Revolução de 1924, uma ferida esquecida

09 julho 2024 às 20h14

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Herbert Moraes
Desde 1997, dia 9 de julho é feriado no Estado de São Paulo. Naquele ano, Lei 9.497 foi aprovada pela Assembleia Legislativa e promulgada pelo então governador Mário Covas, que instituiu o 9 de Julho como Data Magna do Estado. A guerra civil que ganhou ares de revolução durou 90 dias e terminou com a rendição dos paulistas em 2 de outubro de 1932. Na capital paulista, duas avenidas que, até hoje, são uma das principais artérias do caótico trânsito da cidade, foram batizadas com as datas que marcam a Revolução Constitucionalista de São Paulo: a 9 de julho e a 23 de maio.
A primeira é considerada a data em que estourou a rebelião armada e quando voluntários começaram a se apresentar para a formação do exército que lutou pela causa paulista. Já a segunda data, lembra o dia considerado o estopim da fase armada do levante, quando 4 estudantes morreram após a invasão de tropas federais ao escritório do Partido Popular Paulista.
Os quatro universitários, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, tornaram-se mártires do movimento, que adotou as iniciais dos seus nomes como a sigla da causa: MMDC. O que pouca gente se lembra, e que foi extirpado dos livros que contam a História do país, é que, há exatos cem anos, em 9 de julho de 1924, os paulistas também foram às armas e provocaram uma outra guerra que, assim como em 1932, terminou em uma derrota sangrenta, após o bombardeio da capital paulista por aviões da Força Aérea Brasileira, por ordem do governo federal, à época sob a tutela do mineiro Arthur Bernardes, considerado o pior e mais cruel Presidente do Brasil.
Em 05 de julho de 1922, eclodiu no Rio de Janeiro, a famosa “Heroica Revolta dos 18 do Forte”, uma insurreição militar liderada por tenentes do Forte de Copacabana contra a fraude das urnas, a corrupção (que nessa época passava longe dos quartéis) e contra partidos considerados de centro, que na época estavam nas mãos da bancada ruralista que desde 1897 comandavam o Brasil através da República do café com leite, quando a cada quatro anos era eleito um Presidente que vinha de Minas Gerais ou de São Paulo. o Movimento dos 18 do Forte, marcou os tenentes como militares progressistas, que lutavam por um país menos arcaico, desigual e mais industrializado. Um movimento que acabaria por ser a faísca inicial de uma série de outras revoltas que, ao fim, destituiu a República Velha, em 1930, com a revolução que levou Getúlio Vargas ao poder, dando início ao Estado Novo.
Em 1924, a data que lembrava o levante dos 18 do Forte, 05 de julho, tornou-se tão simbólica que o dia foi instituído por grupos rebeldes, para marcar o início de várias insurreições militares que eclodiram pelo Brasil, em estados como no Sergipe, Bahia, Amazonas e São Paulo. No norte e nordeste, o Governo Federal retomou o controle do poder rapidamente mas, em São Paulo, os grupos rebeldes conseguiram tomar a capital que foi ocupada durante três semanas. O movimento era comandado por um gaúcho, General Isidoro Dias Lopes, um veterano da Revolução Federalista de 1893, no Rio Grande do Sul. O Major Miguel Costa, comandante do regimento da Cavalaria da Força Pública de São Paulo, também liderou a revolta. Pouco tempo depois, ele viria a ser o líder da Coluna Miguel Costa- Prestes, que no início não era Coluna Prestes como ficou conhecida.
O tenente Joaquim Távora também era um dos líderes da guerra paulista. Joaquim era irmão de Juarez Távora, um outro tenente ligado aos rebeldes, assim como o tenente Eduardo Gomes, que tinha sido um dos líderes dos !8 do Forte e havia retornado do exílio na Argentina para participar da Revolta paulista. Muitos anos depois, os dois concorreram duas vezes à Presidência do Brasil, mas foram derrotados nas urnas. Outro líder do levante de 1924, era o “feroz” tenente João Cabanas, um homem perigoso e assassino que liderava a Coluna da Morte e, por fim, o tenente Filinto Müller, um torturador, considerado, até hoje, o homem mais perigoso do país. O objetivo da Revolução de 1924 era derrubar o Presidente Arthur Bernardes, considerado o inimigo número 1 dos militares.
