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Cinema
Egressos da UEG realizam documentário sobre imigrante em Goiás

Egressos do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás (UEG), produzem documentário sobre o cotidiano de uma imigrante camaronesa em Goiânia. A rotina do dia a dia, a distância da família e a solidão vivida numa metrópole por Grace Elvira Habit, estudante universitária de 22 anos, são os principais temas tratados em Courage, curta-metragem dirigido por Leonardy Sales e Victoria Nolasco.

“O que guiou nosso processo foi a busca em estabelecer um recorte sobre a vida da Grace, e a partir disso criar um retrato que pudesse dialogar com qualquer público. A partir do cotidiano que mostramos no filme, qualquer pessoa pode se identificar com aquela vivência mostrada ali, na tela”, pontua o fotógrafo e cineasta Leonardy Sales, de 22 anos.

De acordo com a equipe, o objetivo do filme não é o de generalizar uma noção sobre a experiência de um imigrante e projetá-la na figura de Grace. “Ao mostrarmos para o espectador como é a experiência de se viver numa terra estrangeira e longe da família, distante da familiaridade cultural e tudo o que ela envolve, nós também lançamos um novo olhar sobre aquilo que está próximo e vivenciado por nós mesmos. Vemos Goiânia e a nossa cultura com outra percepção”, explica a produtora e co-diretora Victoria Nolasco, de 28 anos.

O documentário, que foi realizado com recursos da Lei Paulo Gustavo, do Governo Federal, e operacionalizado pelo Governo de Goiás, por meio da Secretaria de Estado da Cultura, é uma produção independente e foi realizado com uma equipe reduzida. “Ainda bem, porque na minha casa mal estava cabendo as pessoas que faziam o filme”, brinca Grace Habit, de 22 anos.

“Eu sempre quis ser atriz mas, quando meus amigos me chamaram para fazer parte do projeto, eu nem acreditei. E confesso que tive muito medo. Porque não era uma personagem fictícia que queriam que eu performasse, mas queriam filmar a mim mesmo”, conta a estudante de publicidade.

Para Grace, compartilhar dos momentos de felicidade com os amigos brasileiros e relatar sobre sua angústia de estar longe de casa e da família foi um momento delicado. “Me senti muito exposta, mas também me senti protegida, e percebi que todas minhas inseguranças eram acolhidas. Em momento algum eu esqueci que quem estava por trás das luzes e das câmeras, quem usava os fones e o gravador, não era somente uma equipe de profissionais sérios, mas também eram meus amigos. Eles já sabiam de boa parte do que eu sentia e pensava sobre o que estou vivendo aqui em Goiânia, tão longe de casa”, relata Grace.

Os diretores reforçam que o filme é também uma celebração da amizade. “Nós escolhemos a Grace porque nossa vida foi transformada por ela. Assim como ela se sentiu exposta, nós também sentimos o peso da responsabilidade que é o de expor a sua intimidade. E mostrar isso com a mesma sinceridade que ela guardava só para si ou para as nossas rodas de conversa e confraternização”, expõe Victoria.

“É por tudo isso, pelas experiências da Grace no Brasil, pela coragem e o constante sorriso no rosto com que ela encara a vida, por nossa tarefa de fazer um cinema independente e que destaca a nossa cultura e as pessoas que a enriquecem, que o título do nosso filme não poderia ser diferente. Só é possível explorar os limites da criação artística com coragem, e para uma arte que só é feita em coletivo, nós nos abastecemos dela apoiando uns aos outros”, conclui Leonardy.

Courage terá estreia na sessão Cine Nepretude – Produção Audiovisual Negra em Goiás, organizada pelo coletivo Cine Nepretude e Cineclube Laranjeiras. A mostra se realizará no dia 19 de novembro, às 19 horas, no auditório 1 da Assembleia Legislativa de Goiás (ALEGO).

