Amauri Ribeiro caiu no “canto da sereia” do microfone da tribuna?

11 junho 2023 às 00h07

COMPARTILHAR
Política é, entre muitas coisas, a arte de manejar as próprias palavras. Ou a ausência delas, o que, muitas vezes, pode ser mais produtivo do que qualquer discurso contundente.
Aparentemente um instrumental inofensivo, o microfone da tribuna dos parlamentos se transforma em poderosa arma, que deve ser usada com parcimônia. Para quem se atém à mitologia, o microfone está para o orador assim como a sereia está para o marinheiro. Portanto, todo cuidado é importante.
O discurso do deputado estadual Amauri Ribeiro semana passada, na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), repercutiu nacionalmente – não da forma que ele desejava. Nos corredores da Casa, o que se diz de Amauri Ribeiro é que, distante do perfil que apresenta no plenário e especialmente quando sobe ao púlpito, é “gente boa” e se relaciona bem com as pessoas.
O parlamentar do União Brasil chegou ao cargo em 2018, eleito pelo pequeno PRP – que depois foi “anexado” pelo Patriota, por conta da cláusula de barreiras – com expressiva votação no município de Piracanjuba, a 85 quilômetros de Goiânia, onde havia sido vereador e depois prefeito de 2013 a 2016. Sua reeleição ao Legislativo goiano, em 2022, foi sinal de aprovação do primeiro mandato: teve 35.060 votos, superando em mais de 10 mil o número alcançado quatro anos antes.
Pode-se dizer muita coisa de Amauri, menos que não seja popular e que não fale o que pensa. Seu jargão “tá dado o recado!” caiu no gosto das redes sociais, na interação com seus seguidores. E foi para esse conjunto, basicamente seu eleitorado – que se identifica com ele exatamente por “dizer o que pensa” –, que ele discursou dias atrás, quando da soltura do coronel PM Benito Franco, acusado de participar de atos golpistas e que ficou preso após pedido da Polícia Federal chancelado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Foi no microfone da tribuna da Alego que, ao tomar as dores do militar – solto, mas agora monitorado por tornozeleira eletrônica –, o deputado fez um jogo de palavras contra si mesmo, ao dizer “podem me prender”, como uma forma de ressaltar que o coronel, em sua visão, nem deveria ter sido preso. Se seu dizer foi em si desnecessário (seduzido pelo “canto da sereia”?), a forma com que fez foi efusiva e temerária. Chamou a atenção da mídia nacional e da Polícia Federal, que achou por bem atender ao “pedido” do parlamentar e solicitou sua prisão.
Como desdobramento por parte de Amauri, o caso está nas mãos do escritório do ex-senador e competente advogado criminalista Demóstenes Torres, que entrou com um pedido de habeas-corpus preventivo. Poucos profissionais no País são tão indicados para cuidar de casos assim, tanto que está com ele também a defesa do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres. Mas, de qualquer forma, algum prejuízo – gasto financeiro ou privação de liberdade – o deputado já pode contabilizar.
Em sua defesa, Amauri tem feito questão de ressaltar que ajudou pessoas “carentes” que estavam em frente ao quartel-general do Exército em Goiânia. E que de forma alguma não apoiou os “baderneiros” que perpetuaram os atos do dia 8 de janeiro, que ele não relaciona aos protestos nos QGs. Daí veio, portanto, seu questionamento sobre a legalidade da prisão dos “patriotas” e do coronel Franco.
Apoiar com suprimentos aqueles que acamparam durante meses em uma área irregular, de acordo com a lei, pedindo intervenção das Forças Armadas para que o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não assumisse seu mandato é, em outras palavras, dar suporte a quem estava implorando pelo cometimento de um crime gravíssimo – um golpe de Estado militar. O que é ponto polêmico, inclusive entre juristas, não é sobre ser pedir golpe ser crime, mas sobre sua gravidade. Fica a reflexão, para a situação do deputado e outras com alguma similaridade: não seria mais produtivo, para os mandatos e para o que a coletividade espera do Legislativo, que o “sedutor” microfone da tribuna fosse usado para debates mais propositivos?