O Presidente havia fechado o Clube Militar, mandou prender o ex-Presidente do Brasil, Hermes da Fonseca que era irmão do Marechal Deodoro da Fonseca (o primeiro presidente do Brasil) e colocou no comando do Ministério da Defesa um civil, algo inaceitável pelos militares. No entanto, embora os militares tenham planejado a Revolução Paulista
detalhadamente, sua eclosão foi caótica. Começou com a tomada, em 5 de julho, por 2600 soldados rebelados, dos quartéis do Exército e da Força Pública no bairro da Luz em São Paulo, assim como a Estação da Luz e a Estação Sorocabana que viria a ser a Estação Júlio Prestes. Mas os rebeldes se esqueceram de cortar algo crucial numa Revolução: a comunicação. Nem as linhas telegráficas ou as telefônicas foram cortadas, e isso permitiu que o Presidente Arthur Bernardes fosse prontamente avisado. Assim, o chefe do executivo pôde reagir rapidamente, dando início a um contra-ataque.
Mas antes da chegada das tropas legalistas à São Paulo, as forças rebeldes abriram fogo contra o Palácio dos Campos Elíseos, sede do Governo do Estado, onde ficava o Presidente do Estado, como se chamava o Governador naquela época. |No dia 6 de Julho, o primeiro contingente das tropas federais chegou ao Estado vindo do Rio de Janeiro para lutar contra os rebeldes, mas acabaram desertando e se uniram aos revoltosos. Enquanto isso, no interior do Estado, fazendeiros e comerciantes armaram grupos paramilitares que ficaram conhecidos como “pelotões patriotas” para lutar contra os rebeldes.
No anoitecer do dia 8 de Julho, ficou claro que os militares não conseguiriam tomar toda cidade de São Paulo porque os blindados que eram utilizados não andavam porque eram pesados demais. O plano de tomar a cidade de Santos, sede do principal Porto do país, também não deu certo. Ao perceberem que a Revolução tinha falhado, os rebeldes resolveram mandar um mensageiro ao Palácio que eles tinham bombardeado 2 dias antes, anunciando a sua rendição em troca de anistia. Mas ao chegar ao Palácio Campos Elíseos, o mensageiro o encontrou vazio. O Presidente do Estado, Carlos Campos havia fugido de madrugada. Foi então que os rebeldes resolveram tomar o poder.
No dia 9 de Julho de 1924, Arthur Bernardes ordenou o bombardeio de São Paulo mesmo sabendo que a ação deixaria dezenas de civis mortos. Espertamente, o Presidente mandou atingir apenas os bairros operários como a Móoca, Braz, Belenzinho e o Ipiranga, livrando bairros nobres como o centro, Campos Elíseos e Higienópolis como alvo. A cidade entrou em colapso. A população, desesperada, saqueou depósitos e mercados, impedindo a entrada das tropas legalistas. Onze dias depois do início do levante, 15000 soldados leais ao Governo Federal cercavam a capital paulista. Os rebeldes, então, pediram armistício condicionando a assinatura de um acordo de paz à entrega do poder e à posse de um governo provisório no Brasil com a imediata convocação de uma Constituinte.
Ao ler a proposta, o Presidente Arthur Bernardes chamou os militares revoltosos de “recalcados” e não aceitou o acordo, até porque ele tinha sido eleito em um pleito democrático. Os militares rebeldes propuseram, então, depor as armas em troca de anistia. Arthur Bernardes não quis conversa e decretou a prisão de todos os revoltosos. Mas na madrugada do dia 27 de Julho, os rebeldes abandonaram as cidades paulistas de trem e seguiram para Foz do Iguaçu.
Dois meses depois, em Outubro de 1924, alguns tenentes gaúchos, inconformados com o desfecho da Revolução Liberal de 1923, fugiram em direção à Foz onde se juntaram aos rebeldes paulistas. Em abril de 1925, os dois grupos se juntaram para formar a Coluna Prestes. A guerra paulista 1924 acabou sendo esquecida pelos próprios paulistas que, por coincidência do destino, oito anos depois, iniciaram um outro conflito em 9 de julho de 1932. A Revolução de 1924 acabou virando uma ferida esquecida.