Sobre o vô. “Amargo, não”
19 novembro 2022 às 10h20
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Por muito tempo eu deixei de assinar (até hoje na verdade) um dos meus sobrenomes. Lembro de um professor que me dizia que nome era destino e definitivamente não gostaria de seguir nenhum vaticínio.
No meu diploma de formatura estava lá: Aline Bouhid C. Farias. Uma das minhas tias, da Cidade de Goiás, ligou para minha mãe reclamando: por que a Aline não usa o Camargo? Na cabeça dela pairava a dúvida: teria ela alguma vergonha do avô Benedito Camargo? Meu avô morreu em 92.
Lembro que foi o primeiro defunto que vi na vida. Foi também a primeira vez que prestei atenção ao teto da loja maçônica e ainda não sabia quem era Michelangelo ou a capela Sistina. Era dezembro. Chuva e calor intensos. Intenso como meu avô.
Decidi ler seus livros de medicina legal. Só agora. Só perto do meu aniversário fui buscar saber mais sobre esse médico super engraçado, humano, bondoso, perspicaz, de linguagem tão fácil e inteligente que dá nos nervos. Antes, havia ficado presa no outro lado dele. Ele não foi um bom marido para minha avó, era machista, infiel, abusava de álcool e era violento.
Só que além de ter aquelas qualidades lá de cima, e dos defeitos, ele era um bom avô. Um excelente avô. Ele me visitava todos os dias. Todos os netos e todos os dias. Final da tarde quando saia do consultório médico. E temos ótimas histórias de pamonha no final de tarde, melancia com açúcar e teatros imaginários. Sobre teatros imaginários, existe um caso a parte que virou palestra dele e um dia escrevo sobre isso.
Uma lembrança que estou repetindo é que ele comprava minhas notas. Estou fazendo o mesmo com o Zeck agora. Para cada nota cem, cem dinheiros. Na psicologia da coisa fiquei tão empolgada em ganhar mais dinheiro para comprar papel de carta na papelaria da T2 que me esforçava para ser a primeira da sala e garantir a pasta cheia de papéis cheirosos e coloridos.
Camargo. Ainda não uso o sobrenome, e não porque teria vergonha como a tia Maria perguntou sem usar todas as palavras. Só não o uso porque posso, como diria tio Inácio Camargo: fiz, porque assim o quis.