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Surgido como um produto tecnológico fruto da revolução industrial, o cinema transformou-se em arte após muitas críticas à sua existência em seus primeiros anos, em especial à sua natureza voyeurística, aproximando-se mais de peep shows e espetáculoscircenses do que de uma experiência propriamente estética. No princípio, mais do que contemplar, buscava-se vigiar e espiar, e os donos das primeiras salas de cinema pouco se importavam com a elevação do meio rumo à arte uma vez que seus bolsos estavam constantemente cheios.

Conforme inúmeras mudanças aconteceram no curtíssimo espaço de tempo que foram as décadas iniciais do século XX, entre as quais o crescente desinteresse por um meio que perdia sua novidade e, em contrapartida, o surgimento de uma linguagem cinematográfica estadunidense originada por D. W. Griffith, percebeu-se que a relação observacional do espectador para com a tela não deixou de existir. Pelo contrário, houve uma significativa mudança em como a audiência olhava para as imagens, especialmente quanto àquilo que buscava imaginar a partir dos 24 quadros por segundo. Conforme o inesperado deixou de ser inédito, o cinema viu-se na obrigação de transformar-se em sentimento.

Nesse sentido, conforme as audiências amadureciam lado a lado com o próprio cinema, urgia a criação de obras que falassem e dialogassem com as complexidades emocionais dos indivíduos que compravam ingressos e lotavam salas pelo mundo. Mundo esse que se tornava cada vez mais sombrio e cruel. Assim, entre as décadas de 1930 e 1950, a Sétima Arte consolidou-se, mais do que somente na relação de indivíduos para com o espaço em um recorte temporal de movimento, como 24 sentimentos por segundo. Sob essa ótica, nenhum cineasta é tão sentimental, completo, simultaneamente clássico e moderno como Nicholas Ray.

Falar de Nicholas Ray é falar de um olhar muito raro para com a própria sociedade estadunidense. Um olhar acusatório perante a sociedade enquanto simultaneamente afaga os excluídos e busca entender as vítimas das garras de um sistema econômico que não poderia interessar-se menos pelo que é ser humano. Surge assim Johnny Guitar, lançado em 1954 buscando olhar para um dos períodos mais violentos da história dos Estados Unidos.

Centrado na luta de Vienna, magistralmente interpretada por Joan Crawford, dona de um saloon que recebe os indesejados da região, contra as pessoas de bem que buscam apossar-se de suas terras, Johnny Guitar, intitulado graças ao personagem misterioso de mesmo nome interpretado por Sterling Hayden,é, para além de um filme genial, uma narrativa profundamente funcional em sua simplicidade. Mais do que isso, éuma obra-prima em que cada gesto é muito mais que um mero ato, mas sim uma confirmação simbólica de um olhar estético perante um gênero de muitas contradições que é o western, em um tempo no qual o mero ato de existir era uma pulsão de violência.

Pode-se chamar essa obra de anti-western, western definitivo, melodrama disfarçado de western, western camp... o que importa é que se trata de um dos (muitos) filmes definitivos do cineasta americano definitivo. Daquele que é, provavelmente, o gênero americano definitivo. Feito por um cineasta que, em um gênero profundamente problemático quanto ao trato das mulheres, posiciona duas personagens femininas como fios condutores da trama, isso ainda com alguns traços sutis e intertextuais de homoerotismo. Um cineasta que, em uma época de perseguições políticas cegas, coloca o establishment como o grande vilão da obra, em sua perene busca enquanto artista por defender os indefensáveis perante o olhar hegemónico e representar os esquecidos e não pertencentes. Há algo mais triste e comum do que simplesmente não pertencer?

Para além de um dos mais clássicos usos do tecnhicolor, Ray eleva seu uso corriqueiro da linguagem para além de suas costumeiras resoluções cénicas em um plano geral/conjunto mais alongado e, a posteriori, um contraplano mais próximo e mais um plano de descrição para um uso quase espiritual da luz. Uma luz muito chapada, onipresente e controlada que ilumina todas as ações quando há embates e que, quando o amor se revela, é reduzida a um mero recorte dos rostos a se fundirem e, quando o amor se finda momentaneamente, a luz natural quase estourada a mostrar como, naquele ambiente e naquela junção de espaços, não há nada nativo para além da violência.

