Renato Cariani: o espetáculo midiático e os riscos da presunção de culpa
22 dezembro 2023 às 10h01
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*Thiago Costa dos Santos
Olhe para qualquer tela e verá algo sobre o desvio de produtos químicos para produzir crack, em que uma das empresas envolvidas seria a Anidrol, que tem como um dos sócios o empresário e influencer Renato Cariani. Segundo a acusação, teriam sido forjadas notas fiscais para uma pessoa ligada ao tráfico de drogas, como se estivesse vendendo a grandes farmacêuticas, a exemplo da AstraZeneca. Ocorre que a multinacional, famosa por fabricar vacinas durante a pandemia de Covid-19, rechaçou qualquer relação comercial entre as empresas. Tal fato seria evidência de que Cariani, como um dos donos da Anidrol, estaria no mercado das drogas ilícitas.
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal queriam a prisão de Cariani, além da busca e apreensão em sua casa, mas a Justiça rejeitou colocá-lo na cadeia. Agentes reviraram sua residência no dia 12 de dezembro, por meio da Operação Hinsberg, o que rendeu manchetes e fofocas em todo tipo de publicação, em rádios, TVs, blogs, podcasts e sites. A PF pulou na frente dos holofotes, realizando até uma “coletiva de imprensa” para apresentar esclarecimentos sobre a investigação.
Seis dias depois, Cariani foi à polícia depor. Após algumas horas, foi indiciado por tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e tráfico equiparado. Desde então, é tratado como criminoso por grande parte da mídia e da população. Em linguagem do povão: estão moendo o empresário. Tem sido um tsunami ininterrupto. De um lado, o massacre midiático; de outro, um homem desesperado gravando vídeos para se explicar a seus milhões de seguidores.
Mas, enfim, ele é culpado ou inocente? Nenhum dos dois. Por enquanto, é apenas um investigado, que sequer responde formalmente a uma ação penal. E, exatamente por não se saber, ainda, sobre a sua real participação, presume-se, por força de norma constitucional, que seja inocente. No Brasil, esse princípio parece ser utilizado de maneira seletiva. Vale para uns, mas não para outros.
Operações espalhafatosas como essa perdem cada vez mais a credibilidade, pois o show grotesco destrói reputações, quebra empresas, expõe a intimidade das pessoas e, não poucas vezes, ao fim do processo, depois de anos, prova-se a inocência, que não repercute. É inútil provar honestidade se a reputação já está manchada, sua empresa quebrada e sua vida destruída. Os efeitos de eventual condenação começam na investigação ou, ainda, durante a ação penal. A sentença que absolve serve apenas para “lavar a alma”, uma vez que os danos de se responder a uma ação penal são irreparáveis.
Persiste no imaginário popular o provérbio segundo o qual “onde há fumaça, há fogo”. Para muitos, um investigado já pode ser considerado criminoso, afinal, a polícia não estaria em seu encalço se não houvesse algo de errado. A realidade é diferente. Inúmeras medidas como busca e apreensão não são exitosas. Pior: diversos apenados pela Justiça provam ser inocentes depois de anos presos. Se há a chance de um condenado não ter culpa, muito mais quem ainda é investigado! É necessário agir com parcimônia e evitar qualquer julgamento precipitado, sob pena de estar crucificando um inocente.
Como esquecer do professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo? Era reitor da Universidade Federal de Santa Catarina quando, em 2017, foi preso por supostamente obstruir as investigações de um grande esquema corrupto na instituição. Teve sua imagem exposta em todo o país. Foi afastado do cargo. Dias depois, se suicidou. Num bolso, a mensagem: “A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!!!”.
Às autoridades persecutórias se deve a credibilidade e a reverência como representantes do próprio Estado. Mas seus constantes abusos – por despreparo ou por ego – precisam ser criticados. Uma simples “canetada” equivocada estraga uma vida. Quando não a elimina.
*Thiago Costa dos Santos – mestre em Direito Constitucional, integra o escritório Demóstenes Torres Advogados, e atua nas bancas de Compliance e Direito Penal Econômico.