tanto Rocha Lima quanto Palazzo mandam notas — editadas — para a coluna. Não há evidência disso, frise-se.

Uma fotografia — e é um truísmo dizer que uma imagem vale por mil palavras — mostra Jarbas Rodrigues Jr. e Daniel Vilela tomando chope num boteco. Trata-se de um encontro entre jornalista e fonte? Não se sabe. O que se sabe é que não há nenhuma fotografia do senador Ronaldo Caiado, pré-candidato do DEM a governador, e do vice-governador José Eliton, pré-candidato do PSDB a governador, tomando cerveja-chope com Jarbas Rodrigues Jr. Afinal, jornalista e fonte podem ser amigos? Podem. Mas o jornalista não deve priorizar os amigos — nas reportagens e coluna de notas, como o “Giro” — e ignorar ou menosprezar os não-amigos. Quando sobra amizade e escasseia isenção, o jornalismo vai embora pelo ralo. O fato de Daniel Vilela ter pagado a bebida e os petiscos pode ser normal em “O Popular”, mas não noutros jornais. Jarbas Rodrigues Jr. recebe um dos maiores salários da redação e é dono de uma das oficinais mecânicas — para automóveis — mais equipadas de Goiânia. Os jornais costumam pagar as contas de seus repórteres quando saem para almoçar, jantar ou “chopenizar” com políticos…

Frise-se que a fotografia foi postada — com alegria, por certo — por Jarbas Rodrigues Jr. Registra-se a preocupação de um repórter de “O Popular”: no caso, quem é fonte de quem? E fonte em que sentido?

Lúcia Vânia, Fernando Pereira, Cileide Alves, Mara Moreira e Fabiana Pulcineli: a ética da pamonha é flácida como a ética da política?

Independência seletiva

A jornalista Cileide Alves, uma profissional competente, foi editora-chefe de “O Popular” durante anos. Aproximando-se da Universidade Federal de Goiás, apresentou uma dissertação de mestrado sobre o prefeito de Goiânia, Iris Rezende. Quem leu garante que se trata praticamente de uma hagiografia. Ou até mais. O peemedebista-sênior sai da pesquisa como “chefe” de santo. Não contente, a repórter decidiu biografá-lo. Espera-se que não seja uma hagiografia.

Ao ser afastada do cargo de editora de “O Popular”, Cileide Alves teria tentado se aproximar do governo do Estado. Mas acabou postando-se como uma espécie de crítica de tudo que o tucano Marconi Perillo faz. Trata-se, pois, de uma jornalista independente? Parece que não ou sua independência é seletiva.

Recentemente, Cileide Alves organizou, em sua casa, um convescote — uma pamonhada — para a senadora Lúcia Vânia. Participaram, além de seu marido, o professor universitário Fernando Pereira dos Santos, as jornalistas Mara Moreira, assessora de imprensa da presidente do PSB, e Fabiana Pulcineli, repórter de “O Popular”.

A partir da pamonhada, Cileide Alves e Fabiana Pulcineli terão independência para criticar a senadora Lúcia Vânia? Pode-se argumentar que o encontro de Jarbas Rodrigues Jr. — que os amigos mais “chegados” chamam de Vilelinha — com Daniel Vilela ao menos se deu num lugar público, mas o convescote de Cileide Alves e Fabiana Pulcineli, na residência da primeira, lembra uma confraria. Os editores de “O Popular”, Silvana Bittencourt e Fabrício Cardoso, autorizam seus repórteres a participarem deste tipo de encontro? Os leitores dos veículos do Grupo Jaime Câmara ficam contentes ao saber que seus repórteres — no caso, uma repórter, que se apresenta como “crítica” de tudo e de todos, até como “palmatória de Deus” — fazem e servem pamonha para políticos? Será que os leitores não terão a impressão de que as reportagens de Fabiana Pulcineli daqui pra frente, quando se tratarem da senadora do PSB, serão verdadeiras “pamonhas”?

Andreia Bahia, amiga de Cileide Alves e Fabiana Pulcineli, ganha mais de 16 mil reais no Senado, como assessora da senadora Lúcia Vânia

Ao participar do convescote-pamonhada, a senadora Lúcia Vânia espera o quê? Matérias mais amenas de uma jornalista que parece se considerar como integrante das oposições ao tucanato? Mas fica a dúvida: quem é a fonte de quem?

Ah, a jornalista Andréia Bahia, ligada a Cileide Alves e Fabiana Pulcineli, foi agraciada com um cargo no gabinete da senadora Lúcia Vânia… Recentemente. Salário: R$ 16.429,19 (cargo: secretária-parlamentar). A pamonhada está justificada? Talvez. É tutti buona gente.