Nicholas Ray foi, desde sempre, alguém com um viés social muito forte e que, ainda assim, por saber que é um artista, propõe muito mais um olhar estético e poético através de imagens-símbolos do que resoluções sociais. Não só por trabalhar em um período de censura arraigada em Hollywood, mas por compreender muito bem o papel do artista e a inutilidade da arte em si. E o final não poderia ser mais artístico. É a completa subversão em forma de romance. É um olhar sobre uma sociedade doente a partir de um dos mais belos olhares estéticos já feitos em celuloide. Afinal, não é para isso que existe o cinema?

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A “Armadilha” da imagem e a sedução dos bons modos

Por Diogo Alves

É inconcebível pensarmos em um mundo contemporâneo sem imaginarmos uma existência centrada por imagens. Tudo o que vivemos, experienciamos e sentimos é, de certa forma, mediado por uma criação imagética. Seja através de uma série de fotografias feitas durante uma viagem ou posts em redes sociais de pessoas com as quais possuímos pouquíssimo contato não virtual, a realidade em que vivemos é, inevitavelmente, uma existência visual.

Imagem, todavia, em um mundo constituído de experiências visuais, não se limita exclusivamente ao olhar, mas relaciona-se também com a percepção que temos de certas existências. A maneira de se comportar, a pronúncia das palavras ao se comunicar, os gestos corporais e o posicionamento social diante das situações cotidianas constituem uma poderosa maneira de estabelecer uma imagem não visual que legitima as ações e a vivência de um indivíduo perante seu meio. Se bem encenada e repetida à exaustão, trata-se de uma poderosa máscara com a qual pode-se atravessar qualquer situação.

M. Night Shyamalan é um diretor que, desde seus primeiros trabalhos, preza pela imagem enquanto mediadora da narrativa. Trata-se de uma das características mais louváveis que um cineasta comercial pode ter. Pensar naquilo que vemos como um guia formal para o desenvolvimento da história, e não como uma muleta cosmética ou como algo complexo por mera firula visual. Nesse aspecto, Armadilha (2024), seu lançamento, é um de seus filmes que mais leva adiante a ideia da imagem enquanto legitimador da realidade, em especial devido às condições psicológicas de seu protagonista.

É justamente através da centralidade de Cooper, em uma interpretação de altos e baixos de Josh Harnett, que Shyamalan consegue demonstrar suas principais virtudes. Assistir a um de seus filmes, quer seja extraordinário como A Visita (2015), Tempo (2021) e Corpo Fechado (2000) ou ruim como O Último Mestre do Ar (2010), é ter a certeza de deparar-se com uma decupagem no mínimo profundamente criativa e estimulante, e Armadilha é um excelente exemplo disso. O que há de melhor aqui é a maneira como os planos relacionam-se, a princípio, com uma relação amorosa entre pai e filha, mas sempre inserindo um elemento de estranhamento, e o posterior uso dos ângulos não convencionais e das linhas de fuga conforme adentramos mais na perturbada psique de nosso protagonista, levando-nos a refletir sobre como a confiança cega em imagens pode nos levar a lugares sombrios tal qual ao simpatizarmos por um assassino em série psicótico.

Assim como em seus melhores trabalhos, o filme possui um dispositivo central muito claro e um recorte espacial profundamente bem definido. Em uma época na qual as superlotações em shows geram notórias tragédias, existe algo mais aterrorizante do que escapar de um silencioso cerco persecutório em um grande concerto de uma diva pop? Shyamalan aproveita-se muito bem da constante busca pelo escape enquanto dispositivo, e a arena lotada não só delimita muito bem os acontecimentos, mas serve também como gatilho para uma série de ações que levam a trama adiante e centralizam-nos ainda mais na psicose que media nossa visão perante aquele mundo.

