Marcelo Brice
Especial para o Jornal Opção

Tão dizendo muito e só. Uma imagem que me persegue e que merece um grande prêmio é a de Tite, técnico de futebol, então no comando o Corinthians em clássico contra um Palmeiras treinado por Luiz Felipe Scolari, se envolvendo num bate-boca à beira do gramado com o colega. Então, fazendo um gesto típico de embromação, Tite manda esta: “Você fala muito, fala muito!”.

É claro que as pessoas devem falar, isso é bom. Mas fala-se muita bobagem e isso é regra em tempos de fake news, o que se torna uma tragédia.

Eu queria escrever sobre o tal do “arcabouço fiscal”. Limitado, insuficiente e bem armado. Como disse por aí, é uma vergonha que queima o filme dos goianos um economista respeitado como Henrique Meirelles ter matutado tanto para tirar da cartola o tal do pobre intelectualmente e bem colado no mercado do “teto de gastos”. Isso tudo pra ter 1% dos votos nas eleições presidenciais.

Fernando Haddad e sua equipe do Ministério da Fazenda articularam um plano para o qual o mercado não aponta suas armas, por muitos fatores, mas principalmente por garantir algum investimento governamental em infraestrutura, o que é bom, pois aumentaria a arrecadação e pode-se destinar a esses investimentos, que se não for muito o mercado aceita – se for além de certo limite, isso pode beneficiar os pobres e aí o pessoal da Faria Lima já não aceita mais. Seria cômico se não fosse trágico, como dizia meu irmão.

Mas apesar dos pesares, o legado Temer-Bolsonaro parece poder ser desfeito, com a ideia de responsabilidade rondando o campo. Já o legado tucano permanece, pois continua beneficiado quem foi sempre beneficiado.

Meu dilema, e certamente o de muitos outros, é dar munição para os inimigos. Postei uma crítica ao “arcabouço”, irônica, roubada do professor Tadeu Arrais, intelectual de mão cheia. Um amigo bolsonarista (sim, eu tenho amigos bolsonaristas!), que nunca comenta nada do que eu posto, se apressou em dizer: “E o aumento dos medicamentos?”. Ele talvez não saiba e também talvez não se interesse em saber que todo ano, nesta mesma época, há reajuste nos medicamentos. Mas logo também me apressei em dizer: “Essa conta é ruim, levando em conta que o governo passado fechou a Farmácia Popular.” Imediatamente apaguei o post. Enfim, não se pode nem criticar o governo em paz!

A vida tem umas tristezas desoladoras. Esse caso do massacre em uma creche é completamente absurdo, triste e sem sentido, de uma violência tão brutal e nada gratuita, pois é isso que estamos oferecendo socialmente. O ambiente escolar não tem conseguido figurar como um ambiente protegido, de socialização e aprendizado (nas minhas primeiras aulas em todas as turmas, eu digo: “Estamos protegidos por pensadores e por conhecimentos históricos de diversas matrizes. Aproveitem isso. Não importa onde nos localizamos, vamos por horas conversar sobre ideias de pensadores/escritores brasileiros, latino-americanos, africanos, franceses, caribenhos, ameríndios, espanhóis, portugueses, russos, alemães, italianos, ingleses, estadunidenses… viajar pelo mundo ‘parados’ aqui: essa é a mágica do pensamento. Me usem!”. Não importa a idade, a escola deve garantir essa relação).

E é claro que o bolsonarismo tem a ver com a intensificação desses casos. Como a sociedade está exageradamente agressiva, a escola também se torna. Não saio muito às ruas nem me organizo sistematicamente por meio de partidos ou afins, me resta a prática menor, quando possível, e a intelectual, que é maior, mas nem sempre. Como diz meu pai, com certa razão: “Sim, os intelectuais ajudam, mas nem tanto…”. Marx dizia algo como “os intelectuais interpretaram o mundo, agora é hora de transformá-lo”. Será possível, com tanta desinformação e fake news por todo lado?

Marcelo Brice é doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), com estágio pós-doutoral em literatura na Universidade Nova de Lisboa (UNL-IELT), e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT).