Por Pettras Felício

Que vivemos um momento terrível de polarização política e de ideologias extremadas já sabemos e isso vem de alguns anos. A todo momento os discursos tensionam ainda mais a já esticada corda do debate sobre governo, políticas públicas, pautas abordadas pela cultura, aspectos do comportamento dos indivíduos e das famílias, modelos de segurança pública e outros.

Tudo é tratado com histrionismo de ambos os lados em que a divisão de ideias se entrincheirou. Em todas as falas, as postagens, os textos, vê-se a canalha tática de recortar e descontextualizar a fala do outro, de focar em apenas um aspecto de uma questão complexa e, a partir desse recorte, produzir uma peça panfletária.

Tem sido assim, sabemos. Mas choca e indigna que não se deponha as armas do sofisma, as técnicas de se manipular informações, os artefatos de explosão viral assentados em distorções ou inverdades mesmo diante de uma tragédia ímpar, de uma calamidade com nenhum ou poucos precedentes.
Não respeitamos nem a desgraça.

Ao escritor Otto Lara Rezende é atribuída uma frase contundente: O mineiro só é solidário no câncer.
Ele refuta a paternidade da frase.

Pois é preciso dizer que o brasileiro médio metido em discussão política hoje não é solidário sequer no câncer.

Com o Rio Grande do Sul submerso, afogado naquela que talvez seja a maior catástrofe da sua história, temos preferido caçar culpados (coisa que talvez alguns sejam), fazer proselitismo, fazer legendas demagógicas para fotos que deveriam provocar somente a piedade e a ajuda, a comoção e a doação.

Alguns contabilizam quantos minutos ou em quantas cidades uma autoridade esteve. Outros misturam entidades federativas e questionam cachê de artista que deveria ser usado em forma de auxílio. Outros ainda, deixam de lado a questão financeira e fixam o debate na questão moral do show. Enquanto isso o Guaíba sobe, Porto Alegre afunda, o RS inteiro naufraga.

Na hora em que a humanidade grita por união ante a desgraça, o auxílio diante do caos, os abutres da baixa política se engalfinham para sair com a razão.

Esse pessoal não é solidário nem no câncer, no dilúvio, no Apocalipse. Não importa a vida. Importante é ter razão.

Pettras Felício é professor de literatura do Colégio Arena, e poeta. Autor do livro “Todo mundo é ninguém é todo mundo” (Kelps, 2024).

*Este artigo é de opinião pessoal do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Jornal Opção.