É justamente na arena e no show que estão os grandes momentos da obra. Destaque para a forma como os close-ups de Cooper vão tornando-se cada vez mais invasivos e os espaços enquadrados em planos abertos são usados para gradualmente aproximá-lo dos policiais e dos agentes de segurança, ainda que sempre separados por um elemento como uma parede ou uma porta, ressaltando a dicotomia entre proximidade e impossibilidade, e especialmente, a maneira como a diva pop Lady Raven sempre é mostrada em planos gerais, muito distante e sempre enquadrada em conjunto com sua imagem maximalizada no telão. Não seriam as pessoas que mais admiramos e que mais nos tocam, para além de muito distantes de nossas vivências, meras imagens que projetamos a partir de performances de si mesmas? E o que acontece quando elas deixam de ser meros ícones acima de um palco?

Tais escolhas visuais e narrativas de um cineasta cujos filmes têm algumas das decupagens mais criativas do cinema contemporâneo, alinhada ao talento magistral de Sayombhu Mukdeeprom, diretor de fotografia tailandês que assina trabalhos como Me chame pelo seu nome (2017) e Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas (2010), notório pelo seu olhar único diante dos espaços e pelo domínio do uso da película, criam uma obra que não somente é uma confirmação de todo o cinema de Shyamalan, mas especialmente uma subversão de tudo o que há de marcante em suas obras. Para além da lógica da imagem, aqui distorcida para nos levar a refletir em como confiamos plenamente em tudo o que vemos, especialmente se for guiada por alguém com rosto e atitudes de bom moço, a ingenuidade possui um papel muito marcante, refletida por Jamie, trabalhador que confia demasiadamente e entrega tudo única e exclusivamente por confiar em demasia naquilo que vê.

A partir do momento em que abandonamos a arena, todavia, é que as coisas se tornam mais problemáticas. O que era muito delimitado nas ambientações do show vai se perdendo na maneira como Shyamalan anseia por subverter a si mesmo, e o abandono da lógica de reflexão imagética para a inserção nos meandros da psicopatia leva a uma série de situações frustrantes que anulam muito do que havia sido construído antes. Um homem aparentemente comum torna-se alguém quase tão poderoso e cheio de recursos com um super-herói, e tal mudança não poderia estar mais distante daquilo que há de melhor na obra.

A ingenuidade juvenil, simbolizada por uma situação que vai do céu ao inferno através de um piano e resolvida por uma rede social, sempre mediada pela figura de Lady Raven, agora não mais ícone e, portanto, enquadrada em planos próximos, contraposta com a infância perturbada justamente pela falta de inocência, apresenta um meandro muito preguiçoso para o desenrolar da obra, e é triste observar como as coisas desmoronam do meio do segundo ato em diante. Mesmo que central em seus filmes e já utilizada antes em Armadilha, a ingenuidade perdida aqui trata-se mais de uma artimanha batida de roteiro do que qualquer outra coisa. Mesmo os melhores momentos descambam em algo problemático, como a cena do encontro entre a esposa Rachel, iluminada à Rembrandt e consequentemente retratada sob um viés de sanidade, e o marido Cooper, com o rosto iluminado somente pela parca luz ambiente, já totalmente entregue à fúria, de uma construção visual impecável que desemboca em uma fraca conclusão que não poderia ser mais simbólica do desmoronamento que assola o filme.

Conceitualmente, a ideia de um mundo desmoronando a partir do momento em que a psicose abandona um ambiente controlado é o cerne da obra. Entretanto, Shyamalan confia tanto na subversão do que há de mais marcante em seu cinema e de um aprofundamento da lógica hitchcockiana do suspense que acaba tropeçando em suas próprias pernas. Às vezes, a consciência de que há uma bomba sob uma mesa e que ela pode explodir a qualquer momento é muito mais funcional do que acrescentar incontáveis elementos e artimanhas abaixo e acima dessa mesma mesa. E a conclusão não poderia ser mais simbólica de como as coisas se perdem completamente.

