Uma empresa pode praticar crime?

29 agosto 2023 às 10h51

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Thiago Costa dos Santos
Especial para o Jornal Opção
Em um passado não muito distante, o ápice da carreira do advogado criminalista era realizar uma sessão do Tribunal do Júri (rito que julga os crimes dolosos contra a vida). Diversos filmes de Hollywood ilustram o juiz sentado ao centro de uma grande mesa, o órgão acusador ao seu lado direito, e o defensor em uma mesa menor, mais afastada, juntamente com o réu. Enquanto isso, assistindo a tudo, uma plateia tomada por todo tipo de emoção.
Hoje, o cenário é outro. Os crimes estão mais complexos. Os casos de maior repercussão midiática não são mais homicídios, mas sofisticados esquemas de organizações criminosas. Dentre os principais, o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e a corrupção.
O crime de lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/98) nada mais é do que ocultar ou dissimular a origem ilícita de bens, direitos ou valores. Ou seja, é um crime praticado após o recebimento do produto de outro crime. É o caso, por exemplo, do traficante que compra um imóvel em nome de um “laranja” com o dinheiro do tráfico, ou um empresário que envia para sua offshore o dinheiro obtido através da prática de corrupção.
Com isso, utilizam-se pessoas jurídicas para a execução de tais delitos. Não é raro, portanto, a menção de empresas nas manchetes que tratam de escândalos criminosos. Na Operação Lava-Jato, por exemplo, diversas foram investigadas.
Posso concluir, então, que as pessoas jurídicas devem responder criminalmente? Sim, mas não nesses casos. Apesar de elas serem constantemente utilizadas nos crimes citados e outros como os tributários, licitatórios, falimentares etc., apenas a Lei nº 9.605/1998 prevê tal responsabilização.
A referida lei estabelece o rol de crimes contra o meio ambiente. O seu art. 3º dispõe que “as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei[…]”. Isto é: a pessoa jurídica poderá responder criminalmente quando, por meio de seu representante legal ou órgão colegiado, praticar crimes contra a fauna (art. 29 ao art. 37), a flora (art. 38 ao 53) e outros crimes ambientais (art. 54 ao 69-A).
Imagine uma empresa sendo algemada e conduzida para a penitenciária. Ou melhor, imagine os policiais construindo uma cela em volta da sede da empresa para que ela cumpra ali a sua pena de prisão. Ao mesmo tempo em que peço desculpas pela construção dessa cena esdrúxula, informo que as punições das pessoas jurídicas devem ser compatíveis com a sua natureza.
Diante disso, o legislador estabeleceu no art. 21 da mesma Lei que a elas serão aplicadas as sanções de multa, restritivas de direitos (suspensão das atividades, interdição, proibição de contratar com o Poder Público etc.) e prestação de serviços à comunidade (custeio de programas e de projetos ambientais, execução de obras de recuperação de áreas degradadas, manutenção de espaços públicos e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas).
O tema é bastante rico e fundamental para todos os empresários que buscam administrar o seu negócio de forma diligente e cuidadosa. Conhecer os riscos é o primeiro passo para evitar surpresas indesejadas.
Thiago Costa dos Santos, mestre em Direito Constitucional, é da banca de Compliance e Direito Criminal do escritório Demóstenes Torres Advogados Associados.