Ainda que M. Night Shyamalan seja um dos grandes nomes do cinema contemporâneo e um contador de história com uma das vozes mais singulares da Sétima Arte, é decepcionante pensar como, algumas vezes, acaba se perdendo nas peculiaridades e na profunda suavidade de seu próprio timbre. É notável que Armadilha possui uma primeira metade de almanaque, prendendo-nos em nossos assentos através de uma construção visual e narrativa extraordinária e imersiva, mas não deixa de ser frustrante observar como as coisas desmoronam próximas ao final. Shyamalan nos ensina aqui que não devemos confiar em demasia nas imagens para não nos decepcionarmos e nem nos surpreendermos negativamente. É uma pena que essa lição se aplique ao seu próprio filme.

Cinema
Por um cinema cristalino como aquilo que vemos com os olhos fechados

Diogo Alves

A história do cinema é um eterno gênese que se confunde com sua própria busca por aceitação. Entendendo-se como arte qualquer expressão que, acima de tudo e essencialmente, possua existência e experiência estética, uma pintura, uma escultura, um poema e uma peça teatral não possuem qualquer obrigação social, moral ou intelectual a não ser meramente a de exercer uma jornada estética. Portanto, qual é a existência artística de uma inovação tecnológica fruto da revolução industrial cujo objeto final, o retrato fidedigno de um acontecimento, em nada se diferencia daquilo que enxergamos de olhos abertos?

Qual o valor estético de um trem, totalmente em foco, chegando a uma estação no final do século XIX, retratado como mera realidade? Curioso pensar, todavia, que atualmente, alguns dos maiores estetas cinematográficos se baseiam na mera representação do real como ele de fato é. O quão insignificantes são pequenas ficções científicas que em pouco se diferenciam dos teatros de marionetes, vaudevilles e bordeis destinados às classes baixas francesas no início dos anos 1900? Interessante pensar como, em contrapartida, o maior diretor estadunidense das últimas quatro décadas se apropria justamente da dimensão mais circense e primitiva da Sétima Arte. Qual a legitimidade de uma arte que, ao aprofundar-se minimamente além daquilo que nossos olhos testemunham ao encontrarem-se abertos, foi responsável pelo ressurgimento de inúmeras manifestações opressivas em celuloide, louvando valores abjetos como o racismo e o colonialismo?

Para além somente do valor de utilidade, incabível ao pensar-se em arte, algo que o cinema demorou a provar-se como, destaca-se também como a repetição levou à falta de atratividade de algo que capta, para além dos rostos e corpos tão distantes daqueles que observamos em nosso dia a dia, lugares que nunca veremos ou presenciamos em demasia. Jean-Claude Carrière, na introdução ao fantástico “A linguagem secreta do cinema”, nos conta sobre como os colonizadores franceses, no pós-Primeira Guerra Mundial, levavam o cinema à porção norte da África como uma forma de mostrar a mais nova invenção industrial europeia e como uma forma de ressaltar os valores coloniais e raciais desse povo cujo toque é tão destrutivo como o de Midas é reluzente.

Ressalta-se, entretanto, que devido aos valores islâmicos de boa parte dos habitantes do norte africano e, consequentemente, o fato de não poderem representar a face e a forma humana, criações divinas, os levavam a fechar os olhos por completo assim que a luz do projetor tocava a superfície branca da tela. Ainda que tardiamente, o cinema desenvolveu uma base linguística muito sólida, eternamente em movimento e que ajudou a consolidá-lo como expressão artística. Conceitualmente, uma das primeiras funções da linguagem que se aprende é que se não há receptor, todo o resto é em vão. Entretanto, cinema é mais do que mera linguagem. É arte.

E como arte, não há necessidade alguma além da existência estética. O quão bonita é uma paisagem vista através das pálpebras fechadas, com a pele atravessada pelos raios solares, composta pela luz invasora e pela imaginação fruto dos sons arredores? Em nossos sonhos, quantas vezes nos enxergamos presenciando as mais maravilhosas ou sombrias realidades somente para acordarmos e ou nos decepcionarmos ou nos vermos vivos novamente, por mais um longo dia? Não estariam aqueles povos que, ao recusarem-se a ir contra os mandamentos de Deus, mostrando-nos o verdadeiro caminho e a melhor forma para experienciarmos o cinema e a arte?

Escrevo essas palavras pois creio que a Sétima Arte se encontra em uma de suas piores crises estéticas e de linguagem do século XXI. Um filme perde toda a sua magia se, em um universo ficcional, a mais banal das leis da física é desrespeitada. Um personagem perde todo seu carisma se toma uma decisão que fuja um milímetro da longa e retilínea calçada da lógica. Um diretor torna-se um canalha quando um de seus filmes possui uma mensagem (ou não possui mensagem alguma) que desafie minimamente o mais comum dos sensos e o melhor dos costumes.

A profusão e a perpetuação de imagens ao nosso redor não só substituiu o mundo em que vivemos, mas tornou-nos insensíveis e, acima de tudo, insuportáveis. Muito porque nossos olhos estão tão abertos que não possuímos mais pálpebras, mas somente uma membrana tão cristalina como as imagens digitais geradas pelas câmeras cinematográficas que possuímos hoje em dia, e que lentamente estão esvaziando a estética cinematográfica e a maravilha da surpresa. Pedaços de pele esses que, assim como os personagens dos filmes moralistas e demasiadamente bonzinhos que assistimos, recusam a tocarem-se. Luís Buñuel, parceiro recorrente de Carrière, era um grande visionário, mas não creio que em seu “Cão Andaluz” ele imaginava que uma navalha poderia abrir um olho de uma forma tão irrecuperável como a que nos encontramos hoje.

Não creio que se trata de um mal maniqueísta, e muito menos de um problema que requer solução. Defendo somente que a falta de sensibilidade deva ser tratada com uma busca diferente. Com um fechar de olhos. Com um cinema cujas imagens sejam tão cristalinas como os raios de sol que invadem nossas pálpebras cerradas. Com um cinema cujos cenários sejam tão nítidos como as silhuetas sombrias e noturnas de magníficas montanhas recortadas por um céu nublado. Por um cinema com histórias e mensagens tão louváveis como um casal de bandidos juvenis que aprendem a se amar em uma rodovia em meio a assaltos. Por um cinema, como teorizado por Andrei Tarkovski, que se rememore da ausência de regras em sua própria lógica de funcionamento existencial. Por um cinema, como disse Stan Brakhage, um dos maiores cineastas experimentais de todos os tempos, onde pode-se “imaginar um mundo vivo, com objetos incompreensíveis e reluzente com uma infinita variedade de movimento e inumeráveis gradações de cor. Imagine um mundo antes do princípio ser verbo”.[1]

Mais do que somente antes do princípio ser verbo, por um cinema onde tudo é inconsequente e inesperado. Onde histórias e verossimilhanças são irrelevantes, pois o que valem são as emoções que escutamos e sentimos com nossos cristalinos olhos fechados e nossas almas abertas. Abel Gance já dizia que “o cinema é a música da luz”, então que não tenhamos medo de dançar diante da luz e bailar para a sombra. Arte não é vida real, e o cinema é arte. As vinte quatro fotogramas por segundo são alquimia, e acima de tudo, experiência. Irreal, real ou surreal, o que vale a pena, caro leitor, é estar aberto a experienciar as imagens em movimento e deixar-nos guiar por sua magia.


[1] Stan Brakhage, “Metáforas da Visão”. Traduzido pelo autor do original em inglês